Neve Negra é um suspense que promete incomodar o leitor com acontecimentos macabros em meio a uma história de drama familiar. A resenha de hoje avalia a proposta do livro, bem como as suas outras qualidades.
Sinopse:
Na noite mais fria do ano, na cidade mais fria do Brasil, um pai de família volta para casa. Pintor de sucesso, passa boa parte de seu tempo em feiras e exposições no exterior. E na sua cidade natal, na Serra Catarinense, se depara com o inesperado. Enquanto a neve cai lá fora, sua família dorme. Mas quando seu filho de sete anos desperta é que começa um pesadelo que acabará com o aconchego do lar. Neste habilidoso misto de terror psicológico e drama familiar, o leitor se depara com paranoias e dúvidas ancestrais da paternidade. É também um raro registro da neve no Brasil, num romance no qual questões existenciais se mesclam com o humor negro de que só Nazarian é capaz.
Criar um filho é tão maravilhoso quanto perturbador. Toda a rotina muda ao redor da criação do bebê que está por vir. Ele crescerá, pedirá colo, guloseimas e presentes, passará por crises na escola e outros problemas distantes aos pais adultos, com o desafio de compreender os dilemas da mais nova geração. O conflito aumenta quando os pais já são de idade avançada, estabeleceram as vidas de uma forma e agora precisam adaptar tudo em prol do filho, ou deveriam. Talvez o fardo caia nas mãos da mãe enquanto o pai sustenta a família em um trabalho constante, viajando por onde existam oportunidades. Nos raros momentos em casa, inúmeras questões surgem sobre o quanto o pai conhece o próprio filho, como se não fosse dele.
Neve Negra conta da madrugada tenebrosa de Bruno Schwarz quando voltou tarde de sua viagem de trabalho. Escrito por Santiago Nazarian e publicado pela editora Companhia das Letras em 2017, a história ambientada no interior catarinense combina elementos de terror com o drama familiar.
“A neve fica registrada no mesmo arquivo de um pesadelo. A neve não faz parte da vida de ninguém.”
Bruno Schwarz ganha a vida com pinturas de quadros. Seguiu os passos do avô nas artes plásticas em vez da marcenaria, ofício de seu pelo pai. O sucesso na carreira garante exposições em vários lugares, inclusive internacionalmente. Viajar de avião é rotina para ele, enquanto a da esposa Bianca concentra-se em cuidar do filho Álvaro, o Alvinho. Abriu mão da carreira de escritora com a chegada do filho, compensando o trabalho com traduções, ainda assim cada vez menos por conta das obrigações de mãe.
O protagonista chega muito tarde da viagem. Acredita que a esposa e o filho estariam dormindo a essa hora, então aproveita o tempo solitário comendo sobras de carne e alguns copos de Jack Daniels. A mente passeia pelo presente e por flashbacks, desatento pelo jet lag, o corpo afetado com o fuso horário diferente de onde veio. Com isso demora a perceber as pegadas de sangue pela casa, as suas pegadas; também desconhece o que fazer com a cachorra ferida. Alvinho grita do quarto, e Bruno corre ao socorro da criança, quando tudo começa a perder o sentido na noite de neve incomum naquele lugar.
“Devo renunciar de vez ao realismo e entregar-me ao fantástico dessa narrativa?”
Com a história sendo narrada em primeira pessoa, o leitor tem acesso constante ao raciocínio de Bruno enquanto conta os acontecimentos presentes e devaneios do passado. Toda a situação justifica a narrativa irregular quanto à ordem cronológica e lacunas de informação a sustentar o suspense. Pai distante devido ao trabalho, ele deve redescobrir o próprio filho pelo tempo ausente, da maturidade atingida no garoto sem o acompanhamento do pintor renomado. Tenta fazer o melhor ao filho, sozinho, provando a si mesmo a capacidade de um bom pai. Não é nada fácil, ainda mais quando o garoto provoca situações e testa sua competência na consciência comprometida e perturbada por cada acontecimento consecutivo nessa noite, o que deixa a narrativa ainda mais interessante.
Mortes acontecerão enquanto Bruno busca compreensão através das memórias do passado, momentos-chaves incapazes de explicar tudo senão as nuances do problema familiar. A aparição de novos personagens é sinistra, e tal clima se mantém ao longo da interação. Revelações aparecem no decorrer das páginas, algumas pistas falsas, outras perturbadoras, e uma em particular desencadeia questões mal resolvidas e falha na construção de todo o suspense. O próprio Bruno resmunga dessa revelação como vindo de uma novela mexicana, pena o deboche cair tão bem à crítica da situação. A reviravolta é provocada por certa personagem, acontece do nada e não desenvolve, deixando as pontas soltas quanto à motivação dessa pessoa em fazer o que fez, em revelar o que revelou, e então é retirada da trama sem relacioná-la com outras questões pendentes a ela.
Neve Negra sustenta a narrativa incerta com bons argumentos no contexto da situação, e com ela consegue desenvolver o clima de suspense enquanto o protagonista enfrenta problemas familiares. O enredo trama revelações e acontecimentos que fisgam o leitor ao terror com um deslize voltado a determinada personagem, já o resto impacta de modo positivo na intenção do livro, o de perturbar o leitor com os acontecimentos deste drama familiar.
Ficha Técnica:
Nome: Neve Negra
Autor: Santiago Nazarian
Editora: Companhia das Letras
Gênero: Suspense
Número de Páginas: 248
Ano de Publicação: 2017
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*Material enviado em parceria com a Companhia das Letras
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