Neste livro passado no mundo de O Último dos Guardiões, ficamos conhecendo um pouco da trajetória do grupo conhecido como os Oito. O treinamento, os dilemas, as angústias.
Sinopse:
Um reino em paz...A sociedade é governada por um conselho igualitário...As guerras terminaram há muito tempo...Mas quando a cobiça pelo poder fala mais alto, eclode uma batalha sangrenta, como nenhuma outra antes. Uma guerra que durou vinte anos foi vencida por um feitiço arcano, libertando um mal hediondo na Terra. Milhares de vidas foram sacrificadas para que a ânsia de poder de alguns fosse saciada. Uma Cidadela foi erigida para treinar novos guerreiros e fazer frente à ameaça. Após anos, um guardião veterano acredita que poderá, enfim, deixar a frente de batalha, mas um acordo doentio destrói suas esperanças. Conseguirá este guardião se reerguer, combater o poder instituído e, ainda, ajudar seu povo a erradicar os exércitos infernais?
Assim como um navegante, um escritor é uma pessoa tentando encontrar o seu rumo, a corrente perfeita para que possa alcançar o seu destino em segurança. Mas, nem sempre esse trajeto é dos mais fáceis: é preciso levar em conta os ventos, a existência ou não de recifes ou de bancos de areia e uma tripulação adequada para fazer o percurso. Dominar as bases da navegação pode ser a diferença entre uma viagem bem-sucedida ou um naufrágio. Um marinheiro que sabe direcionar bem o leme, aprumar as velas ou controlar o barco é alguém preparado mesmo para as piores condições. Eu entendo a escrita criativa dessa forma: como as bases fundamentais para um bom livro. Com todas as qualidades deste segundo volume de O Último dos Guardiões, eu fiquei preocupado com algumas coisas que eu vi na leitura. Entretanto, me parece que o autor encontrou exatamente o lugar no qual ele deseja escrever suas histórias, o destino final de suas viagens. E isso me fez respirar um pouco aliviado quando eu fechei o livro.
A narrativa é criada como se realmente fosse um diário de guerra apresentando os feitos dos Oito no intenso combate entre humanos e demônios. Ou seja, a narrativa é em terceira pessoa apesar de o foco estar ainda em Galaniel. O que eu gostei foi que o autor conseguiu se espraiar mais e se permitir algumas experiências. No terço final do livro, ele cria uma sequência de capítulos em que uma série de acontecimentos é vista por cada um dos personagens dos Oito, exceto Galaniel. Isso permite com que nós visualizemos mais o que cada um dos personagens pensa e como se relacionam entre si. Vou falar mais dos personagens que é um dos pontos altos deste livro mais a seguir. Novamente temos um livro bem revisado, ou seja, redondinho e não vai apresentar qualquer problema nesse sentido para o leitor. Os capítulos são bem espaçados tendo entre oito e doze páginas cada um, não sendo cansativos. Como eu já estava acostumado com a escrita do João Paulo, não encontrei dificuldades e tenho certeza que eu poderia ter finalizado a leitura em menos dias.
Uma das minhas preocupações em relação à escrita são os diálogos. Tenho buscado estudar um pouco de escrita criativa nos últimos tempos, e um dos livros que me chamou a atenção aqui foi o de Francine Prose. Ela destaca a importância dos diálogos e como eles contribuem para o dinamismo ou para a lentidão de uma história (para os interessados, é o capítulo sete do livro Para Ler como um Escritor). E uma das coisas que ela destaca é a necessidade de que não não existam diálogos em demasia. Muitos diálogos atrapalham a fluência da história. Mas, se temos um livro em que os personagens conversam uns com os outros, como solucionar? Utilizando de aspectos mais gestuais ou do discurso indireto. Aí fica por conta do autor encontrar a melhor solução dentro da maleta de ferramentas dele. Outra coisa que ajuda a tornar os diálogos mais fluidos é eliminar o uso de expressões "disse fulano", "exclamou ciclano", "respondeu beltrano". Quanto mais recorremos a usar essas expressões, mais incorremos em aliterações (repetições de palavras). Para reduzir as aliterações, a melhor solução é fazer com que o leitor seja capaz de reconhecer o personagem apenas pela sua fala. Onde a fala é tão característica de um personagem, que não há necessidade de citar que algo foi dito por alguém. E eu estranhei o autor precisar usar expressões de referência de fala já que a construção dos personagens estava excelente. E no caso de haver muitos personagens falando na mesma cena? Mesma coisa. É preciso trabalhar a escrita para não ser necessário usar isso... não tenho a solução ideal porque aí eu estaria entrando na seara de escrever o livro incorporando o autor, o que eu não sou capaz.
