Em um futuro marcado por corporações terríveis, uma igreja que manipula mentes e corpos e criminosos por toda a parte, um grupo de roots vai precisar realizar uma perigosa missão.
Sinopse:
Tudo que Nina Santteles — mercenária, queer, habitante do submundo — quer é resgatar o amor do filho adolescente e conseguir passagens só de ida para a colônia espacial Chang'e. Quando é detida pela polícia, recebe a oportunidade de capturar o hacker alvo da maior corporação-igreja do país em troca das tão desejadas vagas no paraíso.
O problema é que o hacker oferece o mesmo negócio, mas com um adendo: ela não precisará ir contra seus ideais se ajudar a enfrentar a igreja que quer banir a existência de pessoas como ela. Nina vai atravessar explosões e realizar feitos super-humanos para decidir se o preço de se redimir com o filho e dar a ele uma vida melhor vale tanto quanto provar para o mundo que sua existência não é um crime.
Ambientado em uma Curitiba futurística e cyberpunk, Olhos de pixel leva o leitor em uma jornada sobre como podemos reafirmar nosso lugar no mundo e enfrentar nossos próprios preconceitos.
Já fazia algum tempo que eu não lia uma narrativa cyberpunk. Isso porque segundo alguns críticos de ficção científica, o cyberpunk é uma espécie de movimento literário que teve muita força nos anos 80 e acabou perdendo impacto na década seguinte. Isso aconteceu por conta da mudança de preocupações e críticas a serem feitas. Realmente se formos parar para analisar o gênero é crítico a uma capitalismo mais corporativista que visaria tomar conta dos vácuos políticos deixados por uma democracia decadente. Blade Runner é exemplar nesse quesito. Mas, nos últimos anos temos visto o gênero recuperando fôlego a partir de uma nova abordagem acerca de sua essência. Em Autonomous, Annalee Newitz explora um mundo cyberpunk marcado pela dominação de corporações que lidam com produtos farmacêuticos. Lucas Mota caminha por uma abordagem diferente e nos mostra uma sociedade em que a população acaba tendo sua forma de pensar dominada por uma religião reformada que mais parece um grupo de fanáticos corporativos.
Nesse mundo futurista, as pessoas conseguem realizar operações de todo o tipo em um piscar de olhos. A partir de implantes instalados no organismo, é possível abrir emails, realizar compras, consultar sua localização ou assistir um filme em um piscar de olhos, sem a necessidade de nenhum hardware. Mas, isso deixa os indivíduos passíveis de assistirem comerciais, propagandas e terem seus dados entregues a corporações que buscam oferecer especificamente a você produtos voltados para suas necessidades. A Igreja renasceu após a vinda de Jesus, alguém que hoje pode ser visto em todos os outdoors espalhados pela cidade dando sua palavra para a população. O divino se tornou produto a ser explorado. Os roots são pessoas que conseguiram hackear os seus implantes para conseguirem desfrutar de alguma liberdade. Mas, para isso precisam viver à margem da sociedade, em uma existência dura e complicada, perseguidos por forças que os oprimem diariamente. Nina Santteles é a líder de um grupo de roots que realizam atividades ilícitas como roubos, furto de dados, transporte de mercadorias sensíveis. O que aparecer está bom. Até que eles são capturados pela polícia e precisam negociar sua saída da prisão antes de terem seus sistemas mexidos novamente. Lídia, uma dedicada policial em uma instituição privatizada e corrompida, quer usar os roots para localizar um dos hackers mais perigosos do país: o Kalango. Só que isso vai colocar Nina, Lídia e todos os membros de sua equipe em um jogo perigoso onde pode ser que ninguém sobreviva ao final.
