Em uma mescla de diário com guia de viagens, Marsal compartilha conosco suas experiências depois de ter largado toda a sua vida comum e partido para uma jornada livre pelo mundo a bordo de um barco ou a pé por quilômetros e quilômetros.
Sinopse:
O Livro dos Barcos conta a história do ano em que - sem dizer nada prá ninguém - decidi dar o grande pulo e preparar meu veleiro prá sair pelo mundo. Em que descrevo o ridículo e as trapalhadas de um comandante inexperiente que não sabia nem rizar a mestra. Pior: alguém aprendendo aos trancos que mudar de vida é possível, mas não tem mágica. E como, ao final, me descobri em paz. Uma paz que nunca tive antes. A paz de se descobrir em casa nesse nosso planeta grande, lindo e confuso.
Quem nunca pensou em largar tudo e sair pelo mundo buscando um encontro com si mesmo? Ir sem direção conhecer os quatro cantos do mundo, conversando com pessoas de diferentes lugares, observando paisagens conhecidas e inéditas? Aquele som da verdadeira liberdade que se assoma nos campos... Certamente alguma vez na vida todos nós já pensamos isso. Seja em um momento de intensa crise ou simplesmente durante uma viagem apreciando a paisagem. Mas, nossas vidas nos ancoram nos portos de nossas almas e nos impedem de tamanha façanha. Pois é, Marsal fez. Antes um professor, com uma casa, uma namorada, um lugar seguro para si, ele jogou tudo para o alto e partiu em busca de um sonho: andar de barco pelos mares sem rumo.
Essa é uma narrativa de um homem compartilhando conosco o que ele imagina ser a verdadeira liberdade. Ao adquirir a Buca Nera ele passou a encarar outras possibilidades. Para isso, deixou de lado a materialidade de nossas existência e passou a enfrentar jornadas e buscas diárias por novos portos onde pudesse entrar em contato com outros ventos. Se você está procurando uma linearidade ou uma narrativa com personagens e tramas, não é aqui que você vai encontrar. Marsal vai compartilhar máximas, pensamentos e explorações sobre si mesmo e o que o fez tomar uma decisão tão radical. Não digo que ele queira ser um modelo em um movimento de libertação total; nada disso. Mas é tão legal ver alguém conseguindo realmente ser livre e partir em uma caminhada sem rumo certo. Acho inspirador não porque eu queira fazer igual, mas porque serve para minhas próprias angústias. A liberdade existe em vários tons e cores; ela é subjetiva. Seja criar coragem para dar em cima daquela garota, ou abandonar um trabalho chato em busca de um sonho ou sair do lugar comum. Talvez essa seja a essência do Livro dos Barcos. Viver a vida. E não se deixar viver por ela. Apostar no escuro mesmo que a razão lhe diga para não fazer. Mas, a recompensa final é o que vale toda a trajetória.
A linguagem empregada pelo Marsal é poética. Cada frase é bem encaixada dentro do contexto daquilo que ele deseja. Dá para perceber que o autor foi capaz de criar uma relação entre letras e imagens. Temos três grandes temas que perpassam a HQ: como e por que Marsal decidiu tomar sua decisão, as dificuldades que ele passou enquanto se tornava um velejador melhor e os encontros que ele teve em suas várias viagens. É uma narrativa em espiral, com idas e vindas. Mas, em nenhum momento me senti perdido nas páginas. Outro ponto a favor é o quanto a narrativa é musical. Consigo imaginar uma trilha sonora super tranquila e transcendental enquanto leio a narrativa. Isso contribui para dar toda uma tridimensionalidade ao que está sendo dito. Pode ser que vocês tenham razão e uma história seja necessária. Prefiro não pensar nisso. Prefiro imaginar que ao final dessa jornada ao lado do Marsal (que é só o começo, diga-se de passagem) me tornei uma pessoa melhor. Isso porque as palavras do autor chegaram até o meu coração e vão me fazer refletir sobre uma série de escolhas e caminhos que eu farei nos próximos tempos. O Livro dos Barcos é aquele tipo de HQ para você ler de tempos em tempos, quando a vida parecer dura e você precisar liberar o seu espírito de vez em quando.
Só uma coisa: a vida de alguém a bordo de um barco não são só glórias. Há diversas dificuldades e é curioso o Marsal ser uma pessoa não lá muito desejosa de aprender coisas muito complicadas. E ele acaba aprendendo o necessário meio que de forma intuitiva, à medida em que ele foi precisando de tal e qual conhecimento. Errar faz parte do processo, só não podemos nos deixar abater pelas agruras. Está aí mais uma mensagem inspiradora: não vacilar e buscar algo diferente. Quando somos obrigados a tomar nossas vidas em nossas mãos e zarpar rumo ao desconhecido. A recompensa vem em uma cena magnífica quase no final da HQ quando Marsal para em um pequeno casebre no Caminho de Compostela. Lá ele para e conversa com um habitante local e logo chegam pessoas de diversas partes do mundo que não se conheciam antes. O prazer da jornada é a única coisa que une a todos mesmo que eles não falem o mesmo idioma.
O Livro dos Barcos é uma narrativa fantástica que tem aquela ligeira vibração de A Balada do Mar Salgado, do Hugo Pratt. Não digo que nosso Marsal é um Corto Maltese, mas que certamente ele é uma pessoa com um espírito mais livre do que o meu. Uma narrativa filosófica e inspiradora para aqueles que buscam alguma coisa diferente nesse intenso mercado de quadrinhos no Brasil. Portanto, comprem os seus livros, preparem as cordas e vamos zarpar rumo ao infinito.
O Quadrinho em 1 Quadro:
Sobre a arte do Marsal é bem curioso porque ela segue um pouco do espírito livre do autor. A arte é feita no nanquim direto sem passar pelas etapas iniciais. Isso faz com que a arte dele seja bastante intuitiva. A colorização foi feita de forma digital, mas ele próprio afirmou que teve dificuldade no começo em como harmonizar tinta e cor. Por isso acho que as páginas iniciais vão parecer um pouco estranhas (eu particularmente não achei), mas depois ele parece encontrar um prumo no qual seguir. A palheta de cores puxa bastante para o azul escuro com alguns trechos em cinza onde ele escolheu não carregar muito nas cores. O letreiramento é feito à mão e dá um ar bem legal e curioso a como ele conta a história. Alguns de vocês podem achar que a HQ é meio pequena e poderia prejudicar a arte, mas não é o caso. A ideia do Marsal era de justamente ser um caderno pequeno, como uma caderneta de viagens ou um sketchbook que o leitor pode carregar consigo para onde quiser. E eu achei que a arte combina muito bem dessa forma.
Falando da arte em si, Marsal usa bastante o recurso das hachuras como a gente pode ver no quadro acima. Adorei como um recurso simples consegue dar tanta perspectiva para uma imagem. As ondas parecem maiores do que elas são, dando uma sensação majestática do homem enfrentando a natureza. Notem também em como as bordas das ondas parecem mãos que estão querendo pegar o barco do autor. Como se fosse um teste para a resolução do Marsal frente ao poder do mar. O céu também é de um azul profundo e misterioso iluminando sua vida. Para mim, foi uma daquelas histórias belas e que nos inspiram a ser pessoas melhores.
Ficha Técnica:
Nome: O Livro dos Barcos
Autor: Marsal
Editora: Avec Editora Gênero: Não-Ficção
Número de Páginas: 112
Ano de Publicação: 2021
Avaliação:
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*Material enviado em parceria com a Avec Editora
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