Sentem-se próximos a lareira e estejam convidados para esta véspera de Natal. Hora de mantermos nossa tradição: contarmos histórias de fantasmas. Temos alguns convidados: Charles Dickens, Robert Louis Stevenson, J.M. Barrie e muitos outros. Só não se assustem!
Sinopse:
Algo assombra os antigos Natais.Em uma seleção especial com doze histórias de grandes mestres do suspense e fantasia, incluindo contos inéditos no Brasil, acompanhe fantasmas, moradores de mansões inadvertidos, antiquários recheados de vultos, festas de Natal com visitantes espectrais e outros enredos assombrados. Contos selecionados e autores: Ceias fantasmagóricas - Jerome K. Jerome, A história dos goblins - Charles Dickens, A história da velha ama - Elizabeth Gaskell, Smee - A. M. Burrage, O fantasma de Irtonwood - Elinor Glyn, Horror: Uma história real - John Berwick Harwood, Encontro de Natal - Rosemary Timperley, Markheim - Robert Louis Stevenson, O fantasma da véspera de Natal - J. M. Barrie, A história de Natal de Thurlow - John Kendrick Bangs, A bolsa de viagem - Algernon Blackwood, O prato Crown Derby - Marjorie Bowen. Inclui minibiografias dos autores e introdução.
Essa é mais uma coletânea de contos antigos trazidos para nós pela Editora Wish. E a editora gosta desse contato com histórias vitorianas ou até anteriores a esse período. A coletânea está bastante equilibrada com contos escritos por autores mais conhecidos como Stevenson, Barrie, Gaskell, Dickens e outros assim como outros menos conhecidos no Brasil como Jerome K. Jerome (cujo livro foi resenhado por nós no Natal passado e vocês encontram aqui). Vão haver histórias para todos os públicos, desde aquelas mais satíricas àquelas mais assustadoras. A tradução ficou a cargo de duas ótimas tradutoras, Regiane Winarski e Adriana Lisboa. Podem ir numa boa que a tradução se manteve fiel ao original ao mesmo tempo em que a leitura é bem simples, sem os truncados de traduções que acabam perdendo a essência. Falando da edição em si, ela está muito luxuosa, com capa dura, pintura trilateral, fitilho. Internamente, o trabalho editorial da Wish é impecável desde o uso de letras capitulares estilizadas, passando por uma minibio bem legal dos autores antes dos contos. O prefácio te ajuda a entender como o Natal era visto em tempos passados e até por que o hábito de contar histórias de fantasmas era tão habitual. Minha única crítica é que não veio o nome do prefaciador. É legal saber por mais que tenha sido alguém da equipe da própria editora. Sei lá, fico com a ideia de que a pessoa escreveu um prefácio bacana e não foi lembrada.
Falando sobre os contos um por um: (e me perdoem se a resenha ficar grande, mas acho essas coletâneas tão legais)
1 - "Ceias Fantasmagóricas"
Autor: Jerome K. Jerome Avaliação:
Publicado originalmente em 1891
Esse é um conto que já havia sido publicado na coletânea Terror Depois da Ceia, que comentei brevemente no parágrafo acima. De qualquer forma, achei acertada a escolha deste conto para iniciar a coletânea porque Jerome meio que coloca o leitor no clima de histórias fantasmagóricas natalinas. Não se trata de uma narrativa per se, mas do autor comentando o próprio hábito natalino de contar histórias de fantasmas. Como já comentei em outra resenha sobre este conto, fica um comentário breve de como hospedar pessoas era um ato social no período vitoriano. Não se tratava apenas de cear junto dos familiares e distribuir presentes. Tratava-se de ser um bom anfitrião, receber a todos e colocá-los em seus quartos com conforto. Claro que as picuinhas sociais sempre vão existir com aquela pessoa que é mais rabugenta, ou o cético que interrompe a contação de histórias e alega que tudo não passa de bobagem. Jerome perpassa por todos esses estereótipos de convidados enquanto nos faz rir com pequenos causos de pessoas que se assustaram com fantasmas de verdade. O conto é quase um documento de época e é bem escrito. Minha crítica foi só a de não sentir uma narrativa presente ali e mais um conto voltado para atrair o leitor. Como um elemento individual, ele não se constrói sozinho, mas fazendo parte de uma coletânea maior, potencializa aqueles que vem depois.
