Os Guerreiros ABC são um grupo de robôs que defendem a liberdade em um mundo distópico onde Volgogrado se transformou em um Estado ditatorial. O temível Ikone, Volkhan, ameaça o mundo com seus guerreiros robóticos em uma batalha sem fim. Nesta série de histórias vemos os integrantes do nosso grupo principal revelando segredos de como eles conheceram o Ikone enquanto seguem rumo a Marineris resgatar Zippo, um de seus companheiros.
Aviso: essa série é parte integrante das revistas Heavy Metal Primeira Temporada, publicadas pela editora Mythos. Nós estamos analisando história por história das cinco edições. Caso vocês desejem ler sobre outras das séries na revista, cliquem nos links abaixo:
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Certamente o Pat Mills criou uma história bem pirada aqui. Vou começar tentando fazer uma sinopse e mesmo assim vou falhar miseravelmente. Os Guerreiros ABC são uma parte do exército americano que defende o resto do mundo dos objetivos expansionistas de Volkhan, o líder dos volganos. Em um futuro distópico, Volgogrado se tornou uma espécie de império fascista que busca eliminar para sempre as democracias do mundo, consideradas atrasadas e supérfluas para o desenvolvimento da civilização. Acompanhamos um grupo formado por membros de diversas companhias: Hammerstein, considerado um soldado ideal e o líder do grupo; Deadlock, um cavaleiro marcial que tem seu próprio senso de justiça; Zippo, um soldado que tem uma estranha atração por queimar outros robôs; Mongrol, um guerreiro ABC que foi destruído e remontado por uma jovem chamada Lara; e Blackblood, que outrora foi inimigo dos ABC e agora foi reprogramado. Eles estão a caminho de Marineris, uma cidade mineradora onde eles irão encontrar Zippo, uma recente adição ao grupo. Enquanto eles fazem essa perigosa jornada, os membros do grupo compartilham entre si histórias de como eles tiveram contato com o terrível Volkhan e se encontraram brevemente com Zippo durante as Guerras Volganas.
Essa é uma ótima história para conhecer todo o universo criado por Mills. Serve para introduzir cada um dos personagens ao mesmo tempo em que nos ambienta a um mundo que é realmente bizarro. Preciso dizer que essa não é uma história que me cativou de primeira e precisei de algumas edições para vir a compreender mais ou menos o mundo e quem eram os personagens. Aliás, pensei neles não como indivíduos, mas como tipos de robôs. Na história, vocês vão encontrar vários Hammersteins, por exemplo. Essa troca de histórias serve também para individualizar os membros do grupo em si para que os leitores estejam mais familiarizados com cada um. Até porque vamos encontrar elementos que destacam cada um como o ardiloso Blackblood que tem toda uma história com o grupo, o Zippo que teve contato com eles é meio piromaníaco, o Mongrol do grupo tem uma fixação em encontrar Lara que teve os pais mortos por Blackblood. Enfim, apesar de serem séries de robôs, sempre tem uma ou outra característica que os destacam.
A arte de Clint Langley pode chocar em um primeiro momento. Isso porque ela é aquele tipo de arte renderizada, totalmente feita por meios digitais. Parece que estamos vendo uma CGI de um game qualquer. Sinceramente, não é um estilo de arte que me agrade, sendo que eu prefiro tinta e pena. Mas, é uma arte bonita e eficiente e Langley é sagaz ao criar momentos que parecem feitos para um poster ou uma pin-up como o quadro ao lado. Isto não é uma capa, é uma página da HQ. Parece que os personagens estão posando ou fazendo aquele efeito típico de tokusatsu japonês (ou de power rangers) em que o grupo faz aquele momento-foto. De qualquer forma, as cores usadas por Langley se mesclam bem ao roteiro distópico de Mills ao ser sempre com cores escuras e cinzentas. Dá aquele ar robótico e mecânico que contribui para a narrativa; quase não vemos humanos na história já que as guerras são realizadas pelos robôs. Os humanos estão sempre em postos de comando.
A ação é desenfreada e as cenas são repletas de peças voando, balas, fogo, explosões. Langley consegue traduzir bem a intensidade da guerra para o leitor. Outro bom recurso empregado pelo artista são as splash pages. Tem várias delas. Para quem curte é um espetáculo à parte. A quadrinização usada revela também como ele usa uma mentalidade cinematográfica na composição em si. O mais usual são quadros grandes e largos de forma a dar espaço para a arte atingir o leitor de frente, mas ele emprega também closes ou sequências de momento para momento vez por outra. Se posso usar um adjetivo para falar sobre a ambientação é heavy metal. Tudo transborda heavy metal por toda a parte. Quase consigo imaginar uma música do Blind Guardian lendo as histórias. Ou um Iron Maiden. Meu incômodo foi com a dificuldade que tive para entender determinadas cenas; sem ser as cenas de combate, algumas pedem que você entenda o que está acontecendo. Outra coisa que me incomodou foi a escuridão de algumas cenas. Algumas delas fica difícil discernir o que está acontecendo. Não sei se é uma falha de impressão ou se foi uma escolha do artista.
