Paulo Vinicius

Resenha: "Lâmina Celeste" (Segunda Essência vol. 2) de Erick Santos Cardoso

Táscia Elena é uma garota que passou por momentos bem difíceis em sua vida. Desde sua infância quando perde os pais por causa de dívidas adquiridas por seu pai, às duras noites como garçonete em uma taverna aos dias ao lado de Magna, uma guerreira reiliani, vamos acompanhar a trajetória desta intensa personagem.

Sinopse:

A verdade está no topo do mundo Táscia Elena é uma estrangeira que recebe a incumbência de treinar e criar um exército para uma missão suicida, sobre a qual pouco entende: conquistar as capitais dos Três Reinos e a antiga máquina arcana Torre de Babel, conhecida por ser a chave para o lugar lendário onde mora o conhecimento da Criação. Neste romance de fantasia carregado de melancolia e intensas cenas de luta, viver sem amarras e descobrir afeto e aceitação será impossível no brutal caminho da jovem guerreira. Em um universo em que a magia é proibida e a nobreza decadente recua diante da ascensão burguesa, as três coroas aliadas do Templo espremem pequenas nações para explorá-las e bancar seus luxos. Táscia Elena não terá escolha, deverá abraçar cada responsabilidade e marchar ao lado de forças antigas na grande guerra de seu tempo. Lâmina Celeste é o segundo romance de Erick Santos Cardoso, editor e fundador da Editora Draco, com mágicas ilustrações de Abel (Ditadura no Ar, DC Comics e Stranger Things). e mostra o outro lado da guerra iniciada em Guirlanda Rubra, romance premiado e celebrado pelo público e crítica. Entre missões secretas para estancar a sangria dos corruptos que aleijam o pequeno reino de Babélia e a descoberta dos segredos do mundo ao lado dos misteriosos L’dren, acompanhe Táscia Elena na perseverança de seguir adiante em uma existência que nunca se preenche, como uma tarefa absurda e irrealizável.

Dizemos que nossas vidas são medidas por nossas ações. Seja enfrentar com coragem uma situação difícil, ser capaz de ajudar outras pessoas, nos dedicar a uma tarefa complicada. Mas, e quando não temos o privilégio da escolha? Como fazer quando nossos destinos são ocultados de nós por circunstâncias alheias a nós? Tascia Elena é uma jovem cuja vida teve muitos momentos dramáticos. Coisas as quais ela não tinha controle e foram impostas a ela por pessoas que nem sempre lhe eram acessíveis. Essa será a trajetória de uma personagem carismática e impactante a qual iremos acompanhá-la, sofrer e torcer junto com ela. Tudo o que ela busca é um conceito conhecido como verdade. Mas o que é a verdade? Nessa busca pela verdade, Táscia se colocará diante de dilemas físicos e morais que testarão os limites de sua força de vontade. Ao final, que tipo de pessoa sairá após tantos obstáculos?

Esse é o segundo livro na duologia escrita pelo autor. Cada um deles é focado em um personagem: o primeiro em Garlando Espendi e a narrativa da ruína de sua família e sua transformação em um herói e o segundo em Táscia Elena que deseja descobrir a verdade do mundo e encontrar o seu propósito. As histórias de ambos se conectam, mas não dependem uma da outra para existirem. A proposta é bastante interessante e nos ajuda a entender o mundo a partir de dois pontos de vista bastante distintos e que possuem suas próprias histórias a serem contadas. Eles até mesmo se colocam em lados opostos da guerra que acontece entre Alvos e Albinos, duas raças de imortais que existem no mundo de Mammon. Nesse sentido a narrativa funciona muito bem e os dois livros podem ser lidos de forma independente até. Recomendo ler a duologia completa, mas se for para decidir qual é o meu favorito, Lâmina Celeste vence. Os dois personagens são diferentes entre si e a própria narrativa muda. No primeiro livro temos uma narrativa baseada na jornada do herói, mas com algumas peculiaridades por conta das escolhas feitas por Garlando. Este segundo livro possui um viés mais de superação, com uma personagem que sempre precisa correr atrás daquilo que ela deseja para si, mas o tempo todo ela tem suas asas cortadas por um motivo ou outro.

"Táscia se ajoelh, acomoda-se com a coluna ereta, disciplinada mesmo quando deve se abrir como um livro para que seja lida, compreendida e perdoada."