2 - "A história dos goblins"
Autor: Charles Dickens Avaliação:
Publicado originalmente em 1836
Nessa história somos apresentados a um sacristão rabugento chamado Gabriel Grub. Um homem chato e mesquinho, que detesta crianças e felicidade. Na véspera de Natal, enquanto todos passam a data com suas famílias, Gabriel vai cavar túmulos para enterrar as pessoas. Durante uma caminhada, ele chega a agredir uma criança com sua pá apenas por ela demonstrar sua felicidade por causa da data. Durante o seu trabalho, Gabriel vai ser surpreendido por um goblin que vem aterrorizar sua vida. A rabugice do sacristão incomodou até mesmo essas criaturas mágicas que prometeram levar o homem santo ao inferno caso ele não corrija o seu temperamento.
A sinopse da história lembra demais Cântico de Natal, do próprio Dickens. Quem conhece a história, vai ver diversos tropos que ele usou nessa história maior e mais famosa dele. Esse conto tem valor no sentido de que passeia pelas ironias e o modo fácil de escrever dickensiano enquanto nos diverte. Parece estranho dizer isso, mas mesmo esse conto se tratando de um indivíduo sendo amaldiçoado por criaturas infernais, a história é repleta de ironia e bom humor. Não tem como a gente não se lembrar do velho Scrooge e compará-lo com o sacristão, mas a história do velho muquirana puxa mais para o trágico do que para o satírico. Scrooge era um homem atormentado por um passado que o incomodava. Gabriel é só um cara rabugento mesmo. Vale destacar a maneira como Gabriel faz de tudo para negociar com o goblin para que ele o deixe em paz, mas a criaturinha consegue enxergar através das mentiras do personagem. Isso nos mostra o quanto não somos capazes de enganar criaturas primordiais. A história tem um bom ritmo e tamanho e o leitor vai ter uma boa virada narrativa ao final. Quem conhece Dickens, vai adorar a história; que não conhece, é uma ótima porta de entrada para a escrita do autor.
3 - "A história da velha ama"
Autora: Elizabeth Gaskell Avaliação:
Publicado originalmente em 1852
A autora de Norte e Sul, um livro fabuloso que reconstrói relações sociais do século XIX com uma precisão e crítica que a tornaram famosa, faz trabalho semelhante nesse conto. Nele somos transportados a uma estranha mansão onde a tutora Hester e sua protegida Rosamond vão precisar morar após a morte prematura de sua mãe. Lá elas vão conhecer um elenco de senhoras e empregadas que vão fazer os dias parecerem mais misteriosos. Enquanto Rosamond cresce nesse ambiente diferente, Hester se dá conta de que a casa esconde dois mistérios: um estranho som de órgão vindo de uma ala trancada da mansão e uma garotinha que aparece em algumas noites do lado de fora da casa, pedindo para entrar. As empregadas da casa pedem encarecidamente para que Hester faça o possível para que Rosamond não abra as portas da casa para a garotinha, que exerce um estranho fascínio sobre ela. Sobre o tal órgão, as donas da casa fazem ouvidos moucos, apesar de suas expressões assustadas revelarem mais do que elas deixam transparecer.
