No último volume da série, temos um livro recheado de muitas emoções. Como se dará o encontro entre Essun e Nassun? Qual é a história por trás dos comedores de pedra e seu envolvimento com a Fratura? Revelações sobre a Quietude e o próprio surgimento da orogenia.
Sinopse: ESTA É A MANEIRA COMO O MUNDO ACABA... PELA ÚLTIMA VEZ.
A Lua logo irá retornar. Se isso significa a destruição da humanidade ou algo pior irá depender de duas mulheres.
Essun herdou o poder de Alabaster Tenring. Com ele, ela espera encontrar sua filha Nassun e forjar um mundo em que cada criança orogene pode crescer a salvo.
Para Nassun, o controle de sua mãe sobre o Portão Obelisco veio muito tarde. Ela viu o mal que existe no mundo, e aceitou o que sua mãe não consegue admitir: que algumas vezes aquilo que é corrupto não pode ser purificado, apenas destruído.
Se eu posso falar em uma série marcante e que mudou a nossa forma de encarar narrativas, essa é ela. Com esse terceiro volume, N.K. Jemisin se solidifica como um dos maiores nomes da literatura de gênero no século XXI. Stone Sky é um clássico instantâneo, uma daquelas leituras que possui camada após camada, significados atrás de linhas. Poucas vezes eu me deparei com algo tão impactante na minha vida como essa leitura. Algo que foi capaz de conversar comigo, de me deixar algo. E uma leitura que me convida a relê-la em breve para tentar captar mais significados. Algumas pessoas dizem que trilogias tendem a decair nos volumes subsequentes. Que o impacto inicial é muito mais um fogo de palha que esmaece depois. Tal não é o caso aqui. Os volumes finais são ainda melhores do que A Quinta Estação que hoje parece estar em um passado não muito distante.
Aviso aos navegantes: tem leves spoilers aqui. Como se trata de um terceiro volume, é inevitável dar spoilers de volumes anteriores. Continuem por conta e risco!
Mãe e Filha se encontram
Pode não parecer, mas quase dois anos se passaram desde a tragédia que se abateu sobre a família de Essun em Tirimo. Muita coisa aconteceu com Essun e Nassun. É óbvio que as experiências que ambas viveram, as mudaram em um sentido muito profundo. Alabaster canta a bola lá em Portão do Obelisco: algumas coisas não podem ser consertadas. É com esse sentimento que entramos em Stone Sky, última parada neste épico escrito por N.K. Jemisin. Sabemos agora que, para corrigir o mundo e acabar com as Estações é preciso resgatar a Lua. Algo aconteceu ao satélite que arrasou com o mundo. Então vamos falar de cada parte apresentada neste terceiro volume.
Depois de deter a invasão da Rennanis, Essun está devastada. Ela precisou abrir o Portão do Obelisco e com isso começa a sofrer o mesmo mal que se abateu sobre Alabaster. Seu braço esquerdo se tornou pedra. Apesar de acharmos que as coisas tem um conserto, sabemos que no mundo de Jemisin, as coisas se sucedem normalmente. Não existem milagres. Então sabemos que a vida de Essun está por empréstimo. A gente quer se convencer do contrário, mas a cada novo capítulo, Jemisin vai colocando mais um prego no caixão da personagem. E isso vai nos machucando pouco a pouco. Ao conversar com algumas pessoas, eu defini os trechos da Essun como um longo calvário até o derradeiro fim. Assim como aconteceu com Alabaster, a cada momento que passamos ao lado dela, vemos uma parte dela se esfacelando, chegando ao fim. É de uma tristeza insuportável que vai derramando lágrimas a cada novo capítulo.
"Jija matou Uche", você grita. As palavras não machucam, a menos que você pense sobre eles enquanto fala. A menos que você se lembre do cheiro de seu filho ou suas pequenas risadas ou a visão de seu corpo embaixo de um lençol. A menos que você pense em Corundum - você usa a raiva para suprimir as dores gêmeas da culpa e do remorso. "Eu tenho que tirá-la [Nassun] de perto dele. Ele matou o meu filho."
