Resenha: "Histórias de Horror e Mistério" de Arthur Conan Doyle
- Paulo Vinicius
- há 2 horas
- 8 min de leitura
Essa é uma coletânea que mostra um outro lado do famoso criador de Sherlock Holmes, sir Arthur Conan Doyle. Histórias que vão se debruçar sobre assassinatos, desaparecimentos e esquemas que deixarão o leitor bastante intrigado em suas páginas.

Sinopse:
DO CRIADOR DO ICÔNICO SHERLOCK HOLMES.Arthur Conan Doyle é a mente por trás de personagens icônicos da literatura. É sinônimo de histórias de detetive. É dono de seu próprio estilo, impresso no imaginário do leitor. Mas e se, mesmo depois de dois séculos, pudéssemos redescobrir esse grande clássico com outras facetas?“Histórias de horror e mistério” é uma coletânea de 12 contos curtos e de leitura hipnotizante, graças à escrita de Doyle. Nessas histórias, que vão do horror nas alturas a um trem misteriosamente desaparecido, passando por técnicas de tortura com água do século 17 e um gato brasileiro sedento de sangue, o autor mostra que também brilha fora do gênero que o consagrou e que é capaz de ir muito além de Sherlock Holmes, trocando influências com outros grandes nomes, como Edgar Allan Poe e H.P. Lovecraft.Embarque na leitura dessas ecléticas e cativantes peças, há muito tempo escondidas e permeadas pelo desconforto reprimido, que unem o estilo elegante e preciso de Doyle a seu melhor momento criativo.
Esta é uma coletânea original de histórias de Arthur Conan Doyle. Não é dito quem foi o organizador, mas o pessoal da Escotilha separou seis contos de horror e seis contos de mistério que mostram um lado diferente do autor. É bastante positivo vermos o quanto Conan Doyle era um escritor versátil e não apenas sabia escrever sobre Sherlock Holmes. O próprio autor se queixava disso e procurou variar sua escrita ao longo de sua carreira. A minha edição é diferente da que está à venda na Amazon porque veio na época em que foi criado o Clube Escotilha, uma caixinha surpresa montada pela editora que enviava livros surpresa para os leitores. Era uma caixa inteiramente voltada para literatura de gênero e embora tenha publicado mais clássicos, me ressinto de não termos nada parecido mais com isso (as que tem não são direcionadas a scifi, fantasia e terror). A capa tem uns detalhes em roxo e verde que lembra bastante a capa da edição cósmica da coletânea do H.P. Lovecraft publicada pela DarkSide. A tradução da Maria Luisa X. de A. Borges está muito boa e para um texto clássico, ele está bem simples de ser lido. A edição conta também com uma apresentação bacana do Oscar Nestarez, um baita autor de terror e estudioso do gênero.
Em um aspecto geral podemos falar de duas facetas do autor. Na parte de terror, fica bem clara a inspiração que ele tem dos contos de Edgar Allan Poe. A gente percebe algumas características dos contos poeanos presentes na história: a apreensão, a situação insólita, uma busca pela resolução e uma conclusão que pode ou não ser boa (normalmente não é). Nos contos temos uma história de fantasmas, temos desaparecimentos e criaturas bizarras, representando o mundo desconhecido que o homem apenas começava a ter familiaridade. Mesmo buscando emular o estilo de Poe, Conan Doyle não tem o mesmo talento do famoso escritor de terror. Certas horas o leitor se dá conta de que ele força algumas situações para causar apreensão, algo que Poe fazia com mais naturalidade. Em outras, Conan Doyle opta por fazer escolhas narrativas com as quais ele é mais familiarizado, destoando do estilo que ele tinha escrito até então. Não chega a estragar a fluidez da história, mas você percebe que algo não está no lugar. Vou tentar dar dois exemplos.
OBS: Não vou comentar sobre O Gato Brasileiro porque já temos uma resenha feita dele aqui no site.
É legal começar pelo começo e Horror nas Alturas é um bom exemplo de como nem sempre as coisas funcionam como se deve. Nós acompanhamos uma série de relatos de pilotos de aeroplano que estavam tentando alcançar altitudes muito elevadas, ultrapassando os limites impostos pelos seus equipamentos. Até que um deles parece ter se deparado com alguma coisa terrível e que então outros que fazem o mesmo caminho também se deparam. A ideia de Conan Doyle foi criar uma narrativa com base em relatos episódicos desses pilotos que narram o que vivenciaram durante os momentos em que estavam no ar. A trama toda tem como faísca a morte de um piloto muito talentoso que abala todos os demais. A trama segue em um crescendo em que vamos vendo que os relatos vão se tornando cada vez mais aterrorizantes. Cada piloto queria fazer mais e melhor do que o anterior e isso parece ter despertado alguma força desconhecida. O autor trabalha bastante com o local misterioso, um mote bastante visto em livros de terror do início do século XX em que a humanidade ainda explorava os cantões desconhecidos do planeta. Aliás, O Gato Brasileiro é uma mera variante disso, substituindo o local por uma criatura. Só que a narrativa é meio desconjuntada porque ela se propõe ser epistolar, mas é cursiva. Então, o narrador vai mudando de relatos no meio dos parágrafos, o que provoca uma bela de uma confusão mental no leitor. Ora, ele comenta sobre o que um dos pilotos viu e no instante seguinte estamos em outro, sem uma transição suave. Em vários momentos me perdi e precisei voltar um ou dois parágrafos, o que torna a leitura bastante truncada.

