Utterson, um advogado londrino, se depara com a estranha figura do Sr. Hyde enquanto fazia um de seus passeios dominicais. É aí que se desencadeia uma história de mistério envolvendo o médico Henry Jekyll e o maligno Hyde.
Sinopse:
Nas sombrias ruas de Londres, um criminoso sem escrúpulos espreita. Seu nome é sr. Hyde, e sua conexão íntima e injustificada com um respeitável médico da vizinhança, o dr. Jekyll, é motivo de suspeita.
Publicado pela primeira vez em 1886, esta instigante novela é um clássico do autor escocês Robert Louis Stevenson que inspirou desde Vladimir Nabokov e Jorge Luis Borges até Stan Lee
A nova edição da Antofágica conta com 60 ilustrações de Adão Iturrusgarai, que também escreve um texto ao final da obra. A apresentação é do escritor best-seller Raphael Montes e posfácios de Rodrigo Lacerda e Cláudia Fusco.
A história do médico que se transforma em um monstro horrendo através de um líquido especial é um clássico que terminou por criar um tropo de ficção. Inúmeros autores foram inspirados por esta história e já reinventaram e ressignificaram a temática. Mas, o original continua a ser extremamente inovador para o período e consegue até hoje sobreviver mesmo passado mais de um século de idade. Stevenson nos traz um monstro social capaz das maiores atrocidades e violências. A edição da Antofágica traz ilustrações do artista Adão Iturrusgarai e textos de apoio ao final que nos ajudarão a entender mais sobre quem foi Robert Louis Stevenson e qual o seu legado para a literatura.
O advogado Utterson acaba se envolvendo em uma trama passada nas enevoadas ruas de Londres e precisa entender o que aconteceu ao seu amigo Henry Jekyll, que convalesce em uma cama enquanto um terrível Hyde parece estar sugando sua fortuna e seus favores. Quem é Hyde e qual o seu envolvimento com o pobre doutor? É então que uma jovem menina acaba sendo pisoteada por Hyde, causando comoção na sociedade londrina. Utterson vai ficando cada vez mais intrigado sobre esta estranha figura e tenta de toda a forma libertar o doutor Jekyll da presença deste temível monstro. Mas, a verdade sobre Hyde pode ser mais sombria do que o inteligente advogado imagina.
"Se sou o maior dos pecadores, também sou o maior dos sofredores."
Sem dúvida alguma estamos diante de um romance gótico com todas as suas especificidades e dificuldades. A escrita de Stevenson é tortuosa, mas graças a uma excelente tradução de Felipe Castilho e Eneias Tavares a leitura fica bastante fluida. A narrativa é feita como se fosse um relato, em que ora temos o advogado contando suas experiências com o que vinha acontecendo na cidade, ora temos relatos de cartas e registros feitos por outros personagens da trama. O Médico e o Monstro é uma novella, e aliado às várias ilustrações tudo transcorre velozmente. A narrativa consegue manter o suspense por quase toda a trama e o leitor fica preso tentando entender o que está acontecendo. Mesmo que a gente conheça já a identidade dos personagens, a forma como Stevenson nos entrega é diferente do que a gente imagina. Eu mesmo me surpreendi bastante.
Para quem espera um mr. Hyde semelhante ao dos quadrinhos e de outras adaptações vai ficar surpreso com o original. Porque ele é bem diferente. Stevenson não criou um monstro aberração, mas um monstro social. Alguém capaz de escandalizar uma sociedade repleta de códigos de ética como a inglesa. Um monstro que reflete aquilo que existe de obscuro em nossos corações. Não é um homem hiper musculoso como o Hyde da Liga Extraordinária ou de suas várias adaptações. O Hyde de Stevenson é deformado, magricela e baixinho, alguém que apenas reflete o mal em seu olhar, que representa o lado obscuro do cientista que o criou. Seu pecado é cometer atrocidades vis, como a agressão e o assassinato. Além disso, Hyde possui uma inteligência perversa que ele emprega para poder sobreviver àqueles que o veem como uma ameaça a ser eliminada. O "monstro social" existe para destruir a ordem que impera na Londres vitoriana.
