Em uma narrativa claustrofóbica, Chad Oliver coloca o protagonista em uma situação em que ele precisa questionar sua própria mente se aquilo que ele está vendo é real. E um alienígena pode estar ou não envolvido nisso...
Já vimos como a antropologia e a sociologia passaram a ser empregados por alguns autores da década de 1950 para compor algumas narrativas bem interessantes. Chad Oliver nos apresenta a história de colonizadores que são enviados até planetas distantes e precisam lidar com a ausência de outras pessoas e a solidão. E isso pode deixá-los vulneráveis à ação de forças externas.
O autor consegue colocar muito bem a situação de tédio e tensão em uma mesma história. Parece incrível como dois sentimentos tão opostos possam se entrelaçar para formar uma narrativa como a deste conto. Isso porque os nossos personagens são uma espécie de equipe de batedores formada por dois casais cujo objetivo é estabelecer as bases para que outros colonos possam chegar e habitar o local posteriormente. Estes são programados por hipnose para não sentir tanto o efeito da solidão de estar em um lugar sem contato com sua cultura e outros seres humanos. Gordon está em uma equipe de exploração da lua de Ganymedes, embaixo de toneladas de gelo maciço. Mas, por algum motivo eles perderam a comunicação com o planeta Terra. E as perspectivas são bem ruins para o grupo.
O começo da história serve para mostrar a vida chata que aqueles dois casais precisam desfrutar em um lugar tão estranho. O autor consegue passar todo o enfado por trás dos jogos de poker e de bridge, dos filmes em 3d, das mesmas companhias nos mesmos horários fazendo as mesmas coisas. O leitor vai até se enganar achando que o conto tem um ritmo desagradável e ruim. Isso é totalmente proposital. Até porque apenas o Gordon não foi afetado completamente pela sugestão hipnótica. Sua mente parece ter resistido a parte do procedimento. Por essa razão, o personagem parece sentir coisas que os demais personagens não compreendem. Isso é porque as barreiras da sugestão hipnótica estão ruindo.
A narrativa é em primeira pessoa e é bastante próxima do protagonista. Por essa razão é importante construir um personagem credível. O fato de ele estar resistindo à sugestão permite que o autor consiga fazer o info dumping tranquilamente. É como se o protagonista fosse o personagem orelha da história. Chama a atenção o fato de o autor nos fornecer as informações sobre o mundo e o lugar em que eles se encontram bem aos pouquinhos. Então é uma narrativa de teor bem progressivo. Eu cheguei até a imaginar algumas coisas erradas sobre os demais personagens na história. Isso é como o autor vai te guiando por caminhos às vezes tortuosos.
Quando acontece o ponto de virada e John surge na casa, a história começa a ganhar ímpeto. Não temos uma batalha propriamente dita porque tudo fica no campo das ideias. A tensão está presente em cada palavra de John e aí a realidade começa a ser desconstruída. Isso porque Gordon começa a duvidar do que se sucede ao seu redor. Após tanto tempo enclausurado em um lugar com outras três pessoas ele já não sabe mais se ele se tornou vítima de uma brincadeira de mau gosto ou de algum teste da parte dos cientistas da Terra. Esse questionamento da realidade nos mantém presos na história até o final.
A principal temática do conto é se o homem está preparado ou não para explorar o espaço. Isso porque aqueles que forem primeiro precisam ter uma fibra mental acima do normal. O que Gordon é obrigado a passar é algo absurdo. Eu ficaria louco em pouco mais de um mês. O ser humano é um ser gregário por natureza. Precisamos estar em contato o tempo todo com objetos, lugares e pessoas que nos são familiares. A ausência disso faz com que percamos o contato com nossas próprias identidades. A nossa identidade é construída com base no mundo que nos cerca, com base nas pessoas com que nos relacionamos. O leitor vai perceber que as outras três pessoas que estão na casa com Gordon sofrem um terrível choque quando desconfiam de onde se encontram.
Essa é uma história poderosa que nos mostra um pouco do que se passava na mente dos pensadores e intelectuais na época da corrida espacial. As informações que tínhamos acesso nos permitiam especular sobre como seria uma possível colonização de um planeta ou asteróide. Nesse sentido, Chad Oliver foi muito feliz ao construir uma história que tem muito de ficção científica, mas que nos faz parar para pensar em qual é o nosso lugar na sociedade e como a nossa identidade é construída.
Ficha Técnica:
Nome: Let Me Live in a House
Autor: Chad Oliver
Gênero: Ficção Científica
Publicado originalmente em 1954
Conto que faz parte da coletânea The Big Book of Science Fiction
Organizado por Jeff Vandermeer e Ann Vandermeer
Editora: Vintage
Ano de Publicação: 2016
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