Nesta adaptação do clássico romance de Jack Kerouac, Mickey é um jovem em dúvida sobre que caminho seguir. Ele recebe a missão de levar dois rolos de papel em uma longa viagem até que conhece Pateta, alguém que gosta da arte de viajar e de curtir novas experiências.
Sinopse:
Uma divertida e inusitada homenagem ao romance mais polêmico de Jack Kerouac marca a estreia do selo Graphic Disney. Estados Unidos, década de 1950. Aspirante a escritor, Mickey aceita a tarefa de transportar duas bobinas de impressão de um lado a outro do país. Na viagem, ele conhece Pateta, um libertário de bem com a vida e cheio de jogo de cintura para encarar qualquer contratempo. E problema é o que não vai faltar na longa jornada desses amigos improváveis, pois tem gente muito mal-intencionada atrás deles! A Panini Brasil lança mais uma coleção de HQs Disney, agora enfocando o trabalho autoral de quadrinhistas contemporâneos, em volumes recheados de atrações extras, como esboços e comentários de bastidores.
Quando era menor sempre fui fã das aventuras do Tio Patinhas, do capitão Boeing e dos sobrinhos Huguinho, Zezinho e Luisinho. Inclusive um dos primeiros livros que eu li por minha conta foi o Guia do Escoteiro Mirim. Não era bem um livro de ficção, mas adorava tentar (e falhar miseravelmente) nos experimentos que o guia dava para a gente. E aí, cresci e fui deixando de lado os quadrinhos. Quando voltei há alguns anos, queria ler ou Marvel e DC ou os "quadrinhos sérios" e deixei de lado outras HQs que já haviam passado pela minha vida. E então, veio a iniciativa da Panini de passar a publicar o material de colecionador da Disney, mais as linhas europeias de banda desenhada ou coleções como as do Carl Barks e do Don Rosa. Nunca foi algo que me chamou a atenção, embora admitisse que havia um público para isso. A Panini havia pego parte dos direitos que pertenciam à Abril (a principal foi parar nas mãos da Culturama). E uma das primeiras publicações dessa nova iniciativa foi Mickey e Pateta - Pé na Estrada. Dizia na sinopse ser uma adaptação de On the Road, um livro clássico de Jack Kerouac. Minha reação foi: "uhmmmm...". Comprei, li e me surpreendi com o conteúdo. E comprei outros quadrinhos Disney. E me surpreendi novamente porque a nossa leitura como adultos é completamente diferente da que temos em nossa infância. Digo isso a respeito do roteiro e da arte principalmente dos quadrinhos Disney italianos e franco-belgas. São algo completamente à parte do que você, leitor, esperaria. Duvida? Deixa eu te levar nessa resenha a rever seus conceitos.
Nessa incrível homenagem a Jack Kerouac, Mickey é um jovem que precisa decidir o que quer fazer de sua vida. Ele escreveu um romance (cuja primeira frase lembra de outro personagem famoso de um certo senhor Schultz) que nenhuma editora deseja publicar. Até que o senhor Scribner diz a ele que se ele entregar uma bobina de papel na filial da editora do outro lado do país, ele promete pensar em publicar. Na cabeça de Mickey é isso ou ir trabalhar na firma de contabilidade do seu tio. Ele resolver arriscar. Quando ele chega na estação de trem, Mickey descobre que havia sido roubado e tudo o que ele tem nas mãos são as benditas bobinas de papel. Não resta a ele nada para seguir viagem até que ele conhece Pateta, um homem de muitos talentos e que curte viajar. É aí que se inicia uma emocionante viagem pelas estradas do país onde Mickey e Pateta viverão várias aventuras enquanto ultrapassam obstáculos e precisam encarar diversos perigos. Ao lado do estranho e multifacetado Pateta, Mickey irá descobrir o prazer de viver uma jornada sem rumo definido, apenas curtindo o que a vida lhe oferece.
Falando sobre a arte de Paolo Mottura, é impressionante o que ele consegue fazer nos quadros. Claro que existe toda aquela estética mais voltada para um público infanto-juvenil, mas Mottura consegue tirar o máximo das cenas que está apresentando. Sua arte claramente é inspirada no lendário Carl Barks, mas Mottura consegue dar uma personalidade própria ao que está desenhando. Seus quadros transbordam aventura e diversão seja em uma corrida dos protagonistas atrás do trem para a próxima estação, Pateta tocando um banjo ou Mickey precisando fugir de malfeitores. Tudo é vivo e colorido e faz o leitor apreciar os quadros. Se o roteiro de Vitaliano é sensacional, a arte de Mottura nos atrai, nos convida a entrar nas páginas. Mas, nada supera o design do Pateta feito por ele. O personagem me lembrou demais algumas fotos que temos do Kerouac. O estilo despojado, as vestimentas, os trejeitos. O enquadramento é bastante tradicional e ele nem precisava inventar nada. Os quadros são enormes e a arte é grande e chamativa. Provavelmente seu emprego de 6 quadros por página foi até melhor do que ousar qualquer coisa. Não precisava porque só o que temos aqui já enche os olhos do leitor.