É uma narrativa de críticas sociais também. Espanta o fato de podermos elencar várias delas em uma história tão curtinha. Primeiro tem todo o caso do senhor que era o chefe da casa e agredia sua esposa a tal ponto de a levar a uma tristeza e depressão. As filhas que disputam a mão do jovem cavalheiro que, Gaskell me surpreendeu nisso, me parece ser um negro. Tem só um momento da trama que ela descreve o cavalheiro de "pele escura e modos encantadores". Achei tão curioso que merecia o destaque. Existe todo um habitat social na mansão e Hester é uma pessoa curiosa nesse ponto. Mesmo sendo uma simples tutora, ela se encontra em outro status social em relação a alguns dos empregados da casa. E ela faz questão de usar essa sua autoridade quando precisa chamar a atenção de alguém por falar torto com ela. Ao mesmo tempo em que tem uma deferência maior por aqueles que administram a mansão. Isso é para que possamos perceber o quanto a pirâmide social pode nos ajudar a encontrar micro-poderes em um ambiente até que simples. E como os indivíduos decidem usar seu status social para exercer posições de mando ou de submissão. Gaskell é uma mestra em nos mostrar isso através de pequenas sutilezas que o leitor precisa ser atencioso para perceber.
4 - "Smee"
Autor: A.M. Burrage Avaliação:
Publicado originalmente em 1931
Essa é a história de um jovem e seus amigos que desejam se distrair durante a véspera de Natal. O grupo sugere brincar de pique-esconde, e o garoto revela ter um trauma profundo dessa brincadeira. Ele sugere que eles brinquem de "smee", uma brincadeira semelhante em que uma pessoa fica sendo o "smee" e os outros precisam descobrir quem essa pessoa é. O último que descobre precisa pagar uma prenda. O garoto revela ser ruim no jogo e conta por que tem trauma de pique-esconde. É então que conhecemos a história de uma menina que quebrou o pescoço durante uma brincadeira e passou a assombrar o último lugar que esse garoto visitou. E é lá que ele estará frente a frente com o sobrenatural.
Essa história não me agradou muito. E foi mais porque Burrage é muito repetitivo nas situações e falas. A narrativa poderia ter se desenrolado em muito menos páginas e ele repete momentos de susto e medo do personagem em diversas ocasiões. A gente sabe para onde a história vai se encaminhar e o autor toma algumas escolhas erradas para chegar lá. Ele poderia ter se focado no que aconteceu com a menina e até descrever mais o ambiente em que ela vive. A garota me pareceu mal desenvolvida e ele só usa três adjetivos para descrevê-la: alta, altiva e meio pedante. Ou ele poderia ter trabalhado melhor as relações entre o grupo de personagens ou até investido na atmosfera de medo criada por uma pessoa estranha estando ali. O que ele se foca é no próprio jogo de Smee e salvo em um ou dois momentos no tal do armário lá, tudo me pareceu deslocado.
5 - "O Fantasma de Irtonwood"
Autora: Elinor Glynn Avaliação:
Publicado originalmente em 1913
Esther Charters é uma dama da sociedade, sendo cortejada por cavalheiros e buscando viver sua vida de forma tranquila. Ela brinca com suas amigas que acha fantasmas e coisas do sobrenatural emocionantes. É convidada para um Natal na casa de uma de suas amigas, a sra Ada Hardess. Durante sua viagem até a exótica casa, ela conhece Ambrose Duval, um homem que fica de olho nela e afirma estar indo para o mesmo lugar. Ao chegarem até Irtonwood, Esther é colocada no quarto de Cedro, um local que diz ser assombrado por uma tal de Dama Branca. O que começa como uma brincadeira inocente e um triângulo amoroso formado por Duval e o cavalheiro que corteja Esther, o sr George Seafield, se transforma em um terrível encontro com a morte frente a frente.
Esse é um romance de mistério com elementos sobrenaturais. Existe mais um detalhe a ser lembrado que é o de Esther estar lutando para conseguir os documentos para lhe garantir uma herança disputada por membros de sua família e os herdeiros de seus antepassados. Documento esse que está desaparecido e pode fazer Esther perder tudo. A história da Dama Branca vai trazer à tona alguns desses plots investigativos: o estranho que se envolve no grupo, a mansão exótica, as passagens secretas, as correntes se arrastando. Existe também uma incrível semelhança entre Esther e a antiga dona da mansão. Todas essas pequenas narrativas se mesclam em uma história romântica que nos promove desentendimentos, os hábitos de corte que quem aprecia romances de época está acostumado. Não chega a ser necessariamente uma história de terror, sendo algo mais no clima de um mistério de Agatha Christie. Tem até uma explicação sobre a resolução no final. A escrita de Elimor Glynn é um pouco carregada de descrições em alguns momentos, mas no geral não me incomodou. Só as coincidências fortuitas que me tiraram um pouco do rumo, mas okay. É um conto divertido e tenho certeza que vai agradar a uma variedade de públicos.