Essun cresce muito como personagem. Aqui temos uma personagem que viveu muitas experiências dolorosas e outras de solidariedade e foi capaz de reconstruir sua personalidade. A Essun que encontramos aqui é capaz de pensar com amor em Castrima. Em entender que ela é a responsável direta por encontrar um novo lar para Ykka, Hjarka, Tonkee, Lerna e todos os outros. Esse sentimento que nasceu de uma aceitação dela como parte de uma comunidade. Pessoas que não se importavam se ela era comum ou orogene. Aceitaram-na como ela é, com todas as suas qualidades e defeitos. Mas, apesar de tudo isso, Essun é uma mãe. Alguém que perdeu dois filhos e tem uma terceira nas mãos de pessoas as quais ela não confia. E cada segundo que ela perde, é um momento em que a vida de Nassun está em perigo. No final, este terceiro volume é Essun tentando entender o que a levou até aqui. Por que ela continua seguindo em frente? Para quem ela está lutando? E essa resposta chega no final de Stone Sky com uma carga de sentimentos avassaladora.
Talvez eu possa estar enganado, mas acredito que Nassun seja a verdadeira protagonista deste terceiro volume. E é triste pensar que as tragédias são cíclicas. A narrativa te empurra esse discurso à medida em que a Terra tira tudo que Nassun ama. Vimos a tragédia responsável pela abertura do portão no final do segundo volume. Nassun o abre para se defender de um Jija preconceituoso e que desejava matá-la mesmo amando-a. Aquele em quem ela mais confiava se revelou alguém que não a queria por perto. Então ela desenvolve um amor incondicional por Schaffa. Sim, o mesmo Schaffa que foi o Guardião de Damaya/Syenite/Essun. O mesmo que a fez enxergar o amor como uma dor. Mas, este Schaffa que se dedica à Nassun, é alguém amoroso e carinhoso. O pai que a personagem tanto precisava. Graças aos poderes amplificados da personagem, ela consegue libertar o ex-Guardião da dependência em relação à Terra. Schaffa apenas deseja o melhor para Nassun. A transformação do personagem é incrível e isso se dá porque ele percebe que seu amor se transformou em acalento, em fazer o bem para outro. Mas, ainda temos Aço (o Homem Cinzento), o comedor de pedra que está junto de Nassun.
Aqui vale frisar que um dos grandes temas deste terceiro volume é o que fazer com este mundo tão decadente. Duas propostas surgem: trazer a Lua de volta e acabar com as Estações ou destruir tudo para começar de novo. Cada uma das propostas tem seus méritos e as situações vão colocando as personagem em caminhos opostos. Se por um lado Essun deseja atender ao último pedido de Alabaster, Nassun deseja apenas destruir tudo. É o sentimento que Essun tinha quando perdeu Uche em Tirimo. Nossa pequena personagem não teve o luxo de contar com alguém que pudesse aplacar sua fúria e tristeza. Por essa razão vemos que uma jovem e inocente menina precisa lidar tão cedo com o sentimento de perda. Até chegar a Corepoint, temos Nassun dividida sobre o que fazer. Mas, infelizmente, as situações que se sucedem com ela acabam colocando-a em um caminho de destruição.
"Porque o mundo tirou muito dela. Uma vez ela teve um irmão. E um pai, e uma mãe que ela também entende, mas deseja não ter entendido. E uma casa, e sonhos. As pessoas da Quietude há muito roubaram dela sua infância e qualquer esperança de um futuro real, e por causa disso ela está tão furiosa que não consegue pensar além de ISSO DEVE PARAR e EU IREI PARAR ISSO - "
A vingança dos Niess
Também ficamos conhecendo a verdade por trás dos orogenes, dos Guardiões e dos comedores de pedra. E é aí que finalmente surge o nome da megalópole Syl Anagist, onde todos os sonhos eram reais. Mas, esse bem estar vem em detrimento do sofrimento alheio. E a história por trás da glória de uma megalópole onde as pessoas não tem necessidades e tudo é possível é manchada de sangue. Na hora me veio à mente a exploração dos escravos negros durante o período colonial. Para que os senhores de engenho pudessem ter uma vida abastada, o sangue dos mesmos precisou lavar o solo. Mas, em Stone Sky, os seres são mantidos na ignorância. Por viverem em lugares escuros, sendo negados por aqueles a quem dão conforto, Howha e seus irmãos vão revelando as camadas por trás de uma sociedade desigual. Pior é quando eles descobrem sobre os Niess e sua relação com os mesmos. É totalmente justo e correto pensarmos que sua revolta é justificada. E, mesmo se tentarmos conter os ânimos no fundo do solo, quando eles estouram, aparecem como um vulcão em erupção. A tragédia que acontece antes da primeira Quinta Estação é algo que há muito era previsto.
