Raggle Gumm é um cara que acerta em um concurso de jornal há vários anos. Todos os dias ele senta em sua poltrona, refaz uma série de gráficos e estatísticas e adivinha onde está o homenzinho verde. Só que algo em seu mundo parece fora do lugar. Aliás, quem é Marilyn Monroe? Por que ninguém a conhece, mas ela parece ser famosa?
Sinopse:
Um romance impressionante de um dos maiores nomes da ficção científica. Philip K. Dick faz o leitor duvidar do real e se perguntar a todo momento até que ponto a paranoia é justificada. Com edição especial em capa dura e projeto gráfico arrojado, uma obra inédita de Philip K. Dick chega ao Brasil, trazendo um retrato único da construção do medo, da desconfiança e da própria realidade. Ragle Gumm tem um trabalho bastante peculiar: ele sempre acerta a resposta para um concurso diário do jornal local. E quando ele não está consultando seus gráficos e tabelas para o trabalho, ele aproveita a vida tranquila em uma pequena cidade americana em 1959. Pelo menos, é isso que ele acha. Mas coisas estranhas começam a acontecer. Primeiro, Ragle encontra uma lista telefônica e todos os números parecem ter sido desconectados. Depois, uma revista sobre famosos traz na capa uma mulher belíssima que ele nunca tinha visto antes, Marilyn Monroe. E para piorar, objetos do dia a dia começam a desaparecer e são substituídos por pedaços de papel com palavras escritas, como “vaso de flores” e “barraca de refrigerante”. A única alternativa que Ragle encontra para descobrir o que está acontecendo é fugir da cidade e de todos esses acontecimentos bizarros, contudo, nem a fuga nem a descoberta serão tão fáceis quanto ele imaginava.
Vocês já tiveram aquela sensação de que algo deveria estar em um lugar e não está? Uma lâmpada que ontem estava em um lugar e no dia seguinte estava no outro? Uma sequência de degraus que era para ter oito degraus, mas tem só sete? É com essa premissa que Philip K. Dick escreve O Tempo Desconjuntado, um de seus primeiros romances de ficção científica e que já apresentam traços do escritor talentoso que veremos em romances como Andróides Sonham com Ovelhas Elétricas. Tudo está ali: as altas ideias, a confusão na realidade.
A edição especial da Suma está muito bonita em capa dura e com um projeto gráfico sensacional. Acho que a ideia é repetir o sucesso de outras coleções que eles iniciaram recentemente como a do H.G. Wells e a Biblioteca Stephen King. Só queria dar uma sugestão ao pessoal da editora: por que não colocar textos de apoio ou um prefácio especial escrito, sei lá, pelo Bráulio Tavares, que é uma pessoa que traduz materiais do Dick há anos. Entendi toda a proposta de trazer as obras do Dick com toda pompa, mas se não houver algo a mais, por que então fazer um material de luxo? Falando no Bráulio Tavares, a tradução está excelente. Fácil de ler e mesmo o livro sendo um pouco datado, a gente consegue pegar bem as expressões do período sem perder o nexo da história.
Esse já é o décimo livro do Dick que eu leio. E eu já li coisas realmente bizarras como Valis. Então posso dizer que conheço um pouco da escrita dele. Dick não segue muito "o manual" e tem uma escrita muito livre que vez ou outra incomoda os leitores. Ele é um autor cuja escrita acaba se tornando refém da história. Tudo gira em torno de qual a ideia que ele tem para a sua narrativa. Até mesmo os personagens podem ser deixados de lado para que o que ele imaginou em um primeiro momento ganhasse forma. Por essa razão é que alguns de seus críticos afirmam que Dick é péssimo no desenvolvimento de personagens. Eu discordo, mas tem algumas histórias onde ele peca nesse sentido. Aqui, ele escreve em terceira pessoa em algo que eu posso associar ao modelo de Pontos de Vista. Não é o sistema que estamos acostumados hoje porque, novamente, Dick não se prende a modelos estabelecidos. Mas, ele alterna entre três personagens: Vic, Raggle e Billy. E isso ele faz muito bem com boas passagens de um personagem para o outro que não comprometem a narrativa final.