6 - "Horror: Uma história real"
Autor: John Berwick Harwood Avaliação:
Publicado originalmente em 1861
Prestes a receber uma série de convidados para a véspera de Natal, Rosa precisa lidar com uma surpresa súbita: a chegada de Lady Speldhurst que não estava inicialmente na lista de convidados. Com a mansão cheia, Rosa terá que ceder o seu quarto para a sua hóspede enquanto se dirige para uma ala da mansão que não costuma ser usada. Um quarto estranho, embora confortável onde dizem que aconteceram estranhos acontecimentos e um espírito maligno vive no lugar. A protagonista nos conta como foi essa sua experiência terrível, algo que a marcou para sempre e fez com que aquele a quem ela estava prometida se afastasse e sua vitalidade fosse destruída. Vamos em uma jornada ao oculto em que a morte estará ao lado da cama, literalmente.
Harwood é um autor que gosta mais de descrever o ambiente no qual a narrativa se passa. Então quase todo o conto será marcado por parágrafos descritivos e bastante longos, o que pode agradar ou afastar os leitores, dependendo de como cada um se comporta com a história. A maneira como Harwood conduz o medo e a tensão me fez pensar em O Iluminado, de Stephen King. O crescendo na tensão, o medo que espreita ao lado. O autor vai preparando o leitor apresentando pistas falsas que vão se tornando cada vez mais palpáveis a cada novo desenvolvimento. Rosa vai fazendo conexões entre sua vida e o que se sucede com ela naqueles dias tão transformadores. A gente sabe que uma tragédia grande demais está prestes a acontecer, só que permanecemos na leitura para saber o que será. Ou seja, temos nossa curiosidade atiçada pelo autor a cada novo pequeno comentário que ela faz. Só que achei o conto longo demais e o autor se perde em fluxos de pensamento com uma frequência grande demais. É comum nos perdermos e precisarmos retornar alguns parágrafos para entender sobre o que ele está falando. Como os fluxos podem se referir a qualquer tema que vier à cabeça dela, a narrativa pode não seguir uma linearidade, o que prejudica a coesão. Mas, acabei gostando de como o autor resolve os plots apresentados, usando alguns clichês de histórias de fantasmas de uma maneira inteligente.
7 - "Encontro de Natal"
Autora: Rosemary Timperley Avaliação:
Publicado originalmente em 1951
Uma história genial sobre uma mulher que está passando um Natal sozinha em sua casa. Ela se lamenta dos azares de sua vida e pede para que alguém lhe faça companhia em uma noite tão bela. Só que, para sua surpresa, um jovem estranho entra em seu quarto e logo ela percebe se tratar de alguém que não pertence a este mundo. Este jovem revela ser um escritor e inicia-se uma conversa que acalenta o espírito solitário dela. Uma história sensacional, curtinha, mas contendo tantos mistérios e significados que o leitor vai ficar pensando por vários dias a fio. Os diálogos são leves e bem conduzidos e cada frase é pensada de forma a causar algum efeito no leitor: tristeza, saudade, surpresa, ternura. Timperley ainda faz uma brincadeira com a nossa percepção e permite múltiplas interpretações sobre o último parágrafo. Essa é uma daquelas histórias que mostram para nós que tamanho não é documento. Não quero entrar em mais detalhes porque gostaria que mais pessoas lessem esse conto com mais atenção.