A construção de personagens nesse segundo volume está ótima. O autor estabeleceu que ele precisava contar a história dos Oito antes de seguir com a história adiante. E ele fez isso muito bem. Apesar do foco estar em Galaniel, pudemos conhecer um pouco mais de Inara, Rion, Pelokir, Codaíno, Meneol, Hrothgar e um pouquinho do Relfer no final. Essa é uma história com várias associações ao estilo de fantasia militar e isso fica bem claro desde o primeiro minuto. Por exemplo, o tema principal da história é o espírito de corpo entre os Oito. A guerra é tão longa e árdua que eles acabam desenvolvendo um grau profundo de irmandade. Mesmo com suas diferenças de origem e ideias, eles se tornam um só. O autor percebeu nos Oito a mina de ouro de sua história e investiu bem ali. E foi bem sucedido.
Gostei de ter visto mais da Inara nesse volume. A gente conseguiu ver um pouco mais de sua personalidade e sua relação com Galaniel. Ela não é só "a irmã do Galaniel", ela é uma pessoa com uma personalidade forte e decidida, que tem seus momentos de fragilidade frente à pessoa que ama. O autor aprofundou um pouco a raiva e o ressentimento de Meneol pelo protagonista mostrando aonde isso se intensificou. Na verdade, eu sempre achei que o Meneol tinha aprontado mais, mas só de ver os pequenos comentários e gestuais do personagem, o leitor percebia que isso acabaria acarretando problemas futuros. Quanto ao Pelokir, ele daria um excelente personagem para um spin-off. Os estudos e pesquisas dele das línguas antigas permitem gerar ótimas ideias. Os capítulos individuais de cada um foi uma ótima sacada e mostra que o autor está buscando trabalhar em outras habilidades de construção e desenvolvimento de personagens.
Como um prequel havia a necessidade de se preocupar com o bom equilíbrio da história e explicar algumas coisas que aconteceram no primeiro volume, sem dar muitas informações que possam atrapalhar o terceiro. Achei uma tarefa árdua, mas João Paulo se saiu bem. Senti que ele poderia ter trabalhado mais a presença de Balkatar nos bastidores, mas okay, ele estava ali. O leitor mais atento vai perceber algumas leves pistas aqui e ali de coisas que aconteceram no primeiro volume e que são melhor explicadas aqui: a batalha campal em Saupor e o motivo por ela estar tão destroçada, o ataque a Yelbir, os pergaminhos retirados pelos demônios e outras coisinhas mais. Só aviso aos leitores para serem atentos e não lerem rapidamente ou correm o risco de perder algum detalhe.
Os apêndices ao final do livro dão uma riqueza toda especial ao livro. Mostram a preocupação que o autor teve em tornar o seu mundo especial. E ele utiliza isso muito bem ao longo da história citando os horários, as patentes e localidades específicas que estão bem explicadas caso o leitor deseje consultar ao final. Eu só acho que o autor criou uma sinuca de bico para ele mesmo. Porque se ele criou toda essa riqueza adicional, ele vai sempre precisar estar ligado para usar essas informações em todas as suas histórias. A falta de atenção não vai ser perdoada por um leitor mais cricri. Informação não pode ser apenas informação. Se eu crio um sistema que diz que o meu mundo tem um dia que dura 36 horas e 15 minutos isso precisa ser relevante o suficiente para interferir em sua tomada de decisões. Não pode ser apenas uma degustação para o leitor no começo ou no final da história. Por enquanto tudo tem corrido bem na história. Só chamei a atenção porque o próprio autor subiu a barra de dificuldade para ele mesmo. O que faz com que eu elogie ainda mais o trabalho dele! Ousado!
