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Foto do escritorPaulo Vinicius

Resenha: "O Bestiário Particular de Parzifal" de Hiro Kawahara

Acreditando em uma profecia, a mãe de Parzifal a esconde na floresta e ela é criada por lá. Depois que sua mãe morre, Parzifal cria diversos amigos imaginários que ajudam a espantar a solidão. Mas, quando ela cresce é chegada a hora de sair da floresta. Ela se despede de seus amigos e acaba tocando sua vida, mas esquece deles. Muitos anos depois quando uma de suas filhas fica doente e ela não tem a quem recorrer, Parzifal (agora Val) retorna à floresta...



Sinopse:


Parzifal e sua mãe viveram escondidas em uma floresta para fugir de uma profecia. Isolada e solitária após a morte da mãe, Parzifal criou dezenas de amigos imaginários que passaram então a olhar por ela. Ao completar 24 anos, ela precisou sair da floresta para viver na cidade. Anos depois, com uma filha muito doente, sem dinheiro e alguém com quem contar, a única saída que lhe resta é retornar à floresta em busca do auxílio de seus antigos amigos imaginários. Assim como a lenda do cavaleiro Percival, no início a história é sobre maternidade, ingenuidade e destino, mas depois torna-se uma busca pela cura e salvação.





Esta é uma história muito poderosa sobre ser um pai ou uma mãe e fugir das dificuldades. Uma narrativa que mesmo com um aspecto belíssimo, entregue pela arte de Kawahara, é brutal do ponto de vista das emoções. Nos faz questionar uma série de coisas como, por exemplo, se somos capazes de sermos bons pais e o quanto somos tentados a dar as costas aos obstáculos apresentados pela vida. Ao mesmo tempo o quanto nossa imaginação é capaz de nos dar forças para sobrevivermos ao cotidiano? É o poder da crença que pode mover montanhas e nos capacitar a enfrentar os mais difíceis desafios. O Bestiário Particular de Parzifal é uma linda e tocante história sobre uma pessoa que foi criada na floresta, sozinha e que acabou cometendo diversos erros em sua vida adulta porque ela não tinha sido preparada para lidar com ela.


A história narra a vida de Parzifal, uma menina que foi criada na floresta por amigos imaginários. Sua mãe recebeu uma profecia de que a vida de sua filha seria marcada por desgraças e tristezas. Por essa razão, ela a levou para a floresta, mas acabou morrendo. Parzifal tinha o estranho dom de transformar as criaturas que ela criava em sua mente em seres reais. Hoh foi seu guardião por vinte e quatro ano, ao lado de outros como Monsieur e Chaise-Longue. Mas, chegou a hora de sair da floresta e viver a vida. Por mais que doa no coração de Parzifal, ela precisa seguir em frente e se despede de seus amigos, que não podem abandonar a floresta. Ela jurou levá-los em seu coração e nunca esquecê-los. E ela estava grávida quando deixou a floresta. Cinco anos depois ela volta com sua jovem filha e parece que ela preferiu esquecer de seus amigos para poder ser aceita na sociedade. Quando ela retorna à floresta, ela discute com Hoh que a acusa de tê-los abandonado. Parzifal... agora Val decide deixar a floresta para sempre e nunca mais encontrar seus amigos. Até que um dia, ela se encontra em uma posição vulnerável e não sabe mais a quem recorrer com sua filha mais nova doente. O que fazer?


O roteiro de Kawahara é bastante criativo e se imbui de uma aura colorida para contar uma história bem pesada sobre maternidade e fuga. Ao mesmo tempo em que eu ficava deslumbrado pelas paisagens criadas pelo autor, precisava colocar os pés no chão para pensar sobre o que acontecia com Parzifal, Olivia e Zizi. A narrativa é dividida em quatro tempos: quando Parzifal sai da floresta (1998), 2003, 2015 e 2039. Então vemos a protagonista em quatro temporalidades diferentes, tratando das consequências de seus momentos naquela floresta. Minha reclamação quanto ao roteiro é que nos dois primeiros momentos as coisas se sucedem muito rápido e a leitura pode parecer um pouco atrapalhada por isso. Somente no terceiro ato da história é que temos tempo de respirar e compreender mais o que se passava com os personagens. Mesmo assim é um roteiro bastante competente ao apresentar sua narrativa.


Confesso ter ficado muito atraído pela arte de Kawahara. Colorida, expressiva, intensa. Alguns quadros são lindíssimos. Talvez seja o tipo de arte que não agrade a todos, para quem curte algo mais realista, mas para o que o autor se propõe fazer aqui cai como uma luva. Gosto do trabalho com os olhos, que me remete ao estilo mangá. Com isso, Kawahara consegue entregar bem as emoções dos personagens em determinados momentos da narrativa. Há também um bom trabalho de quadrinização e o autor não segue exatamente um padrão per se, preferindo construir os quadros de acordo com o que aquela cena pede no espectro emocional. Algumas cenas mais dramáticas podem ter menos quadros de forma a traduzir melhor aquela situação para o leitor. Por outro lado há um bom trabalho de claridade e escuridão. Como existe uma temática ligada à solidão e ao abandono, isso é representado em quadros completamente pretos com apenas o balão aparecendo com a fala do personagem. Isso demonstra a total solidão diante de um ambiente onde ela não é mais bem vinda. Já a claridade denota imaginação e a capacidade de criar seres e objetos. É como a luz que dá vida.


