O relógio continua a girar para Christopher Chance e seus dias podem estar chegando ao fim. Envenenado, ele busca quem foi o responsável e sobraram poucos suspeitos. A próxima da lista é a incandescente Beatriz da Costa, a Fogo. Além da história principal, temos contos de alguns membros da Liguinha que se envolveram com Chance no passado.

Sinopse:
Christopher Chance ganhava a vida como Alvo Humano, contratado para se disfarçar de seus clientes que seriam vítimas de tentativas de assassinato. Um de seus clientes foi o sórdido Lex Luthor… e tudo mudou daquele dia em diante. Envenenado, Chance tem mais seis dias para descobrir quem foi o responsável por esse movimento mortal, e, durante sua investigação, causou a morte, se envolveu com a Gelo e terá de encarar a Fogo de frente. Só o tempo revelará quem é o culpado na conclusão dessa minissérie vencedora do Prêmio Eisner, escrita por Tom King e ilustrada por Greg Smallwood!
Tora é o exemplo da boa garota. Doce, gentil, meiga. Desde a concepção da Liguinha, a Gelo é aquela personagem feminina a qual hoje tanto questionamos. O estereótipo da submissão e da boa esposa. Só que será que isso realmente representa a personalidade dela ou é apenas uma pecha que lhe foi atribuída? Tom King vai destrinchar a complexa personalidade de Tora nessa edição que fecha exemplarmente essa minissérie. Ao final dela temos personagens que, apesar de referenciados na famosa fase dos anos 90, ganham mais camadas neste segundo volume. É aquele tipo de minissérie que deixa o leitor querendo mais, pelo menos dos dois protagonistas que carregam o título nas costas até o final.
A investigação de Christopher Chance chega em uma fase crucial. Restam poucos suspeitos como o Soviete Supremo, Gnort e... é claro... a parceira da Gelo, Beatriz da Costa, a Fogo. Mas, o tempo está se esgotando e o veneno começa a atacar fisicamente o corpo de Chance, mostrando a ele o limite de sua vida. O famoso Alvo Humano, famoso por ser um homem centrado que deixa suas emoções de lado, se apaixonou pela Gelo. O que antes era apenas um jeito fleumático de ver sua vida extinguir se torna um medo primitivo pelas possibilidades de viver uma vida feliz. Ao mesmo tempo, Chance e Tora precisam saber o que fazer a respeito da morte de Guy Gardner... principalmente quando um certo Homem-Morcego parece estar rondando Chance para descobrir o que realmente aconteceu (se é que já não sabe, afinal, ele é o Batman).

A arte de Greg Smallwood continua muito competente nesta edição. As páginas aquareladas são um show à parte apesar de eu ter curtido mais o primeiro volume, no quesito arte. Esse segundo volume é mais intimista e aqui podemos ver a intensa sintonia entre Tom King e Smallwood. As cenas não precisam ser grandiosas, mas invocar sentimentos nos leitores. Algumas cenas são de uma sutileza fantástica. Vou dar alguns exemplos procurando não dar spoilers. Uma cena logo no número 6, mostra Chance e Fogo em uma roda gigante enquanto ela conta a ele um pouco de sua vida como modelo. Fogo é diferente de Tora, sendo mais sexy e sabendo como explorar isso. Toda a cena não passa de uma dança entre os dois personagens (isso porque já tinha tido uma cena assim antes), onde Fogo provoca Chance a transar com ela. Em um momento depois, algo acontece e Bea usa seus poderes e acaba queimando o seu vestido. Chance dá a ela um casaco para se cobrir e Smallwood coloca um quadro pequeno e horizontal com a Fogo com o casaco cobrindo o corpo em uma pose altamente sexy. Ou seja, através de pequenos quadros na roda gigante, da conversa e do momento de instinto a seguir, Smallwood chega aonde queria com sua arte. Pura finesse.
Outro momento artístico interessante se dá mais para os números finais e se trata de uma conversa entre Tora e Chance no meio do mar. Tora cria uma pequena plataforma de gelo onde os dois passam um momento íntimo juntos. Ali, a ideia do roteiro era que Tora se abrisse e contasse a respeito de suas seguranças. O cenário é o mais simples possível: a plataforma de gelo, um pequeno pedaço do oceano e o céu azul emoldurando a cena com os dois de costas para o leitor conversando. Tora, em uma posição mais curvada, mostrando toda a sua vulnerabilidade e Chance altivo, escutando e fazendo apenas perguntas pontuais. Os quadros mostram que o casal faz aquele contato olho no olho, onde a comunicação é verbal e não-verbal ao mesmo tempo. O que é possível destacar neste segundo volume é que nem sempre é preciso criar cenas grandiosas para construir uma boa história. Arte e roteiro, quando caminham juntos, podem fazer magia.
Muito é explorado sobre o passado de Chance neste segundo volume. Mas, o legal é que King faz isso sem precisar contar ao leitor. Ou seja, ele ainda mantém Chance como um grande mistério para todos ao mesmo tempo em que insere parte de seu passado na narrativa que deseja nos contar. Sua relação com o seu pai e a maneira como morreu guia o personagem nesses momentos mais definitivos da história. Chance deseja inicialmente morrer com mais dignidade, mas à medida em que ele se envolve mais e mais com a Gelo, a vida começa a lhe apetecer mais. Suas ações refletem esse caminho rumo ao desespero. Somente mais tarde na história, ele passa por uma epifania e seus sentimentos se alteram. Como uma nuvem escura que passa e o céu brilha. Tem um momento sensacional do lado desesperado de Chance: o famigerado capítulo do Batman. King consegue criar um momento sensacional em que o Batman é mencionado o tempo todo e sua sombra percorre todo o capítulo. Chance está sob o efeito do veneno e agitado com receio de que o Batman descubra sobre a morte do Guy a qualquer segundo. Ele enxerga o Homem-Morcego por toda parte. Esse grau de paranoia atinge o ápice quando Gelo tenta descobrir porque Chance está agindo de maneira tão irracional.

