O Colecionador de Sacis e Outros Contos não é apenas um conjunto de histórias, mas também o reflexo de toda a dedicação do autor pelo estudo e divulgação do folclore.
Sinopse:
Na solidão do esquecimento, uma coleção de garrafas aparentemente vazias aguarda aquele que terá coragem de liberar seu conteúdo. Em um futuro feito de memória e máquina, o Esquadrão Saci precisa cumprir sua última missão. Na curva da última estrada de terra, um homem escora a porteira que sustenta o mundo. Essas e outras histórias você encontra neste livro, que reúne sete contos de ficção folclórica. São histórias que ora flertam com fantasia e ficção científica, ora com suspense e dramas humanos. O que as une? Nada além da mais pura cultura popular brasileira. Venha conosco nesta caminhada para tirar o folclore da garrafa.
Folclore é uma daquelas palavras ditas vez ou outra durante o ensino primário nas escolas em datas específicas. Na vida adulta, a noção de folclore fica para trás, sendo que naquele mesmo tempo de escola onde pintava-se o desenho do saci em seu tom de pele e riscava a chama da mula sem cabeça com os lápis vermelho e amarelo. Quer dizer, esta é a impressão, pois o folclore nos acompanha por toda a vida, mesmo quando deixamos de o notar, conforme Andrioli Costa nos apresenta por meio dos textos reunidos na coletânea O Colecionador de Sacis e Outros Contos, publicado em 2020 de maneira independente.
Segue alguns comentários de cada conto antes de falar do livro no geral:
O Colecionador De Sacis
A protagonista visita a casa de seu pai depois de ele ter falecido e reencontra a coleção de garrafas de vidro, as que ele dizia serem sacis capturados. Este conto explora o ceticismo contra o folclore ao mesmo tempo em que demonstra através do pai da protagonista o quanto uma obsessão pode prejudicar alguém. O falecido também reflete o patriarca brasileiro, capaz de ignorar as necessidades da família por causa da ambição, e assim viver sozinho mesmo antes da filha o deixar. Já a relação da protagonista com o ser folclórico, é o ponto principal a explorar pelo conto, de que o conhecimento inerente precisa apenas ser desperto.
"Papai se foi, mas a dor fica. A gente fica."
Cor de Rosa
Em um teste de coragem, ele tentou se provar, encarar o perigo de Rosa, era uma besteira de jovem, e por isso lida com as consequências na vida adulta. O nome do título sugere de qual ser trata, já o conto insinua características de outra entidade e desenvolve a narrativa neste mistério de qual mito de fato retrata, enquanto o protagonista também se descobre.
"... Aqueles olhos que pareciam me arrastar com doçura e violência para os mistérios das suas profundezas."
Mitomania
Damião é membro da Resistência de um país isolado numa redoma, governado pelo líder detentor do poder absoluto dos Cidadãos. De ambientação distópica, o folclore está presente na tecnologia e nos membros da resistência. Damião interage com a consciência artificial de seu avô, que o lembra dos costumes e o recomenda a se aceitar, apesar de ter uma perna de prótese, pois ainda detém o símbolo do esquadrão, o gorro vermelho. E além de toda esta luta, há a mensagem de Andrioli sobre o poder do folclore ao valorizar o mito, sobre a capacidade adormecida enquanto perde tempo entre confrontos físicos intermináveis.
"Você nunca estará sozinho, Damião. Nós somos povo. Nós somos muitos."
A Alma do Povo
Agenor é um antropólogo prestes a se aposentar e estava perdido a caminho de uma demanda da universidade quando encontra Pedro, o caipira ocupado a segurar um portão enquanto indica o caminho certo e depois conversa sobre as visões divergentes do Agenor. Aqui há muita expressão localizada sem demérito por parte do narrador, ao contrário do protagonista inconformado, preso à própria arrogância. O conto também mostra uma região remota, sem sinal de tecnologia, apenas a estrada, a natureza, as pessoas e a respectiva crença, esta que o antropólogo deveria respeitar.
"Resolveu ficar ali só mais um pouquinho, escorando a porteira que segura o mundo."
Três Desejos
Desesperado, Pedro recorreu à ajuda de um saci, e este em vez de um lhe ofereceu três desejos, e Pedro pediu uma vez, não se conformou e anos depois fez o segundo pedido, sofreu de novo até implorar pelo terceiro. O protagonista da vez é o contrário de cético dos contos anteriores, e na mesma proporção, pois acredita tanto a ponto de colocar suas expectativas na entidade e esquecer de quem de fato devia cuidar dos próprios problemas.
"A lua era boa, a hora era morta, o lugar era aquele. Encruzilhada."
Sem Cabeça
Fazia calor em toda noite de sexta-feira numa cidade do interior de Minas Gerais, mesmo no mês de junho, e na quentura também vinha a tragédia de assassinatos, desses a que Ignácio, distinto padre a resolver esses causos pelo Brasil, foi investigar. O conto segue uma narrativa de investigação típica de romances policiais, inclusive homenageia um clássico do gênero, o protagonista de comportamento peculiar e conhecimento extraordinário em contraste com o personagem auxiliar por quem o leitor acompanha as descobertas. O mistério em si é resolvido pelo protagonista desde o começo, e revela as informações em momentos pontuais, consistentes das características da assombração a causar o temor nas noites quentes de sexta-feira.
" - [...] uma maldição é a máscara que esconde a verdade dos nossos olhos."
Retomada
Ramiro perambula incógnito aos sistemas avançados de rastreio até encontrar Arthur, engenheiro e amigo que lhe fará um novo braço enquanto Ramiro explica enfim porque se rebelou. Ele descobriu informações sobre um determinado povo não ser apenas folclore, e que o povo indígena existia de verdade. A mensagem de Andrioli impacta aqui ao mostrar o prejuízo da ignorância perante o folclore, o esquecimento de toda a existência de uma parcela da humanidade, mesmo quando as pessoas aproveitam expressões ou recursos vindos dela sem sequer saber. Esta história é uma mensagem sobre a importância de valorizar o conhecimento do povo, por mais que parte da população o ignore. A sabedoria já está entre nós, e poderemos aproveitar da melhor maneira ao termos consciência dela.
"Tudo começou no museu. Era isso que eu tanto queria te contar."
O leitor encontra muito mais do que histórias de entretenimento por aqui. O autor usou os contos como mais um recurso para divulgar o folclore brasileiro, sem se limitar a mostrar sua existência, pois também esclarece porque deve existir. A única crítica sobre os contos reunidos é o excesso de manter esta iniciativa, pois diminui a característica narrativa dos contos, mas nada disposto a comprometer a escrita sincera do autor, inspirada em conteúdo de onde histórias internacionais não costumam passar.
Ficha Técnica:
Nome: O Colecionador de Sacis e outros contos folclóricos
Autor: Andriolli Costa
Editora: Autopublicado
Número de Páginas: 64
Ano de Publicação: 2020
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