A ideia de separar orogenia e magia é genial. E entender qual a importância da magia é fundamental para podermos ligar os pontos da trama do primeiro até o terceiro volume. Enquanto que a orogenia surge de uma capacidade evoluída a partir de traços de um determinado povo, a magia é algo que vem da própria Terra. Então não é de estranhar que a gente comece a ligar os pontos e entender que existe um terceiro inimigo nesta história. Um inimigo este que esperava uma oportunidade para se revelar. Ele dá várias pistas de que está ali, mas somente a partir deste terceiro volume que conseguimos finalmente encontrar as lacunas que nos permitem relacionar acontecimentos. E esta é a genialidade de Stone Sky. Jemisin consegue amarrar as três narrativas e os outros dois volumes, de repente, se tornam ainda mais ricos em informações. Se nos outros dois volumes, a autora brincou com ferramentas de escrita (no primeiro com o plot twist das narradoras e no segundo com quem estava contando a história de Essun), no terceiro o mérito está todo em simplesmente amarrar tudo e fornecer uma história coesa.
Preciso comentar também sobre a quebra de clichê total que a Jemisin faz no final. Em uma situação que envolve um confronto inevitável lá no final, ela surpreende totalmente o leitor. Uma cena que já vimos em dezenas de filmes e sempre envolve uma postura de abnegação. E, no entanto, a postura da personagem envolvida é tão natural dela, que eu não esperaria nada diferente. Quando eu me dei conta da decisão dela, eu chorei. Foi aonde a história realmente me pegou e a gente compreende a importância dos laços de amor que ligam duas pessoas. Aquele momento foi importante para mim porque eu pude finalmente entender o que isso pode vir a significar na minha vida. E a Jemisin me derrubou completamente.
A edição da Morro Branco em português conta com um extra sensacional: a tradução do discurso da N.K. Jemisin quando ela recebeu o prêmio Hugo por Céu de Pedra. Lembrando que a série é a única na história da premiação a receber integralmente o prêmio além de ser homenageada por três anos consecutivos. Um feito e tanto para uma autora. Vale a pena pelas palavras e pela jornada feita por Jemisin. Além do fato de ser um daqueles discursos que nos incentivam a alcançar mais.
Uma das avaliações que eu vi na internet no ano passado se perguntava se o final de Stone Sky é um final ou é um começo. Imediatamente me veio na cabeça o final de um game de Playstation chamado Final Fantasy VII. (desculpa, gente... spoilers).... Após os créditos passarem, vemos uma cena final com Red XIII e seus filhos correndo por uma planície e chegando no topo de uma colina apenas para ver um cenário de um mundo renascendo, mesmo ele estando muito cinza ainda. É essa a impressão que eu fico com o final de Stone Sky. Um recomeço onde temos personagens completamente modificados pelas experiências. Mas, ao mesmo tempo, muito mais cascudos e vividos. Pessoas que irão refletir se irão ou não cometer os mesmos erros de seus ancestrais. E aí, eu volto ao raciocínio do primeiro parágrafo: Stone Sky é uma obra épica que vai te fazer pensar por muitos dias a respeito do que a autora queria dizer e quantas interpretações podemos tirar de sua narrativa. É uma obra que merece todos os prêmios que recebeu e muito mais. Já é um clássico do gênero para mim.
Ficha Técnica:
Nome: O Céu de Pedra
Autora: N.K. Jemisin
Série: A Terra Partida vol. 3
Editora: Orbit
Gênero: Fantasia
Número de Páginas: 464
Ano de Publicação: 2017
Outros volumes:
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