A grande estrela deste segundo volume é, sem dúvida, a Gelo. KIng desconstrói completamente a imagem da boa garota que sempre tivemos sobre a personagem. Desde o começo da mini, Gelo é apresentada como uma femme fatale. Alguém que sabe o que as pessoas esperam dela, e brinca com essas percepções a seu favor. Só que essa falsa percepção acaba se tornando uma máscara na qual Gelo se escora para esconder seus verdadeiros sentimentos. Com Chance, Tora se revela uma mulher sensual e fogosa que sabe o que quer. O sorriso malicioso da Gelo não sai da minha cabeça. Toda vez que vejo uma interação da Gelo com qualquer dos membros da Liguinha já consigo prever a ambiguidade das respostas que ela dá. Esse papel de good girl que foi dado a ela a incomoda. Porque não representa quem ela realmente é. Gelo deseja ser egoísta; ela deseja ser ciumenta; ela deseja ser violenta; ela... deseja. Por isso que os momentos íntimos dela com o Chance são tão chocantes a princípio e agora se tornam parte do cenário. Algumas cenas dos dois juntos possuem um nível de doçura e intimidade brilhantes ao mesmo tempo em que representam um casal que se curte e se gosta em vários níveis. Quando Tora se dá conta de que pode perder tudo, é como se uma montanha de tijolos caísse em cima dela. Pior... quando ela se dá conta de que também desenvolveu sentimentos por Chance.
O primeiro número desse segundo volume é uma coletânea de histórias fix-up com os membros da Liguinha que já haviam tido contato com o Chance de algum jeito: Gardner, o Gladiador Dourado e a Fogo. Gardner é apresentado como um completo idiota machista que é e sua história gira em torno de sua propensão em resolver as coisas com extrema violência. A do Gladiador se passa em uma situação em que envolve o personagem protegendo alguém pelos motivos errados. A narrativa se foca no jeito showman do Gladiador que sempre deseja estar sob os holofotes. Só que ele sempre acaba se dando mal de algum jeito. E a Fogo passa por um momento difícil de sua vida antes de ganhar seus poderes. Fogo nos mostra seu jeito frágil, de uma menina das favelas do Brasil que conseguiu oportunidade e carinho mesmo que a pessoa seja um completo aproveitador. Chance está presente nas histórias de uma maneira indireta.
A mini termina em alta e fiquei extremamente satisfeito com o que li. Não tenho nada a repreender ou apontar pontos fracos, apesar de que os contos sejam aquele mix de artistas de qualidades variadas. Para quem está acostumado com o Smallwood arrasando nas edições, qualquer coisa diferente é ruim. Ao final, fiquei com uma enorme vontade de ver uma série regular de detetive com o Chance e a Gelo como casal precisando resolver casos malucos. Sei que não era a intenção do King fazer algo assim, mas é tão legal imaginar algo maluco assim. Espero que o King volte a esses personagens no futuro.


Ficha Técnica:
Nome: Alvo Humano vol. 2
Autor: Tom King
Artista: Greg Smallwood
Editora: Panini
Tradutor: Erick Garcia
Número de Páginas: 232
Ano de Publicação: 2023
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