As histórias giram com vários temas bem interessantes. E para quem imagina algo curtinho se engana porque as histórias são um pouco maiores até do que uma edição normal de quadrinho americano (que costuma ter entre 22 e 30 páginas). Apesar de Pat Mills apresentar uma narrativa em que os volganos parecem um império fascista de malucos, não há uma distinção clara entre bem e mal. Vamos pensar aqui que os robôs são empregados para que os humanos não precisem entrar diretamente em guerra. São como drones com inteligência artificial. Quem acaba morrendo são os civis arrastados para o conflito quando existe o bombardeiro de cidades. Tem um momento bem tenso na terceira parte em que um dos lados decide queimar, pilhar e destruir uma cidade apenas porque sim. Mesmo o lado dos americanos não é formado por pessoas lá de boa índole. Os humanos usam os robôs indiscriminadamente e não se importa em abandoná-los para serem destruídos. Existe uma linha de robôs dedicados a destruir os restos daqueles que foram derrotados em combate para que o inimigo não realize engenharia reversa.
Algo que se torna bastante comum nas histórias são robôs precisando fazer decisões morais. Eles possuem uma IA avançada que os dá um certo nível de consciência apesar de não serem completamente livres para tomar suas próprias decisões. Então alguns deles se questionam sobre a natureza do conflito, a validade ou não de uma estratégia ou até a culpabilidade de seres humanos em algum crime de guerra (Deadlock que o diga). Claro que alguns dos robôs possuem uma inteligência limitada, mas mesmo assim eles possuem consciência de si. Um desses exemplos é Mek-Quake, que era um dos membros do grupo, mas foi levado a um sanatório de robôs porque ele começou a dar sinais de instabilidade em combate. Ao permanecer no sanatório, Mek-Quake começa a se questionar sobre seus amigos. Ele quer entender por que foi colocado ali e abandonado pelos outros. E se torna alvo de outras influências questionáveis que colocam em dúvida sua lealdade aos ABC.
Também temos uma história com Blackblood onde conhecemos o império Volgano. E aí nos damos conta de como é o funcionamento de uma ditadura onde o líder é idolatrado como um ícone. Volkhan é tido como uma figura quase divina e todos devem lealdade a ele. As vidas das pessoas que vivem sob o regime de Volgogrado são vigiadas o tempo todo. Uma sociedade de controle onde ser assassinado por um dos robôs por causa de qualquer desvio de caráter é comum. Mongrol conhece Lara dessa forma, quando ele foi capturado pelo inimigo e desmontado. Lara consegue resgatá-lo e o remonta usando peças de robôs volganos, criando uma espécie de Frankenstein, com Mongrol mantendo sua consciência. É através dessa história de Blackblood que vemos o quanto a população dos dois lados está cansada da guerra e alguns trabalham para sabotar os esforços dos robôs e recuperar a paz. É um plot twist interessante que quero ver em outras edições.
Guerreiros ABC tem uma baita narrativa criada por Pat Mills. Ela parece simples colocando robôs uns contra os outros. Aliás, robõs os mais bizarros lutando uns contra os outros. Parece também ser apenas uma desculpa para cenas incrivelmente violentas, daquelas que a gente gostaria de ter na nossa parede. Mas, não é só isso. Mills faz duras críticas a políticas orientadas para o conflito, a uma sociedade de controle que não se importa com as vidas e a como vemos os soldados envolvidos em guerras apenas como ferramentas. A arte de Clint Langley é eficiente, naquele estilo renderizado comum a CGIs. Para essa história, ela funciona como uma luva ao mostrar um mundo cinza e metalizado.
Ficha Técnica:
Nome: Guerreiros ABC
Autor: Pat Mills
Artista: Clint Langley
Compõe as edições 1 a 5 da primeira temporada da revista Heavy Metal
Editora: Mythos
Tradutores: Érico Assis, Octávio Aragão, Antônio Tadeu e Hélcio de Carvalho
Número de Páginas: 100 cada edição
Ano de Publicação: 2018 a 2019
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