O senso de pavor ou apreensão toma boa parte da narrativa, mas o autor precisa se ligar qual é o timing e a forma corretas para causar aquele terror. Poe sabia fazer isso de formas simples, seja apresentando subitamente uma situação bizarra ou causando susto no personagem. Conan Doyle não consegue fazer isso porque ele cria uns negócios tão fora da caixa que me peguei tentando imaginar o que ele criou ali. Foi algo mais anticlimático do que apavorante. Não me entendam mal, a narrativa não é ruim e possui bons momentos de crescendo, que é algo que parece que os autores de terror de hoje se esqueceram, e ela vai procurando atingir um patamar de estranheza. Só que ela fica nisso e acaba sendo apenas mais uma história. O Gato Brasileiro é até mais eficiente para provocar o pânico.
O que Horror nas Alturas não foi capaz de fazer, O caso de Lady Sannox atingiu com louvor. Para mim, é o melhor dos seis contos de horror e esse sim tem a cara de um conto do Poe. Aqui tem tudo: vingança, gore, estranheza. O narrador começa fazendo uma fofoca sobre o notório caso de adultério entre lady Sannox e o nosso protagonista Douglas Stone. Fala sobre como a situação correu a boca miúda e fez com que o senhor da casa se saísse humilhado e tendo perdido status na sociedade inglesa. A história dá então uma volta e nos coloca na residência de Douglas, que é um médico respeitado. Ele está se preparando para ir a um de seus tórridos encontros com sua amante quando um cliente bate desesperadamente na sua casa em um horário inapropriado. Depois de muito convencimento (e muitas moedas na bolsa de Douglas), o médico aceita ir ver a esposa do senhor que parece estar com uma estranha paralisia provocada por um veneno que pode matá-la a qualquer momento. Esse é o encaminhamento da história que possui momentos bastante inesperados. Conan Doyle nos envolve e consegue enrolar o leitor de uma tal maneira que quando ele faz a virada narrativa no final, nos deu uma belíssima rasteira. A arte de um bom conto de terror está em dar um falso senso de segurança ao leitor. Quando tiramos o tapete que esconde a armadilha, estamos tão confiantes que caímos nela sorrindo. Para mim, esse conto tem ritmo, tem fluidez e tem o timing exato para a revelação fatal.
A segunda parte do livro contém seis contos de mistério e aí é um terreno familiar para o autor. Ele faz aquilo que sabe fazer bem e consegue criar histórias intrigantes. Só que gostaria que Conan Doyle tivesse arriscado um pouco mais porque na maior parte das vezes ele emprega um esquema formulaico demais e que não empolga. É como ler Agatha Christie: depois que você leu vinte romances dela, o vigésimo-primeiro precisa ser algo muito diferente ou me sinto entediado com aquilo. Os seis contos tem a mesma estrutura: apresentam um caso insólito, as buscas são iniciadas (com voltas, reviravoltas, descobertas, becos sem saída e súbitas revelações) até que ao final alguém conta todo o mistério detalhadamente, seja através de uma confissão ou de uma carta. Conan Doyle é ótimo em criar mistérios absurdos como o do trem desaparecido, mas os personagens são tão inócuos que sequer me lembro quem são. Tem o fulano da polícia, o ciclano detetive e o beltrano inspetor.
O trem especial perdido mostra um pouco da habilidade do autor em criar mistérios intrincados. Um trem especial contendo um passageiro importante desaparece subitamente. O inspetor inicia uma caçada ao tal do trem, buscando ver aonde ele poderia ter descarrilhado, em que estações passou e onde se encontra os passageiros. Conan Doyle nos coloca no drama das horas iniciais do desaparecimento em que todos fazem o máximo para encontrar o tal do trem. Mas, pouco a pouco as buscas vão ficando infrutíferas e a frustração vai se tornando evidente na expressão dos personagens. Cada nova descoberta leva a outro beco sem saída que vai tornando o caso inexplicável. E é o que ele é até que algo muda as coisas. Para mim, essa história é mais frustrante do que legal, porque não basta a gente só tornar as coisas impossíveis, é preciso dar um mínimo de esperança para que o leitor ache que o caso é passível de ser descoberto. O que acontece ao final é um tipo de deus ex machina disfarçado na forma de humildade e busca por redenção.

