E se aparecesse um homem de Neanderthal no futuro? E se ele fosse mais inteligente do que os seres humanos normais? Ted Kosmatka vai tentar responder a essa pergunta.
Neste conto, Ted Kosmatka nos apresenta uma história de preconceito. Como o ser humano precisa sempre se sentir superior em relação a alguma coisa: casta, classe social, etnia, gênero. Ao final da história, me questionei se realmente seremos capazes, um dia, de sermos realmente solidários um com o outro, se realmente iremos pôr em prática a noção de “ame o próximo como a si mesmo”. Acho que atingir este nível de compreensão mútua está além da capacidade do ser humano. Mandy é casada com David e teve um filho chamado Sean. Tudo parecia normal exceto pelo fato de que David é um homem de Neanderthal. A partir de técnicas derivadas do cultivo de células-tronco, foi possível clonar espécies de homens de Neanderthal e trazê-los para o mundo atual. Os cientistas possuíam alguns esqueletos em bom estado de conservação, facilitando a retirada de células-tronco. Lógico que os meios de comunicação e as ONGs caíram em cima alegando que o homem estava novamente brincando de ser Deus. As experiências foram realizadas em países onde a legislação a respeito não é muito clara ou é inexistente. Isso demonstra como o autor está ligado no tema da clonagem e das células-tronco e em todas as suas ramificações científicas e éticas. Na verdade o conto é uma discussão ética acerca do assunto. Esta é uma história de ódio. Como o ódio e o preconceito cega as pessoas. Os homens de Neanderthal passaram a ser chamados, neste universo literário, de N-men ou, pejorativamente, de fantasmas. Por seu tamanho avantajado e força maior do que a de um homem comum eles começaram a ter vantagens nos esportes. Os N-men se tornaram partes fundamentais de times de futebol americano ou de beisebol. Mas, os outros indivíduos passaram a ficar ressentidos ao se verem substituídos por uma espécie humana completamente diferente. David é um N-men que está tentando lutar pelos direitos de seus semelhantes. Vai a protestos, faz palestras, buscando conscientizar as pessoas de que os N-men são seres humanos assim como os homo sapiens predominantes. O que acontece com ele ao final da história é fruto de sua intensa campanha. Vale destacar uma frase interessante que Mandy diz quando perguntada se ela queria que Sean se parecesse mais com ela ou com David. Isto porque se Sean se parecesse mais com Mandy ele teria uma vida mais tranqüila, do contrário seria alvo de preconceito e discriminação. A resposta de Mandy foi fantástica: ela desejaria que Sean fosse apenas um bom homem. Outro nível de preconceito está no fato de os N-men serem clones, portanto, todos iguais em aparência. No universo de Kosmatka existiam apenas seis espécies distintas, cada uma recebendo um nome atrelado à sua variedade (a de David era Amud, que herdava características típicas de um indivíduo do Extremo Oriente). É interessante ver as estratégias formuladas por cada N-men para se distinguirem um do outro. David raspava o cabelo para se diferenciar dos outros. E se sentia ofendido ao ver alguma foto ou imagem de um outro membro de sua espécie. Os grupos de ódio aumentam em influência ao longo da história. Se a gente vê neonazis no início (revelando aspectos mais radicais do preconceito), este vai ficando mais sutil progressivamente. Até a colega de trabalho de Mandy faz alguns comentários sobre porque eles se metem em tanta encrenca, ao comentar sobre as palestras de David e de seus colegas. O que o autor procura destacar são os pequenos preconceitos cotidianos, as pequenas frases jogadas ao vento, mas que dizem muito sobre como um indivíduo enxerga o próximo. Um último tema destacado no final do conto é que Sean é fruto de miscigenação entre um homo sapiens (Mandy) e um homem de Neanderthal (David). Ele não mantém características claras nem de um lado, nem de outro. Ou seja, a humanidade, na visão de Kosmatka, hoje é tão miscigenada que daqui a algumas gerações não será possível fazer uma distinção clara de quem é o que ou a que etnia (ou espécie, na história) pertence. N-Words é um conto polêmico que fala diretamente à nossa realidade. Apesar de esconder a trama em uma cortina de ficção científica, a história é mais atual do que se imagina: basta substituir os N-men por negros, latinos ou indígenas. A mensagem que o autor passa de forma indireta é que o preconceito é algo quase inerente e intrínseco ao homem. Ele só precisa de um alvo para exercer esse preconceito e demonstrar sua superioridade.
Ficha Técnica:
Nome: N-Words
Autor: Ted Kosmatka
Conto que faz parte da coletânea The Mammoth Book of New SF 22
Editora: Robinson
Gênero: Ficção Científica
Ano de Publicação: 2009
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