Tentando evitar um relacionamento mais sério, Jonas acaba se envolvendo com Rafael. E o torna alvo de um exército que passa a persegui-los por toda Oceanic, uma dentre várias metrópoles que ficam em cima de criaturas gigantes. A superfície não é mais habitável aos seres humanos.
Sinopse:
A humanidade agora vive em metrópoles nas costas de criaturas gigantes. Em uma dessas terras, o Exército começa a perseguir um casal que poderá mudar a maneira como as pessoas entendem seu mundo. "Oceanïc" acompanha Rafael e Jonas fugindo da perseguição do Exército por razões que envolvem o passado de um deles — e um projeto misterioso do governo...
Sabe aquelas histórias geniais que você gostaria de ter escrito? Essa é a impressão que eu tive ao ler Oceanic. Waldson é um autor criativo e eu sinceramente fiquei impressionado com o que fui capaz de ler. Ideias e mais ideias colocadas no papel. Em um primeiro momento a gente imagina uma história normal entre duas pessoas que se amam em um relacionamento nocivo, mas logo Waldson começa a colocar algumas camadas. O segundo ato é de explodir a sua cabeça. Vem a ideia das cidades em cima de tartarugas. Pronto. Que raios esse cara estava pensando? Mas, cuidado, não se deixem deslumbrar pelo cenário e observem as nuances e as críticas sociais presentes na narrativa.
Oceanic é composta por quatro atos, cada uma delas contada por um ponto de vista sendo um deles repetido. Todos contados em primeira pessoa e esta foi uma decisão acertada do autor. Isso porque esse tipo de narrativa permite ao leitor se envolver com os personagens. Conhecê-los a fundo e entender suas dúvidas e angústias. Algo que Waldson faz muito bem ao fazer de seus personagens falhos. Não temos heróis aqui. Temos pessoas de carne e osso capazes de fazer coisas tolas por amor ou por sobrevivência. Não é complicado entender os altos conceitos trabalhados pelo autor. Só que ele vai te entregando as informações bem aos poucos, sem pressa. Vamos montando as peças do quebra-cabeças até chegarmos ao final quando dispomos de tudo. Não tive qualquer dificuldade para compreender a história. Nesse sentido colabora também o fato de os capítulos serem curtinhos e a história passar voando.
A ambientação é criativa. Imaginar cidades construídas em cima de tartarugas gigantes me remete imediatamente a Terry Pratchett e seu Discworld. Mas, claro, Waldson avançou um pouco mais e a intenção não era criar algo humorístico. Temos várias cidades cada uma delas com um ambiente distinto. Algumas são mais aprofundadas com outras. Polen é uma cidade agrária que sobrevive da agricultura do milho enquanto Oceanic parece ser uma metrópole tecnológica (apesar de o autor não entrar tanto nos meandros da cidade). Temos uma terceira cidade que é mostrada muito por alto onde vemos que esta sobrevive da extração de minérios. O autor entrega informações que precisamos para a narrativa. Nem mais, nem menos. O livro foi bem editado, ou seja, ele não tem barrigas. As informações nos são passadas sem que a gente se dê conta disso. Não há aqueles capítulos onde alguém vai e nos conta tudo o que está acontecendo.
A ligação entre Jonas e Rafael é bem trabalhada pelo autor. Aliás, palmas para o autor em apresentar um romance LGBT que é tão natural. Se eu não estivesse aqui comentando, talvez o leitor nem percebesse que teria um. Não há apelação, não há um exagero nem nada. É tratado como um romance comum entre dois personagens. Existem os dramas e dúvidas da relação que precisam ser resolvidos ao longo da trama. Logo no primeiro ato vemos o quanto Rafael sente que Jonas não lhe dá o devido valor. Ficamos com a impressão de que a relação é tóxica para o protagonista daquele ato ao vermos o personagem desaparecendo por dias a fio e nos dando conta de o quanto isso machuca emocionalmente Rafael. Claro que depois o autor vai apresentar o lado de Jonas e nos mostrar a complexidade da relação entre eles.
Já Felix, protagonista do segundo ato, é um personagem preso a uma vida comum em uma cidade comum que vive da agricultura. A perspectiva de ter que seguir os passos de seus pais e ir para o milharal, única perspectiva de Polen, não é das mais acolhedoras. Laura, seu amor de infância, também deseja sair dali e para isso ela tem um plano ousado: saltar do topo da tartaruga quando outra tartaruga se aproximar da cidade e tentar a sorte em outra cidade. Nosso personagem vai demonstrar seu receio sobre o que fazer a seguir: ir atrás de seu amor e deixar tudo o que ele conhece para trás ou permanecer e se arrepender de nunca ter tentado. É uma narrativa de amadurecimento clara onde as escolhas são necessárias para um futuro. Qualquer escolha vai acarretar um arrependimento e uma liberdade.
As críticas sociais estão presentes por toda a narrativa. Vou destacar apenas uma. Tem um momento na narrativa que mostra o quanto Oceanic pode ser um sonho para muitas pessoas. Me lembrou a época em que as migrações do nordeste para o eixo Rio-São Paulo estavam em alta. As pessoas abandonavam o interior em busca de um sonho que nem sempre se realizava. O que acontecia era que o migrante chegava na cidade e normalmente ficava à margem, precisando sobreviver do que fosse possível. Waldson faz uma associação direta à situação dos imigrantes ilegais nos EUA. Pessoas que chegam em um novo lugar e precisam se tornar invisíveis caso não queiram ser descobertas pelo serviço de imigração. Cujo passado precisa ser apagado para viver uma nova vida e torcer para que este não seja investigado a fundo.
Oceanic é um livro bem acima da média. Waldson conseguiu criar uma história criativa e inteligente. Que prende a atenção do leitor por suas mais de cem páginas e ao mesmo tempo em que usa um cenário fora do comum, consegue ser atual, criando personagens que vão ficar em nossos corações.
Ficha Técnica:
Nome: Oceanic
Autor: Waldson Souza
Editora: Dame Blanche
Número de Páginas: 151
Ano de Publicação: 2019
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