8 - "Markheim"
Autor: Robert Louis Stevenson Avaliação:
Publicado originalmente em 1885
Em uma véspera de Natal, Markheim segue até uma loja de presentes onde deseja adquirir alguma coisa para dar a alguém. Só que ele não sabe o que comprar e depois de conversar com o comerciante, este oferece a ele um espelho. Isso faz com que Markheim tenha estranhas reações relacionadas a seu passado. Ao ver o espelho, isso o faz lembrar dos erros que ele cometeu em vida. E ele está prestes a cometer mais um, quando esfaqueia cruelmente o comerciante. Tendo feito o que realmente havia vindo fazer, ele agora busca se livrar do corpo, pegar todo o dinheiro da loja e conseguir fugir ileso. Só que ele está preocupado se alguém escutou toda a confusão ou viu alguma coisa que não deveria. Markheim sente que qualquer movimento, qualquer olhar vindo da rua pode denunciá-lo. E é aí que uma presença chega até ele e oferece a ele a possibilidade de sair ileso de tudo aquilo. Só que para isso, existe um preço a ser pago...
Stevenson é um autor que gosta de explorar o lado obscuro do ser humano. O que nos move? O que nos faz seguir caminhos ruins? Em O Médico e o Monstro, ele já havia feito isso com um médico obcecado por seus experimentos e agora com um ladrão que tenta entender se ainda existe uma esperança de ele se arrepender. Stevenson é um pouco pessimista nisso e, apesar da virada narrativa ao final, o leitor consegue sentir que parece que ele não acredita muito na capacidade de mudar. A gente pode passar bastante tempo discutindo sobre a natureza do homem, mas o diálogo entre a criatura e Markheim é bem claro nesse sentido. Nos faz pensar retrospectivamente o que fizemos para escolher esse ou aquele caminho. O protagonista demonstra que se arrepende de seu passado, mas não pode fazer nada para alterá-lo. Se torna essencial a ele, conviver com isso e tentar fazer escolhas melhores no futuro.
O autor usa dois tropos bem curiosos na história: um se remete ao tema visto no conto O Coração Delator, de Edgar Allan Poe e o outro se refere ao pacto fáustico. No primeiro, o personagem se sente observado por um pecado que ele cometeu. É como se ele ouvisse as batidas do coração por toda a parte. Se trata da própria consciência dele falando. Já o pacto fáustico acontece quando o fantasma ou criatura oferece a ele uma saída para o seu dilema. Ele não é claro quanto a qual o preço de sua ajuda e me parece algo mais moral do que físico. Enfim, Stevenson consegue nos entregar um conto que possui várias camadas e toca fundo em nossos corações. Com uma sutileza do tamanho de um elefante.
9 - "O fantasma da véspera de Natal"
Autor: J.M. Barrie Avaliação:
Publicado originalmente em 1892
Um caso estranho envolvendo uma mansão e um fantasma que aterroriza aqueles que a habitam se torna a fofoca da cidade em todos os natais. Aparentemente, um velho portando uma espingarda adentra na casa e tira os hóspedes do sério. O último foi um mordomo que viu sua vida desaparecer diante de seus olhos. No conto, um jornalista busca entender o que acontece nessa mansão. Mesmo mantendo um espírito objetivo, ele percebe que algo está errado nos relatos. Ele nos apresenta todas as fontes de suas informações e vai elencando ponto a ponto o que é e o que não é sobrenatural neste caso. Mas, se envolver demais em um caso desses pode ter consequências devastadoras.
A escrita do Barrie é leve e irônica em determinados momentos. Mesmo falando sobre assassinatos e um fantasma que carrega um fardo tão mortal, o leitor não sente o peso da história. É uma narrativa que te fornece muitas informações e tem um teor quase argumentativo. É como se o autor estivesse conversando com o leitor enquanto se coloca como alguém que procura ser imparcial e científico. Mas, diante de tantas inconsistências, as barreiras que separam o real do sobrenatural vão sendo derrubadas uma a uma. Não é uma história fenomenal, mas Barrie consegue manter o interesse do leitor até o final. Para mim, como leitor, não foi uma narrativa que me agradou e foi marcante de alguma forma.