Ser um pai ou uma mãe é uma tarefa árdua. Exige de nós maturidade e a capacidade de atravessar obstáculos. É compreensível que Parzifal não tenha tido a criação adequada e isso a transformou em uma mãe com uma inexperiência evidente. Não temos detalhes de como foi sua vida fora da floresta além de menções feitas por Olivia. Val (Parzifal no mundo real) acabou se tornando dependente de sua filha para poder lidar com o mundo que lhe apresentava mais e mais dificuldades. Mesmo com todo o seu esforço, Val falha em várias situações e quando ela tem sua segunda filha, seus problemas se multiplicam. Para piorar, Zizi, sua filha mais nova fica doente e ela não tem a quem recorrer. Por conta de sua criação na floresta, Val não tem as capacitações necessárias para viver em sociedade e não forma um círculo de amizades. Quando ela se vê desesperada, recorre ao lugar onde ela foi criada e espera que seus amigos imaginários (a quem ela abandonou) sejam capazes de curar sua filha. Seu desespero como mãe fica evidente e é triste vermos o quanto ela está perdida. É triste para uma mãe solteira com duas filhas dizer à sua mais velha que ela não sabe mais o que fazer. É duro.



O roteiro de Kawahara é inteligente ao não nos dar várias informações. De certa forma isso é um ponto forte da narrativa, mas pode ser encarado também como uma vulnerabilidade. Ao deixar informações em aberto, ele deixa a critério do leitor imaginar o que aconteceu a Val no mundo real. Mas, pode também ser considerado uma falta de informações a partir do momento em que determinadas problemáticas não ficam claras e deixam furos de roteiro. Por exemplo, só sabemos por alto que a mãe de Parzifal a deixou na floresta. Mas por que isso? Ou como Parzifal teve duas filhas? Quem a engravidou? Só é mencionado que o pai desapareceu e ela não quer mais saber dele. Como se conheceram, já que Parzifal foi engravidada enquanto ainda vivia na floresta. Isso cria um ar de mistério, mas não consigo não encarar como uma lacuna. Não sei se Kawahara pretende trabalhar essas perguntas em outras HQs, mas ficou complicado para essa HQ em específico.


Preciso mencionar também o poder da imaginação. Aqui fica bem claro o quanto Parzifal e Zizi possuem um enorme poder criador. E esse poder fica ainda mais forte caso elas acreditem no que estão fazendo. Isso me faz pensar que a maneira como Kawahara coloca isso na história tem a ver com ingenuidade e inocência. E é aí que esse poder criativo se liga ao mito de Percival que é citado no final da história em um extra bem legal. A história de Parzifal é inspirada no mito do cavaleiro da lenda arturiana que foi criado em uma floresta também e cresceu isolado de tudo e todos. Sua mãe o enviou para a floresta com medo de ele ter o mesmo fim de seu pai, morto em batalha. Quando cresceu, ele decidiu ir a Camelot após ver alguns cavaleiros garbosos se dirigindo para lá. Só que a história de Percival é marcada por essa inexperiência e ingenuidade que o colocará em situações perigosas. Ao decidir esquecer seus amigos imaginários, Parzifal corta os laços com estes seres que dependiam das energias criativas de sua imaginação. Por esse motivo, Hoh e os demais se sentiram abandonados. Porque sua criadora renegou sua existência. Tudo isso por uma necessidade de se adaptar a uma sociedade que não a enxergava por quem ela era. Isso entra em outro debate em que uma pessoa criativa é tolhida por um mundo que não a compreende. Ao se adaptar a uma realidade e precisar deturpar seus instintos, é como se a pessoa estivesse deixando de lado aquilo que é. E esquecendo o que ela é de verdade.


O Bestiário Particular de Parzifal é repleto de inúmeras camadas que transformam uma leitura que parece simples em algo rico em temas e detalhes. A personagem é bastante sofrida e o que a gente acompanha na história nos deixa tristes e melancólicos junto com ela. No fundo o leitor compreende a raiva de Hoh, mas ao mesmo tempo ficamos pensando que tipo de situações ela precisou lidar no mundo real que a colocaram nesse momento tão terrível. Apesar de ser uma narrativa com uma arte intensa e alegre, a narrativa não tem nada disso. Você vai ficar de coração partido ao final da história de um jeito ou de outro.











Ficha Técnica:


Nome: O Bestiário Particular de Parzifal

Autor: Hiro Kawahara

Editora: SESI-SP Editora

Número de Páginas: 80

Ano de Publicação: 2017


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