"Mas na Revista do consumidor eles estão sempre dizendo para a gente ficar atenta a fraudes, propaganda enganosa. Você sabe, roubo no peso das mercadorias, coisas assim. Talvez essa revista aí, a propaganda sobre essa Marilyn Monroe, seja só conversa fiada. Estão tentando fazer publicidade de uma atrizinha qualquer, fingindo que todo mundo a conhece, para que quando as pessoas ouvirem falar nela pela primeira vez digam "Ah, claro, aquela atriz famosa!". Bem, eu acho tudo que ela tem é um problema com as glândulas."
Os personagens realmente não são muito bem trabalhados. Apesar de ser uma trama que trabalha as relações entre os personagens eu senti que em alguns momentos ficou uma série de brechas na narrativa. Por exemplo, o autor poderia ter trabalhado de forma melhor o triângulo entre Junie, Raggle e Billy. Por mais que Billy não se importasse com Junie, o autor poderia ter criado uma tensão que geraria algumas situações intrigantes. O mesmo pode ser dito da parceria entre Vic e Raggle. Inicia-se um momento de investigação sobre o que está acontecendo na cidade onde eles vivem, mas as respostas acabam aparecendo de forma muito simples e previsível para o protagonista. Aqui eu senti em alguns momentos, Dick atuando como um deus ex machina para que a trama conseguisse se mover.
Consigo dividir a narrativa em dois momentos: um onde existe toda a questão das coisas desaparecendo e das informações vazando. E um outro momento em que temos uma narrativa que podemos associar à de O Show de Truman. Vou ser sincero e dizer que eu gostei mais da primeira parte porque Dick introduz algumas ideias curiosas. A noção de coisas desaparecendo é algo que nós convivemos em nosso cotidiano. Claro que não se trata de uma manipulação da realidade, mas a nossa mente pregando peças. E é algo totalmente relacionável que causa no leitor aquela sensação de estranhamento e familiaridade ao mesmo tempo. Quando o autor introduz a ideia dos pequenos papéis, pensei na hora que viria algo realmente grandioso. Como em Ubik em que ele se utiliza de uma premissa semelhante. Porém, essas ideias são deixadas de lado sob uma justificativa de um aparente controle subliminar que não faz o menor sentido. Pelo menos não da maneira como o autor introduz na história.
Já o segundo momento eu não gostei porque houve uma nítida quebra narrativa entre a primeira e a segunda partes. É como se ele estivesse escrevendo uma outra história. Não que a segunda parte seja pior do que a primeira, até acho ela mais redondinha, mas é que destoa tanto do que foi apresentado inicialmente que me deixou realmente confuso. E não em um bom sentido. Ele explora o Big Brother incapaz de manter um controle tão fino sobre tantas vidas ao mesmo tempo. O personagem vai pouco a pouco percebendo as brechas na "narrativa" contada por aqueles que estão nas sombras e vai juntando as peças. Nesse momento, Dick meio que abandona tudo o que ele construiu e parte para o desfecho. Mas, esse desfecho deixa pontas soltas demais o que acabou me deixando um pouco decepcionado. Não é que a história fosse ruim ou previsível, só que a maneira como introdução - desenvolvimento - conclusão se relacionam não faz muito sentido.
Em O Tempo Desconjuntado vemos alguns traços da narrativa disruptiva que vai tornar o autor tão famoso. Ele bagunça tanto a realidade dentro do universo literário criado pela sua mente que o leito acaba desconfiando da própria realidade. É impossível confiar em qualquer informação que o autor nos apresenta na história. Se temos a expressão narrador não confiável, quando se trata de Dick a ideia é a de um escritor não confiável. Você precisa buscar não o que ele está apresentando na sua frente, mas o que ele não está contando. Pequenos detalhes não mencionados no cenário formam uma história maior do que aquilo que está aparente. Como eu mencionei antes, Ubik bebe de ideias muito semelhantes e ele manipula o cenário e o distorce de tal maneira que não conseguimos saber mais o que é real ou não.
Dick é esse tipo de autor que vai fazer você se questionar se o que você vive é real ou se realidade é um conceito relativo. A realidade é coletiva ou um construto individual? A partir dessas perguntas, O Tempo Desconjuntado é uma história um pouco desconjuntada (brincando um pouco com o título), porém já demonstra o que o autor é capaz de entregar.
Ficha Técnica:
Nome: O Tempo Desconjuntado Autor: Philip K. Dick Editora: Suma Gênero: Ficção Científica Tradução: Bráulio Tavares Número de Páginas: 272 Ano de Lançamento: 2018
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*Material enviado em parceria com a Editora Suma
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