10 - "A história de Natal de Thurlow"
Autor: John Kendrick Bangs Avaliação:
Publicado originalmente em 1894
Thurlow é um escritor famoso por suas histórias de terror natalinas. Todos os anos ele publica no jornal e ganha uma graninha merecida, além de ter construído a sua fama em cima destas histórias. Mas, este ano é diferente. Parece que nada vem à sua mente e sua inspiração está zerada. O prazo está ficando cada vez mais apertado e a história não sai de jeito nenhum. Um dia, ele recebe a visita de um de seus fãs, um homem que fica horas conversando com ele sobre o que ele gosta em suas histórias e o elogia como um grande escritor. Apesar de ter seu ego massageado, Thurlow não vê a hora de mandar o tolo embora para poder tentar voltar a escrever. É então que o fã percebe a dificuldade de seu autor favorito de escrever uma história e pede a ele que publique aquela que escreveu. Que seria uma honra para ele publicar sua história, mesmo que fosse com o nome de seu autor. Depois de dispensar o fã, Thurlow tem a curiosidade de ler a história e só então percebe a obra-prima que tem em mãos. É então que ele se vê em um dilema: publicar em seu nome ou dar os créditos a quem de fato escreveu? Ele será atormentado pelo fantasma de seu egoísmo que diz a ele para publicar em seu nome e colher os louros. E agora?
Essa é uma história fascinante que dialoga com o que Stevenson escreveu em outra história. Afinal, o escritor é atormentado por uma dúvida cruel que não coloca sua vida necessariamente em risco, mas o faz pensar em caminhar uma estrada sombria que pode destruir a sua alma. Sendo um escritor, ele entende as dificuldades de escrever uma obra e o quanto esta representa a própria essência daquele que escreveu. Tomar para si a autoria de uma obra que não escreveu não é só falsificar algo, mas tomar para si o espírito daquele que criou. É poluir a pureza de uma obra-prima. Manchar com algo que somente ele saberá que aconteceu (ele e o verdadeiro autor). Embora nos dias de hoje não tenhamos tais pudores (o que deveríamos ter), mas se pararmos para pensar é, de fato, uma narrativa assustadora. O fantasma está encarnado na forma do próprio subconsciente do protagonista. Um ser que está ali para trazer à tona tais desejos egoístas. Gostei da narrativa, embora ela tenha um ritmo meio estranho e ora ela tem uma narrativa mais direta e voltada para discutir a moral de seu protagonista, ora se perde em divagações que não acrescentam na trama. Porém, é uma história muito boa e está entre os destaques da coletânea.
11 - "A bolsa de viagem"
Autor: Algernon Blackwood Avaliação:
Publicado originalmente em 1908
Após terminarem finalmente um julgamento de um terrível criminoso, Johnson, o secretário de defesa do advogado que defendeu o meliante, só quer saber de viajar e sair dessa cidade que o sufocou durante tanto tempo. Um julgamento de um ser que merecia apenas a condenação por um assassinato brutal, mas que, por competência dele e de seu chefe, conseguiram transformar a prisão em uma internação em uma clínica para homens insanos. Johnson chega em casa e prepara sua bolsa de viagem. Coloca uma a uma suas peças de roupa, mas coisas estranhas parecem estar acontecendo a ele. Sons de passos estão vindo do andar de baixo, objetos se movendo de um lado para o outro e a bolsa formou a silhueta do criminoso. O que está acontecendo?