Senti uma escrita mais madura do Erick neste segundo livro. Talvez pelo primeiro ser uma história de heroísmo mais convencional e esta aqui ser algo mais pesado. O drama de Táscia é mais palpável e sua história nos faz sofrer junto com ela. Em vários momentos do primeiro volume tive bastante dificuldade para me relacionar com Garlando que tinha algumas atitudes bastante complicadas de serem aceitas. São escolhas dos personagens e é aquela coisa do envolvimento mesmo. Táscia possui uma trajetória mais sofrida seja com os problemas familiares que acontecem no começo ou o como ela vai se envolver na trama maior. Não se deixe levar pelo tamanho tradicional do livro com suas trezentas e poucas páginas. Há muita, mas muita história sendo contada aqui. Curiosamente acabei não gostando tanto do clímax, sendo que os meus trechos favoritos estão após a perda de Magna e seus momentos iniciais como líder de um grupo de mercenários os quais ninguém dava confiança. O autor poderia ter explorado mais esse momento porque me fez remeter fácil a obras como A Companhia Negra (do Glen Cook) e Reis do Wyld (de Nicholas Eames). Os laços com o grupo são muito reforçados aqui para mais para a frente serem abandonados (quer dizer... não de todo abandonados) em prol da busca de Zorak pelas pedras-alma. Teria dado uma história incrível com a Táscia liderando estes mercenários até o último momento e tendo que tomar decisões militares e morais difíceis. Ao mesmo tempo em que ela se reforçava como uma líder, seguindo os passos de Magna, ela precisaria lidar com a realidade difícil da guerra onde os lados acabam se tornando cinzentos. Mas, a narrativa do autor é incrível e alguns momentos são dramáticos como a tomada de Cidânia ou a batalha pela Torre de Babel.

Táscia é uma personagem em busca de seu propósito. Isso está presente desde a primeira página. Ela não teve tempo para amadurecer em seu próprio momento. Precisou se resguardar desde nova e isso a fez uma pessoa carente de afeto. Ter se envolvido com Magna é uma demonstração cabal disso. A guerreira reiliani funciona como uma mãe e como uma amante para ela. Supre esses dois amores que Táscia busca. Quando ela perde esse referencial, sua personalidade ainda não está inteiramente formada e ela reluta com algumas questões mal resolvidas. Ser alguém em busca da glória de Babélia e se colocando como espadachim de Zorak em suas ambições é uma forma de esquecer estas situações. Tanto é que quando Garlando cruza com ela no acampamento babeliano, estas feridas se reabrem e ela fica perdida. Toda esta ausência de amor e de propósito claro só vai estourar quando ela está próxima da batalha final. Ela imaginava estar lutando por um objetivo, a seu ver, justo, mas se dá conta de que tal não é o caso. É como se nesse momento ela ficasse vazia por dentro. Táscia vai precisar encarar essas decisões difíceis no meio de uma batalha mortal pelo destino do mundo.

"Táscia olha para o lado oposto de onde acontece o treinamento, que já é retomado devagar. O dia cinzento e quente abafando a planície castigada, que espera por nada nesse lugar sem ninguém. Expirada, cansada, sem propósito, a imagem da pedra sendo empurrada pela longa ladeira, mas a visão dos olhos de Magna a faz respirar fundo,.

Outro ponto importante nesse livro é a demonstração dos horrores da guerra. Não há algo cavalheiresco no meio. Táscia se imagina como uma cavaleira virtuosa levando a justiça aos nobres corruptos de Babélia. Mesmo que estes nobres consigam escapar de um julgamento graças a seus contatos, ela se sente fazendo sua parte. E Magna o tempo todo a considera ingênua ao não compreender a profundidade dos rancores existentes no pano de fundo. Para Táscia, aqueles momentos iniciais como Agente da Paz eram a sua guerra. Só que Magna já compreendia que sua protegida precisava abrir os olhos. Quando ocorre a tentativa de assassinato da duquesa de Enhasa e Magna acaba levando a culpa é que as coisas se modificam para ela. Só então vemos uma personagem precisando encontrar forças no fundo de seu coração e lidar com mortes, perdas e ordens que ela não consegue compreender. Ninguém esperava nada dela e ela o tempo todo frustra os seus detratores.

O que nos leva ao último ponto que é justamente a jornada fantástica que a personagem faz. Ela é dramática e repleta de espinhos? Certamente. Mas, Táscia passa a narrativa toda se provando melhor. Mesmo não entendendo muita coisa, mesmo se sentindo manipulada na metade do tempo, mesmo convivendo com meias verdades, ela traça o seu caminho como uma flecha disparada adiante. O leitor consegue perceber aonde a jornada dela vai dar lá pela metade do livro, mas mesmo assim ainda torcemos por ela. Táscia é alguém que merece mais e embora ela seja bastante maltratada pela vida e pelas escolhas que lhe são imposta, ela persiste e persevera. Talvez o grande mérito do autor tenha sido criar uma personagem que parece muito brasileira em todo o seu ser. Que luta, que rasga, que arranha, que se suja, mas que nunca desiste de seguir adiante. Táscia é como cada um de nós em seu cotidiano difícil e com opções escassas. Daquelas que faz uma limonada com um limão.

Lâmina Celeste é o meu livro favorito da duologia, sem dúvida alguma. Com uma narrativa mais madura e mais pesada em alguns trechos, Erick Santos nos leva em uma jornada aos confins mais sombrios de seu mundo para nos mostrar uma lâmina brilhante que ilumina os corações. Uma mulher de forte personalidade que tenta encontrar amor e propósito em um mundo que lhe retirou os dois. E que vai buscar no fundo de seu coração a verdade, mesmo que esta Verdade não esteja em sua frente.