Farid é um ahmar, um filho de Bahaal'zar, deus dos ventos do deserto. Sendo um ahmar ele sofre muito preconceito, pois as pessoas alegam que estes seres trazem a morte e o mal. Mas, em uma vila no meio do deserto, apenas um ahmar poderá salvar a vida de uma jovem raptada pelo deus.
Uau... estou sem palavras após ler este conto. O que essa menina fez? Que história incrível que ela escreveu. Estou até agora impressionado com o mundo que ela criou e a profundidade da história que ela foi capaz de contar. Conseguir fazer esse tipo de construção de mundo de uma forma tão credível em um espaço tão curto é inacreditável. Por esse motivo, nada de dupla resenha para ela; merece uma resenha individual.
A narrativa é contada em primeira pessoa do ponto de vista de Farid, um ahmar, ou seja, um filho de Bahaal'zar. Por serem pessoas excluídas, os ahmar acabam precisando vagar de tribo em tribo, nunca permanecendo no mesmo lugar por muito tempo. Depois que sua mãe morre, Farid acaba ficando solitário no mundo. Graças aos poderes inerentes ao filho do deus dos ventos, as agruras do deserto não machucam tanto quanto deveriam. Depois de uma difícil travessia rumo a Murad, onde ele acredita que os ahmar possuem um status melhor, ele chega a uma vila onde o pedido de uma mãe fará com que ele seja obrigado a colocar sua vida em risco.
A escrita é muito visual. A autora consegue descrever com tanta qualidade os cenários e o que o personagem é capaz de enxergar, que o leitor consegue captar essas descrições. Não são descrições chatas; são muito vívidas, nos permitindo sentir o vento do deserto, os cheiros e os sons por toda a parte. Adoro quando me deparo com esse tipo de narrativa visual porque, por mais compacta que ela precise ser, ela consegue despertar os cinco sentidos do leitor. O protagonista não é um personagem chato, muito pelo contrário. Apesar de ser o típico herói, ele é um personagem com múltiplas camadas: sofre o preconceito, precisa lidar com a morte da mãe e o fato de estar sozinho no mundo. Aos poucos vamos vendo o quanto esta tristeza e melancolia se empilha nas costas do personagem, criando uma personalidade deveras cínica e irônica em algumas situações. A história é mais centrada na relação dele com o mundo, mas apesar disso, temos outros personagens que servem para amadurecê-lo. Nada é acidental na história; tudo possui um propósito.
O tema central do conto é a busca da identidade. Farid está tentando encontrar o seu lugar no mundo. Ele é o quê? E é a partir dessa dúvida dele é que somos jogados em uma história em que ele sai em busca de suas origens e motivações. A autora parece construir a essência do personagem aqui. Pouco a pouco as camadas de personalidade dele são colocadas a ponto de ao final nós termos um personagem redondinho. Acho que a autora poderia ter colocado um pouco mais de cinismo no protagonista por conta de todas as suas experiências, mas okay. Entendi aonde ela quer chegar. O contato com o deserto faz da vida dura, mas mesmo assim existe toda uma série de protocolos a serem preenchidos. O personagem é preso por algumas dessas superstições do deserto como o valor de uma promessa, o hospedar pessoas, o oferecer comida. Certamente a autora estudou um pouco da cultura árabe e transportou alguns desses elementos para o seu universo. E todos ficaram muito harmônicos a ponto de contribuir para o enriquecimento do personagem.
A trama central é bem apresentada e postada no conto. Não senti barriga em nenhum momento, apesar de ser um conto mais longo. Foi dado um bom espaço para a autora construir aquilo que ela julgou ser necessário para sua história. Achei a narrativa de uma riqueza incrível. Tivemos um exemplo muito bom de como fazer uma boa construção de mundo em um espaço pequeno. Ela conseguiu falar da condição dos excluídos, da relação do homem com o deserto, apresentou um pouco dos reinos e de suas características. Tudo isso sem parecer enfadonho. As descrições se encaixaram de acordo com a jornada do personagem rumo a um lugar novo. O que ele deixou para trás e qual a sua expectativa ao chegar a algo que pode ser promissor. A autora também constrói uma história que deixa muitos ganchos a serem aproveitados posteriormente. Ou seja, ela deixa o leitor querendo mais.
O Vento do Oeste é uma grata surpresa e me permitiu conhecer esta autora surpreendente que é a Liége. Já anotei tudo o que ela tem a oferecer na Amazon e estou super curioso com o que ela vai fazer com estes personagens. Recomendo demais lerem esse conto.
Ficha Técnica:
Nome: O Vento do Oeste
Autora: Liége Baccaro Toledo
Conto que compõe a Revista Trasgo nº 3
Organizado por Rodrigo van Kampen
Número de Páginas: N/I
Ano de Publicação: 2013
Link para download:
www.revistatrasgo.com.br
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