Criaturas do folclore brasileiro são capazes de viver histórias assustadoras, mesmo as conhecidas pelo público infantil, como O Escravo de Capela demonstra muito bem. Saibam um pouco mais sobre esta história aqui no Ficções Humanas.
Sinopse:
Durante a cruel época escravocrata do Brasil Colônia, histórias aterrorizantes baseadas em crenças africanas e portuguesas deram origem a algumas das lendas mais populares de nosso folclore. Com o passar dos séculos, o horror de mitos assustadores foi sendo substituído por versões mais brandas. Em o Escravo de Capela, uma de nossas fábulas foi recriada desde a origem. Partindo de registros históricos para reconstruir sua mitologia de forma adulta, o autor criou uma narrativa tenebrosa de vingança com elementos mais reais e perversos. Aqui, o capuz avermelhado, sua marca mais conhecida, é deixado de lado para que o rosto de um escravo-cadáver seja encoberto pelo sudário ensanguentado de sua morte. Uma obra para reencontrar o medo perdido da lenda original e ver ressurgir um mito nacional de forma mais assustadora, em uma trama mórbida repleta de surpresas e reviravoltas.
Existe preconceito com literatura nacional, assim como com as criaturas folclóricas brasileiras. Alguns leitores leem um livro nacional e generalizam uma má leitura a todos os outros escritores brasileiros. Quanto às criaturas, ficam na lembrança apenas as versões infantis e as julgam como bobas, meros pernetas ou cobras com boi no nome. Sempre recomendamos aos leitores darem uma oportunidade a outros trabalhos produzidos aqui. E a conhecer outras interpretações das lendas locais, pois algumas delas passam longe de serem infantis. Trago como exemplo o livro O Escravo de Capela, escrito por Marcos DeBrito e publicado em 2018 pela Faro Editorial. Nele nos deparamos com uma releitura de um mito brasileiro bastante conhecido transformado em uma atmosfera de horror e vingança.
“O feitor pincelava de vermelho o seu escárnio.”
A história acontece em 1792, na Fazenda Capela. Administrada pelo patriarca Batista da Cunha Vasconcelos, possui campos extensos onde escravos trabalham em um canavial. Antônio é o filho primogênito, segue os passos do pai e atua como capataz dos negros; seu irmão caçula de nome Inácio retorna da Inglaterra após concluir o curso de medicina, mas já espera retornar à Europa para exercer a profissão sem demonstrar interesse algum na herança da fazenda. De pensamentos que entram em choque, Inácio confronta Antônio pelo último usar apenas músculos ao resolver os problemas da família, além do tratamento inumano aos escravos, longe da realidade vivida pelo caçula fora do Brasil.
Sabola Citiwala é o escravo recém-chegado à fazenda. Sem saber falar português, deve aprender a trabalhar na marra, sob a tutela do chicote de Antônio. Inconformado com a vida de escravidão, resiste às tentativas de submissão do capataz desde o primeiro dia de trabalho, mesmo quando perde o couro das costas com os castigos. Ele quer a liberdade e acaba por conhecer o negro mais velho da senzala, aleijado após uma tentativa de fuga. Através deste contato, Sabola descobre como conseguir a liberdade e promete vingança a todos os homens brancos da fazenda. Nesta busca pela liberdade ocorrerá os eventos que provocarão a chegada de um ser místico à Fazenda Capela. Ele irá tingir a mansão dos Cunha Vasconcelos com o vermelho tal como impresso nas bordas de cada página do livro.
“Então abre a boca de novo e cantarola nessa língua de macaco pra ver se o meu bacalhau aqui não vai acabar com a lisura dessas costas.”
O livro consegue transportar o leitor à realidade da época. Demonstra sem pudor como era o preconceito das pessoas para com os negros, diminuindo-os e desumanizando-os. Eles eram humilhados e agredidos com o único objetivo de mantê-los em uma condição de submissão. O autor deixa claro o papel social do patriarca e da sinhá, expondo ideias à frente do tempo de quem vive fora do Brasil; tudo isso envolvido na linguagem adequada, usando termos pontuais à época.
Há pequena quantidade de personagens, todos de grande qualidade. Cada peão de Antônio tem personalidade e contribui à sua maneira ao enredo, o mesmo em cada negro e mucama — escrava de serviços caseiros. Os diálogos passam a emoção e intenção da voz correspondente, deixando as descrições complementares à fala dispensáveis. Os eventos culminando na chegada do ser folclórico são, infelizmente, previsíveis. É fácil notar qual será o papel de cada personagem envolvido na concepção da criatura e as etapas necessárias. Mais ainda, o enredo trabalha nesses eventos feito Deus Ex-Machina, como a alocação dos negros nos mesmos lugares na senzala para favorecer a interação entre dois personagens, e a atribuição de uma tarefa ao negro novo quando é reservada a escravos dedicados e com mais tempo de servidão, ou seja, qualquer outro menos o indicado.
“Castigo só adianta quando faz o negro aprender alguma coisa.”
Escravo de Capela entrega um horror visceral ao expor a realidade da época e também por oferecer a vingança no mesmo nível através da manifestação sobrenatural com a releitura da mitologia brasileira. Os diálogos pecam pelo excesso de descrições e tem descuidos nos plots envolvidos até a primeira aparição da criatura, pelo menos o restante da história progride com conclusão fantástica e impiedosa.
Ficha Técnica:
Nome: O Escravo de Capela
Autor: Marcos DeBrito
Editora: Faro Editorial
Gênero: Terror
Número de Páginas: 288
Ano de Publicação: 2017
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