Para mim, o João Paulo se encontrou nesse livro. O negócio dele é fantasia militar. Percebemos rapidamente o quanto ele estudou táticas militares, composição de cerco, armas utilizadas. Tem um manancial de ideias geniais sobre combates nesse livro. Aliás, a história começa bem agitada. Somos jogados no meio de um combate que Galaniel está envolvido e precisa coordenar a sua tropa para se safar de uma situação de risco. Vemos também a importância da tomada de decisões e como estas interferem no desfecho de um combate. Mesmo as magias são usadas com bastante criatividade e critério e algumas das batalhas são incríveis. E vemos aqui todo tipo de combates: no mar, cercos, lutas na surdina, invasões, engodos. Até vou indicar um autor para o João: se você puder ler em inglês, leia o David Weber. É o mago da fantasia militar e é um cara ainda vivo e que produz muitos trabalhos. Diria até que estamos diante de um autor que pode revitalizar esse gênero aqui no Brasil. Esse segundo volume de O Último Guardião me fez ter certeza disso.
Porém, preciso chamar a atenção para o fato de que falta ainda uma boa construção de mundo. Entendo que o foco são os combates contra os demônios e a relação do grupo de personagens, mas é preciso trazer também à tona a sociedade do mundo, as relações econômicas, o que diferencia uma cidade da outra, qual é a religião praticada, se existem ou não diferenças sociais. A gente até vê lampejos disso na história, mas senti que ou faltou espaço ou o autor não conseguiu encaixar esses detalhes na trama. Por exemplo, fala-se muito em pedir a Deus, ou oras a Deus na história. Mas que Deus é esse? É o deus das nossas religiões monoteístas? É uma entidade superior? É um deus da cidade diante de um panteão de outros deuses? As cidades no livro parecem todas muito parecidas, salvo Kolpor que é onde o grosso da história se passa. O que faz das cidades diferentes? Yelbir é uma vila agrícola ou uma cidade comercial? Saupor usa mão-de-obra livre ou escrava? O que acontece com os prisioneiros nas masmorras em Kolpor? São detalhes como esse que acabam fazendo a diferença. Como a narrativa é um pouco mais direta e in-your-face a gente não consegue tirar tantas conclusões neste sentido e fica parecendo mais uma lacuna.
Diários de Guerra é um livro de fantasia com muita, mas muita ação. Mesmo eu tendo ficado preocupado com algumas coisas na escrita do João Paulo, preciso ressaltar a qualidade e individualidade daquilo que ele está fazendo. Vocês não fazem ideia de quanta pesquisa o autor deve ter feito para conseguir ser tão detalhistas em seus combates e momentos de ação. Fora que estamos nos referindo a um mundo de fantasia, então ele precisou adaptar táticas de guerra medievais com armas comuns para um lugar onde ouriços de energia e serpentes de fogo podem ser invocadas. Fora a temática militar profundamente enraizada na história e que a coloca em um estilo único de livro. Se você tem dúvidas se deve ou não continuar a acompanhar o trabalho do autor, nem pense muito: compre o livro e curta as aventuras de Galaniel e seus companheiros.
Ficha Técnica:
Nome: O Ultimo dos Guardiões Livro 2 - Diários de Guerra
Autor: João Paulo Silveira
Série: O Último dos Guardiões Livro 2
Editora: Talentos da Literatura Brasileira
Gênero: Fantasia
Número de Páginas: 384
Ano de Publicação: 2016
Outros Volumes:
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