Uma família é destruída quando o pai é morto por um ex-aluno de sua escola. A mãe e os três filhos se mudam para a casa do tio, a Keyhouse Manor, para fugir de todo o trauma. Mas, ao chegar lá, eles vão se deparar com forças sinistras que parecem estar obcecadas em manter a família em uma rota de destruição.
Sinopse:
Escrito por Hill e com arte de Gabriel Rodriguez, Locke & Key conta a história de Keyhouse, uma improvável mansão da Nova Inglaterra onde a família Locke se refugia para tentar escapar de um assombroso passado de dor e assassinato. Mas a mansão guarda mistérios inimagináveis… e é o lar de uma criatura implacável e dominada pelo ódio, que não descansará até conseguir o que quer.
Esta é uma história que aproveita todos os clichês do gênero de terror e o traz ao mundo dos quadrinhos. Gosto de ver um bom roteiro e aqui Hill nos apresenta essa família que vive toda uma tragédia íntima e precisa lidar com isso. Mas, como bom escritor de terror não podem faltar as influências sobrenaturais. Não é comum hoje vermos boas HQs de terror fazendo sucesso no Brasil. Até porque passar aquele ambiente de temor e tensão para dentro dos quadros não é tarefa para qualquer um. Sem falar que temos uma noção de obras de terror um pouco diferente do que era feito há algumas décadas atrás: hoje preferimos o terror com efeito do choque, o susto momentâneo muito mais do que uma construção do medo e da tensão.
A família Locke tem seus problemas como qualquer família normal. Um filho que sofre com as grandes expectativas do pai, uma filha que busca encontrar sua identidade e um menino mais novo criativo e doce. Mas, uma tragédia se abate sobre todos quando um ex-aluno decide assassinar o pai por motivos que eles desconhecem. Os filhos presenciam a morte do pai e precisam fugir dos assassinos, mas depois de uma enorme confusão, a prisão não é o suficiente para que a família se sinta segura. Fora o trauma de viver em uma casa onde o pai fora assassinado. A solução é se mudar para uma mansão herdada pelo pai, mas que ficou aos cuidados de seu tio Duncan. A mansão Keyhouse se torna o novo lar dos Locke e eles tentam se adaptar a uma nova vida em um novo lugar. Só que os problemas reaparecem e estranhos eventos cercam as imediações da mansão. E parece que estes eventos estão de alguma forma conectados com o assassinato que eles imaginavam ter superado.
A arte de Gabriel Rodriguez é eficiente em trazer para nós todo o estranhamento fornecido pelo roteiro de Joe Hill. Como disse acima, é complicado transmitir uma atmosfera de medo para as páginas de uma HQ. E a narrativa de Hill é mais ambiental, onde a tensão vai sendo montada pouco a pouco. Não são criaturas nojentas e terríveis por toda a parte. A arte de Rodriguez é bem pé no chão, com alguns momentos de fenômenos fantásticos com o surgimento das misteriosas chaves. A quadrinização dele é bem tradicional com o emprego de quatro a seis quadros por páginas. A chave de tudo, sem trocadilhos, é a preocupação do artista de preencher o ambiente. Sabe aquela sensação de que algo espreita no fundo? Pois é, ele brinca bastante com isso com aparições surgindo de forma clara nas páginas (como a mulher do poço) ou outras nem tão aparentes. Mesmo se tratando de pessoas comuns, o artista consegue dar bastante individualidade a eles, seja investindo no tipo físico, no corte de cabelo ou na aparência propriamente dita. Em pouco tempo somos capazes de diferenciar os três irmãos, o tio ou a mãe. A arte em si não me chama completamente a atenção, apesar de que essa primeira edição é meio morna nesse sentido, não oferecendo ao artista muitos momentos para brilhar.
O roteiro é intrigante porque até a metade desse volume imaginamos se tratar de um suspense tradicional com um garoto com motivos inexplicáveis perseguindo o pai e depois a família. Claro que uma HQ tendo um título de Lovecraft não pode ser muito pés no chão e quando o sobrenatural surge na história, aí é que as coisas ficam realmente estranhas. Hill vai construindo a tensão pouco a pouco, inserindo novos elementos um atrás do outro. Um ponto positivo para a narrativa é que ela não corre. Cada revelação é cercada pelas consequências de como isso vai afetando a família como um todo e da metade para a frente da histórias vamos nos acostumando também aos personagens de apoio que fazem parte de alguma forma à narrativa como um todo. Esse é realmente um volume de apresentação, mas tudo é feito para prender o leitor na história. Ficamos curiosos e tensos pelo que vai acontecer em seguida.