Já O Médico Negro é uma variante dos casos de mistério apresentados na coletânea. Se trata de uma narrativa de tribunal onde durante um julgamento um indivíduo tenta se livrar da condenação. Conan Doyle nos apresenta um médico negro que ganha ares de respeitabilidade em sua comunidade até o dia em que aparece morto. Todas as provas parecem indicar que a última pessoa que o visitou pode ter sido o responsável por seu assassinato e o fato de ele ser um marido ciumento que imagina que sua esposa possa estar tendo um caso com o médico piora tudo. Aqui, Conan Doyle brinca com as pistas, fornecendo um novelo para que o leitor possa desemaranhar. Os casos de mistério mais legais, para mim, são aqueles onde todos os fatos estão ali em nossa cara, bastando que façamos as conexões. Inserir dados inéditos desconhecidos pelo leitor me parece mais um golpe baixo do que apelar para a atenção do mesmo. Gostei da resolução do caso e o autor me enrola o suficiente para que me satisfaça ao final, mas meio que me senti enganado.
Essa é uma boa coletânea que apresenta outro lado de um autor que conhecemos. Vale pelos contos presentes (tem alguns bem legais mesmo) e por ser um ótimo material de estudos. Principalmente pelo fato de Conan Doyle ser inspirado e inspirar outros autores contemporâneos seus naquele contexto. O material está bem legal e vale a pena o leitor dar uma chance para ele. Penso também que quem não conhece Conan Doyle pode tentar começar por aqui já que várias de suas principais características e estilo narrativo estão presentes nos doze contos que compõem esta coletânea. Uma boa aposta da Escotilha.

Ficha Técnica:
Nome: Histórias de Horror e Mistério
Autor: Arthur Conan Doyle
Editora: Escotilha
Tradutora: Maria Luiza X. de A. Borges
Número de Páginas: 256
Ano de Publicação: 2019
Avaliação:

Link de compra:

Comentarios