John Perry faz 75 anos e segue em seu alistamento militar. Tentando superar a morte da esposa ele segue rumo ao desconhecido para entrar em uma guerra travada contra diversas raças alienígenas. Mas, como Perry irá combatê-los se ele já é um velho?
Sinopse:
A humanidade finalmente chegou à era das viagens interestelares. A má notícia é que há poucos planetas habitáveis disponíveis – e muitos alienígenas lutando por eles. Para proteger a Terra e também conquistar novos territórios, a raça humana conta com tecnologias inovadoras e com a habilidade e a disposição das FCD - Forças Coloniais de Defesa. Mas, para se alistar, é necessário ter mais de 75 anos. John Perry vai aceitar esse desafio, e ele tem apenas uma vaga ideia do que pode esperar.
Quando eu terminei de ler Guerra do Velho, imediatamente me veio à mente o filme Tropas Estelares. Sim, o filme do Michael Bay, não o livro do Robert Heinlein. Toda aquela pegada militaresca do filme aliado a um senso de humor sarcástico na medida certa. Essa é a proposta de John Scalzi neste divertido livro. Como conceber uma história militar com um personagem de 75 anos e vários problemas de saúde? Como torná-lo uma máquina de matar alienígenas de diversas formas e origens? O autor vai te dizer justamente como ele fez isso nesta história.
A escrita de Scalzi é muito competente. Ele tem aquela pegada cinematográfica que vai te manter preso à história. Tudo o que ele apresenta ao leitor é simples e fácil de ser compreendido. Vamos pegando os conceitos aos poucos e ele usa e abusa das explicações para calcar seu universo. O bacana aqui é perceber que Scalzi se preocupou em atender tanto os fãs mais hardcore quanto os leigos. Tem alguns momentos com aquelas explicações bizarras sobre buraco negro e salto temporal, mas ao mesmo tempo o personagem não é um cientista, então ele chuta tudo para o alto e pega na MU dele e segue para o combate. A narrativa é construída em primeira pessoa, vista pelo John Perry e se podemos dizer que essa escolha é a maior virtude da história é também o seu calcanhar de Aquiles. Empregando um discurso indireto livre que ora tem diálogos, ora tem transposição de falas, o autor consegue criar uma forte conexão entre personagens e leitor.
Porém, para criar essa facilidade de compreensão o autor não pode escapar de delimitar a física de seu mundo. E nesse ponto o autor faz um imenso info dumping. Aliás, isso se estende ao longo de toda a narrativa. Explicações atrás de explicações. Entendi que era para tornar tudo mais acessível, mas mesmo assim chega um momento na narrativa que incomoda. Isso porque o ritmo de ação que ele impõe na narrativa é incrível e o que eu quero ver são momentos como a Segunda Guerra de Coral onde tudo explode. Não me entendam mal, eu gostei demais da narrativa do autor, mas em vários momentos parece que eu estou assistindo a uma aula de astrofísica na escola. Scalzi descontrai um pouco com as colocações irônicas de Perry para Alan ou qualquer outro cientista, mas mesmo assim a gente sente aquele incômodo básico. Em Perdido em Marte, Andy Weir consegue o mesmo objetivo sem ser maçante.
"Harry nos levou até um convés de observação na área colonial. E, de fato, embora nunca tivessem dito especificamente a nós, recrutas, que não poderíamos ir aos conveses coloniais, também não tinham dito a nenhum de nós que poderíamos (ou deveríamos). Parados como estávamos no convés deserto, nós sete parecíamos sete colegiais matando aula para ver algo proibido."
Scalzi tem uma boa pegada com os personagens. Ele consegue ser divertido ao mesmo tempo em que vemos o terror da colonização no espaço. Essa quebra na seriedade da narrativa serve para que criemos uma empatia com eles. Impossível não curtir os Velharias. E a gente fica torcendo por eles, apesar de a história se centrar mais na figura de Perry. E esse apego que temos aos personagens também age como um problema, já que a gente não quer que eles morram. E em uma história de guerra isso acaba sendo inevitável.