Nesse primeiro volume vemos a introdução das chaves e o que elas significam. E isso é feito através do personagem do Bode, o filho mais novo. Como uma criança curiosa e criativa ele consegue acreditar em coisas fora do comum. Aliás, é o mais propenso a aceitar o que as chaves podem fazer. E existe até um certo fascínio em gerar uma tentação em uma alma inocente, algo explorado pelo antagonista. Explorando as fraquezas emocionais do menino, que só deseja ver a felicidade de sua família, somos apresentados a um personagem que oferece pactos fáusticos e meias verdades a todos. Sem entregar muito sobre o que são as chaves, basta sabermos que ela funciona apenas com pessoas mais novas. Adultos não são capazes de explorar suas potencialidades. Mas, isso ficou meio estranho a partir de um plot twist no final desse volume que não entendi bem. O motivo de um determinado personagem ter conseguido usar a chave se apenas pessoas mais novas assim são capazes. Bem, vou colocar na conta do sobrenatural.
Tyler é outro personagem bem explorado aqui. O seu problema com o pai é algo bastante comum em histórias que envolvem famílias: o filho que é muito cobrado por seu pai. Cuja criação vem com uma série de exigências, e o fato de ser o primogênito coloca algo ainda mais presente nessa relação. As brigas entre os dois são constantes e ele acaba falando algo do qual vai se arrepender depois. Quando o assassinato acontece, Tyler é o que mais sente porque era mais próximo de seu pai. O fato de ser muito cobrado o colocava sempre no olhar do pai que o aconselhava e tentava educá-lo. O sentimento de ausência vem quando a ficha cai. A pessoa que o impulsionava para frente não está mais lá. Sem contar com o fato de que Tyler atirou e matou uma das pessoas que invadiram sua casa. A morte dele está em sua mente e coloca uma série de outras situações em perspectiva. Isso transforma o personagem em uma espécie de protetor obsessivo da família. E ao mesmo tempo em que isso faz com que ele amadureça mais rápido, o torna inseguro já que ele sente que por culpa dele é que as coisas aconteceram.
Já Kinsey, a filha do meio, acaba sendo afetada de outra forma. Precisando proteger Bode e se esconder dos bandidos quando estes mataram seu pai, o medo de morrer a paralisou completamente. Ela sente que a morte pode estar à sua espreita e a prisão de Sam, o assassino de seu pai, não foi o suficiente para aplacar seus temores. A mudança para outra cidade significa respirar outros ares e a menina que antes buscava ser percebida com seu visual diferente agora deseja apenas se tornar invisível. Ela não quer ter que dar explicações sobre a morte de seu pai e reviver momentos traumáticos. A transformação de sua personalidade é cristalina e esse sentimento de desejar desaparecer da vista de todos a faz rejeitar até mesmo fazer novas amizades. Tudo o que ela quer é paz para si, mesmo que isso a isole do resto do mundo. Mas, sabemos que o mundo tem o hábito de nos fazer encarar nossos medos, mesmo que seja na marra.
Este é um bom começo para uma história que promete fortes emoções. Joe Hill consegue trazer o seu terror para as páginas de um quadrinho. Para alguém que escrevia apenas romances, ele se revelou um ótimo roteirista. E o melhor de tudo é que ele traz a sua bagagem como escritor e implementa um ritmo próprio à sua narrativa. A arte consegue funcionar bem, apesar de que ainda falta aquele algo mais para fazer com que o quadrinho consiga se destacar no meio de tanta coisa legal disponível no mercado. Estou curioso para ler os próximos capítulos desta história.
Ficha Técnica:
Nome: Locke & Key vol. 1 - Bem-vindo a Lovecraft
Autor: Joe Hill
Artista: Gabriel Rodriguez
Editora: Geektopia
Tradutora: Eliana Gallucci
Número de Páginas: 176
Ano de Publicação: 2017
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