O monstro nasce da vontade deturpada de Jekyll de separar o bem e o mal que existe no ser humano. De extirpar de dentro do organismo tudo o que leva o homem a cometer atos vis. Mas, o que o médico vai compreender tarde demais é o que o ser humano é formado intrinsecamente pelos dois lados. Não há como separar um do outro. Além do que, na visão de Stevenson, estamos em um eterno combate contra nossos instintos malignos. É parte da teoria da salvação do protestantismo de matriz calvinista. O homem está na Terra para realizar boas ações. Apenas a partir delas é que ele será salvo e garantirá um lugar ao lado de Deus. No calvinismo o homem já é considerado maligno porque ele é herdeiro do pecado de Adão e Eva. Por essa razão somente a partir dessas boas ações é que se atingirá a redenção. Stevenson era um protestante calvinista muito devoto e isto está presente na narrativa: em como ele usa a teoria da salvação e a da predestinação de forma bem sutil na forma como ele concebe os personagens. Aquele que não realiza boas ações está condenado, como vemos com Jekyll. Não há esperanças para ele porque ele decidiu abraçar o outro lado. Ele perdeu a batalha.
"Ele me olhou quando entrei, soltou uma espécie de grito e disparou escada acima para o gabinete. Só o vi por um minuto, meu senhor, mas meus cabelos ficaram em pé como espinhos de ouriço."
Ciência usada para o mal também é um tema verificado aqui. O século XIX foi o período de nascimento de várias das ciências que temos hoje. Ao mesmo tempo é um momento em que a preocupação com a ética da profissão começa a nascer. Stevenson já revelava esses questionamentos aqui, algo que só vai se desenvolver melhor após a Segunda Guerra Mundial. Aliás, devemos pensar que a obra do autor ficou relegada por muito tempo ao obscurecimento tendo sido rechaçada até por ícones como George Orwell. Jekyll não se importava com que meios ele iria usar para obter seus objetivos. O fato de usar a si mesmo como cobaia também é uma demonstração do quanto ele era inconsequente. Ao mesmo tempo precisamos analisar a curiosidade do advogado Utterson que deixa a sua vida pacata de lado para se envolver de cabeça no mistério que ronda Jekyll. Ele não tinha nada a ganhar se envolvendo naquela situação toda. Jekyll era apenas seu conhecido. Nada do que Hyde fazia o afetava diretamente salvo pela menina que era ligada a um parente seu. Algo que ele sequer levou em consideração ao abordar Jekyll.
Os textos extras da edição da Antofágica são bem legais. Na apresentação temos um texto de Raphael Montes falando sobre o quanto O Médico e o Monstro influenciou em sua escrita. Como um escritor de thriller e terror, a narrativa do médico que se transforma em um monstro impactou na maneira como ele interpreta a psiquê humana. Ao final temos também um texto da Cláudia Fusco falando sobre os temas inerentes à obra e partindo de uma abordagem mais profunda do texto em si. Ela traz uma nova luz sobre a dinâmica entre os dois. Temos também um texto do artista convidado, Adão Iturrusgarai, sobre como foi o processo de criação das ilustrações para o livro. Por último o pesquisador Rodrigo Lacerda faz paralelos entre a biografia de Stevenson e a escrita do livro. Isso tudo demonstra o quanto a história continua sendo impactante ainda nos dias de hoje. E vai inspirar ainda gerações de autores.
Ficha Técnica:
Nome: O Médico e o Monstro
Autor: Robert Louis Stevenson
Editora: Antofágica
Tradutores: Felipe Castilho e Eneias Tavares
Número de Páginas: 288
Ano de Publicação: 2020
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