Pensemos que isso é uma adaptação e não é possível adaptar ipsis litteris tudo aquilo que está sendo lido. Mesmo assim, acredito que Fausto Vitaliano conseguiu aproveitar os melhores temas e a essência do que Kerouac trouxe em On the Road. O espírito de sair ao mundo e apenas curtir o que a vida colocar em sua frente. É sair de casa; deixar de lado os problemas da vida e apenas deixar uma nova aventura se apresentar ao seu lado. Pateta é um hobo, muito semelhante à proposta feita por Kerouac que vai inspirar a geração beat. Toda essa onda da road trip, do viajar sem rumo e conhecer o país enquanto vive cada dia de cada vez. Óbvio que não seria possível trazer todas as experiências vividas por Kerouac, afinal estamos falando de uma HQ voltada para crianças e adolescentes, mas para os adultos é possível enxergar as potencialidades presentes no roteiro. Por trás de toda essa estética Disney, existem temas como amizade, aventura, nomadismo e a busca por seu próprio caminho presentes na HQ.
Apesar de Mickey ser o protagonista da HQ, Pateta é o astro. O homem das mil habilidades que, viajando se revela músico, designer, explorador e aventureiro nas horas vagas. Seu jeito descontraído incomoda o Mickey que quer fazer sua missão com seriedade. Pode ser até que esse estilo dele incomode algumas pessoas, mas o que mais me agradou nessa nova roupagem do Pateta é em o quanto ele consegue pensar vários passos à frente. Sua descontração e desapego podem se confundir com preguiça, o que não corresponde ao que o personagem nos entrega ao longo de toda a história. O personagem em si é uma bela crítica ao materialismo tão típico do capitalismo. Pateta não se importa de não ter um centavo de dinheiro e deixar que suas experiências comuns o levem aonde ele desejar. Mesmo que ele precise ajudar alguém, trabalhar em algum lugar ou simplesmente ter sorte. A essência do hobo é essa e tem um pouco a ver com uma sociedade de consumo que afogava as pessoas em um universo de responsabilidades que não as permitia simplesmente viver.
Já o Mickey é o contrário do Pateta. Um indivíduo que se sente seguro em sua casa e acaba deixando de viver a vida lá fora. Às vezes é preciso se arriscar um pouco e dentro de casa temos um ambiente controlado demais. Quando os dois se encontram, Mickey fica extremamente desconfortável porque perde o controle da situação em todas as ocasiões. Não há um planejamento, um método, um rumo a ser seguida. Pateta apenas deixa a jornada falar por si e deixa seus instintos o guiarem. Para alguém ordeiro demais como o Mickey, toda essa situação é incômoda. Aos poucos ele vai percebendo o quanto o acaso pode nos levar a lugares interessantes, onde jamais iríamos se tivéssemos que escolher. As experiências vividas por ele vão ajudá-lo a se tornar uma pessoa melhor. Isso porque Mickey começa a se questionar acerca de suas escolhas. Nem sempre tomar o rumo mais certo e seguro é o que vai te fazer feliz. Ser capaz de arriscar e descobrir sua verdadeira paixão pode ser a chave de algo novo e emocionante.
Isso sem falar na reimaginação do nascimento da amizade entre esses dois personagens. São dois personagens com visões de vida muito diferentes entre eles. É óbvio que vão haver choques entre eles no começo porque eles pertencem a polos opostos. Então encontrar o meio comum se torna viável a partir do momento em que eles se conhecem melhor e vão gerando confiança um no outro. Uma coisa que é fundamental na maneira como a relação de amizade é tratada na HQ é que não há um melhor do que o outro. Não há a imposição da vontade de um sobre o outro. Há uma busca de paixões e similaridades. Sem falar que ao viverem aventuras juntos, essa troca de experiências os ajuda a se conhecerem melhor. Não vou contar além disso porque posso estragar as surpresas que Vitaliano traz para os leitores. No geral, é uma HQ incrível que mostra um Pateta bem diferente daquele personagem que estamos acostumados. Alguém que possui as rédeas de seu próprio destino e que é capaz de se virar na maior parte das situações sozinho. A amizade que vai se formar com Mickey é uma maneira de encontrar um parceiro de aventuras, alguém que vai curtir viver experiências novas e interessantes. Alguém para compartilhar a vida e realizar coisas divertidas. Ainda acham que é uma HQ bobinha? Revisitem estas leituras; garanto que vão se surpreender.
Ficha Técnica:
Nome: Mickey e Pateta - Pé na Estrada
Autor: Fausto Vitaliano
Artista: Paolo Mottura
Baseado no livro On the Road, de Jack Kerouac
Editora: Panini
Tradutor: Marcelo Alencar
Número de Páginas: 92
Ano de Publicação: 2019
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