Dizer que Blackwood é um escritor competente é pouco. Só alguém com um domínio preciso de sua escrita conseguiria produzir uma trama tão interessante a partir de uma premissa maluca como a de uma bolsa sinistra. Ele constrói um ambiente tenso e que vai se apertando aos poucos ao redor de nossos pescoços. A morte está à espreita e quanto mais o protagonista se debate, pior fica. É uma narrativa que vai estimular nossa visão e nossa audição, entregando informações que nos permitem construir com perfeição o que está à nossa volta. Juro que pude ouvir os passos vindos de algum lugar ou enxergar uma silhueta quando olhei por cima do ombro. Blackwood é muito bom em criar tais situações e o mistério vai sendo revelado aos pouquinhos. Em um dado momento, fiquei imaginando que ele tinha colocado um furo na história porque a menos que algo tivesse acontecido lá atrás, todo o dilema do protagonista seria inócuo. Só que aí vem as duas páginas finais do conto. E a gente aplaude de pé. Melhor conto da coletânea, sem dúvida alguma.
12 - "O prato Crown Derby"
Autora: Marjorie Bowen Avaliação:
Publicado originalmente em 1933
Martha Pym é uma senhora que tem como passatempo colecionar porcelanas. Conversando com suas amigas, ela conta como adquiriu a famosa coleção Crown Derby do qual ela tem um arrependimento: a de nunca ter conseguido adquirir o prato, um elemento importante para completar a coleção. Ela obteve esse prato em um leilão de peças após a morte da proprietária da casa. Algumas lendas dizem que algiuém escondeu peças de porcelana durante o leilão. Outras dizem que um fantasma assombra a casa e já causou algumas situações bem estranhas. Trinta anos se passaram desde então e Martha não se conforma com a sua coleção incompleta. Para ela é uma questão de orgulho. Suas amigas dizem que pode ser possível conseguir o tal do prato já que uma pessoa mora na propriedade que pertenceu à dona original do porcelanato. Martha segue até lá e encontra uma estranha senhora que parece ter hábitos bizarros, mas que, assim como ela, é uma colecionadora de peças de porcelana. Talvez ela saiba o paradeiro do tal prato. Pelo menos é o que Martha espera.
A narrativa segue uma protagonista obsessiva em completar sua coleção, embora mantenha sua postura como uma dama da sociedade. Não se trata de uma história brilhante, mas ela consegue atacar bem os clichês e trazer uma história que entretém o leitor. Vale pontuar um elemento que a maioria dessas histórias tem em comum: uma certa curiosidade pelo sobrenatural. Nos dias de hoje, os fantasmas pertencem às histórias de terror, se confundem com maldições, danação e mortes. Mas, na época destas histórias, os fantasmas representavam algo estranho e que deveria ser observado. Vemos duas ou três personagens que se animam com o prospecto de estar de frente a um fantasma. Claro que isso depois se torna uma situação trágica, mas mansões assombradas e quartos amaldiçoados eram parte da moda. Vejam como Martha Pym entende que possa haver um fantasma na propriedade, mas ela quer ver a entidade. Quando as pistas apontam que isso se trata de uma lenda urbana, ela fica desanimada. Talvez esse aspecto de como lidar com o sobrenatural possa provocar um estranhamento no leitor, mas o fantasma ainda não era entendido como algo tão maligno assim. Beirava a noção do exótico e as histórias de fantasmas eram bem vendidas nos folhetins da época.
Até como conclusão dessa resenha. preciso destacar o quanto tais histórias me surpreendem já que salvo a de Algernon Blackwood que é um pouco mais sinistras, a maior parte delas não passa de uma fantasia sombria com pontos que podem variar da sátira, à ironia, ao sarcasmo ou até a um drama familiar. A necessidade de publicar tais histórias justamente na véspera de Natal nos faz remeter ao cristianismo praticado mais na época do auge do paganismo ou do contato com os povos germânicos. Hoje, esse hábito de contar histórias de fantasmas foi substituído por histórias mais alto astral, mas fico pensando em o quanto narrativas como Um Cântico de Natal, de Charles Dickens, e todas as suas releituras continuam nas mentes e corações de milhões de espectadores e leitores. Só demonstra a força e a atemporalidade de tais histórias.
Ficha Técnica:
Nome: O Natal dos Fantasmas
Organizado por Editora Wish
Editora: Wish
Tradutores: Adriana Lisboa e Regiane Winarski
Número de Páginas: 288
Ano de Publicação: 2021
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