Por bastante tempo eu queria entender qual era o objetivo final onde o autor queria nos levar. A premissa básica do livro não é o ponto de chegada da história. Ela só serve para tirar Perry do lugar comum. É quase como entrar no armário e sair no mundo de Nárnia. De repente temos um velho de 75 anos em uma guerra interplanetária. É quase como um plot de fantasia. Aos poucos o autor vai tornando a história mais palpável, criando laços e estabelecendo novos objetivos. Quando chegamos nos momentos finais da narrativa é que é possível entender sobre o que é a história. É simplesmente a história de um homem procurando seguir em frente após a morte de sua mulher. Em nenhum momento o autor diz isso explicitamente, mas vamos vendo nas ações de Perry o quanto ele está solitário. A todo o momento ele vê Kathy em sua frente, se lembra de algum momento terno junto a ela. Somente quando ele aceita a sua partida e decide tomar sua vida em suas mãos é que ele consegue superar as adversidades. Isso não é spoiler porque é mais uma percepção implícita do que algo dito diretamente por Perry.
Porém, eu preciso concordar em parte com os detratores do livro. É difícil fazermos a suspensão de descrença que aqueles personagens envolvidos na guerra são velhos de mais de 75 anos. Lógico que vocês vão comentar: ah, mas calma lá, eles tem momentos em que parecem mesmo velhos. E ainda tem o treinamento todo. Se eu não tivesse lido um livro justamente sobre esse tema, tenderia a concordar com vocês. Porém, eu li Misspent Youth, escrito pelo incrível Peter F. Hamilton, em que a história nada mais é do que um cientista brilhante que inventa um tratamento para se tornar mais novo e se torna um playboy garanhão pegador. Lá, Hamilton consegue passar a aura de um homem velho diante de um novo mundo que se abre para ele. É uma premissa semelhante à Guerra do Velho. Só que o Hamilton consegue passar um protagonista mais experiente de fato, um homem que utiliza a experiência de uma vida para viver sua vida nova (claro que ele comete os mesmos erros de quando era jovem, mas deu para pegar a ideia). E muitas vezes vemos personagens se comportando em Guerra do Velho como se tivessem metade da idade e tivessem esquecido toda a sua experiência de vida. Talvez o protagonista fosse o mais sério e encaixado em sua idade de todos os personagens.
O humor de Scalzi está presente em toda a narrativa. O momento mais engraçado, sem dúvida alguma, é o treinamento com Ruiz. Me peguei rindo alto durante aquele capítulo inteiro. A maneira como o autor brinca com os clichês de filmes militares como Nascido para Matar ou Platoon é inacreditável. E não se trata daquele humor visto em alguns filmes da Marvel que busca forçar o leitor a rir. Nada disso. Ele cria as situações de uma forma muito natural. Às vezes até inesperada. Talvez sirva um pouco para esconder o grau de dramaticidade de tudo o que está acontecendo ao longo da história.
Entretanto, eu queria ter visto mais dos personagens da história. A história acaba se focando demais em Perry fazendo com que os demais personagens fossem apenas transitórios. É como se fosse um borrão de fundo para Perry brilhar. Não dá para dizer que se trata de um narrador não-confiável... até porque eu não acho que seja isso. Acho que foi problema mesmo na hora de delinear melhor os demais personagens na narrativa. Alguns ganham mais espaço de tela como Alan, mas mais porque ele está ao lado do protagonista. Só para não sair como uma crítica completa, muito legal a postura de Scalzi de ser inclusivo. Mulheres em posições legais e sem serem forçadas, homossexuais, minorias. No próprio treinamento ele brinca com essas situações, mostrando que tudo é visto em tom de igualdade. Na guerra, todos morrem igual independente de sua etnia, gênero ou credo. Não se trata de cumprir "cotas", mas de perceber que o mundo é muito mais complexo do que parece.
"- Ela era um ano mais nova do que eu - eu falei. - E falei sobre isso com ela... disse que, se eu entrasse no exército, estaria oficialmente morto, não ficaríamos mais casados e não dava para saber se nos veríamos de novo. - O que ela disse? - Disse que eram detalhes técnicos. Ela me encontraria de novo e me arrastaria para o altar como fizera antes. E ela teria feito isso mesmo. Nesse quesito, ela conseguia ser uma fera."
Guerra do Velho é um livro divertido, bem humorado e com ideias muito interessantes. Em alguns pontos, poderia ter resultado em algo ainda melhor, mas entendi que o autor queria alcançar um público mais amplo. Entretanto, tenho certeza de que todos vocês vão ficar encantados com a jornada de John Perry.
Ficha Técnica:
Nome: Guerra do Velho Autor: John Scalzi Série: Guerra do Velho vol. 1 Editora: Aleph (no Brasil) Gênero: Ficção Científica Tradutor: Petê Rissatti Número de Páginas: 368 Ano de Publicação: 2016 (no Brasil) Link de compra: https://amzn.to/2Q3JpdK
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