Olhos de Pixel é um grande livro de ação ininterrupta com algumas boas ideias colocadas no meio. Lucas Mota consegue prender o leitor do começo ao fim através de uma escrita dinâmica e fluida, o emprego de poucas descrições e um ritmo alucinante. Se o leitor realmente quiser, pode ler esse livro em poucas vezes. Para quem está preocupado, apesar de ser uma narrativa cyberpunk, o autor dosa a mão e o leitor consegue se localizar rapidamente na história. Vai ter aquele momento inicial de estranhamento, mas fiquem tranquilos que em algumas páginas tudo se acerta. Ao mesmo tempo em que esse ritmo veloz é um ponto forte, senti que faltaram vários momentos de respiro na história. Fica a minha dúvida sobre qual era o objetivo do autor ao construir o seu enredo: construir uma história de ação ou fazer críticas sociais. Não me entendam mal, Olhos de Pixel tem boas ideias que são debatidas ao longo da narrativa como o fanatismo religioso, a objetificação da religião, a privatização das forças policiais, o papel de uma mãe. Só que eu senti que alguns desses temas faltaram serem melhor desenvolvidos. Contudo, a história se fecha direitinho. Nada de pontas soltas, todos os elementos de enredo fechados e devidamente concluídos.
A protagonista feminina tem suas virtudes e defeitos como qualquer ser humano. Ponto positivo para o autor que deu tridimensionalidade a ela. Algumas de suas ações no passado são bastante questionáveis como o fato de ela viver uma vida complicada e ter deixado seu filho Paulo aos cuidados de sua mãe. Nina não conseguiu se envolver na criação e desenvolvimento de seu filho, criando uma situação estranha toda a vez que ela tentava falar com ele. A personagem sabe desses problemas e procura construir pontes aos trancos e barrancos. Ao mesmo tempo ela precisa mostrar um semblante forte e uma liderança ativa para os outros membros do seu grupo que veem nela alguém a ser seguido. Sua trajetória é repleta de altos e baixos, mas ela não deixa de ser interessante em nenhum momento. O autor a colocou como uma personagem queer, o que eu acho legal, mas tem um pequeno problema: isso acaba não sendo algo tão importante para a narrativa. Não vemos ela se envolver com ninguém e o fato de ela ser queer não chega a ser relevante por si só. Senti falta de uma exploração desse lado dela, seja explorando seus interesses amorosos ou suas escolhas propriamente ditas. O queer não pode ser simplesmente ela ser queer e ponto.
A presença de uma igreja corporativista me chamou a atenção. Gostei de como o autor nos mostra a banalidade que é a transformação da religião em um produto. O emprego de Jesus como uma campanha de marketing ou o como eles conseguiram a "vinda de Jesus". É o emprego da tecnologia para fins completamente escusos. A nossa grande corporação representativa de um mundo cyberpunk é uma religião, o que eu considerei bastante criativo. A cidade de Curitiba foi bem transportada para as linhas: um ambiente que vai ser reconhecido por quem mora na cidade e ao mesmo tempo representa uma cidade claustrofóbica dominada por interesses materialista elevados à última potência. A desigualdade social está presente a cada esquina. Os ricos e privilegiados são poucos e estão praticamente acima da lei. A polícia se tornou privatizada, precisando alugar seus serviços para se manter de pé. Isso a transforma em uma força voltada para auxiliar a poucos que podem pagar mais.
Essa última parte se mescla com o idealismo de Lídia, uma personagem que funciona como uma semi-protagonista. Até porque temos capítulos que são escritos usando-a como ponto de referência. Lucas optou por uma narrativa em terceira pessoa focada ora em Nina, ora em Lídia. Temos uma personagem que busca seguir a lei à risca, de uma velha guarda que entende a importância da instituição policial como garantidora da justiça e da ordem. Só que esses não são mais os interesses percebidos por eles. A personagem vai entender isso da pior maneira possível e vai se chocar diretamente com Nina. Para Lídia, uma roots como Nina representa tudo o que há de errado na sociedade. Ela não coaduna com o espírito libertário e fora-da-lei de Nina. Mas, vai lentamente perceber que talvez seus métodos não sejam tão errados assim. Em uma sociedade errada, erros podem se tornar acertos. Basta direcioná-los a boas escolhas. Mas, será que é tão fácil assim?
Vi muitas coisas positivas em Olhos de Pixel o que me deixou bastante animado para que mais pessoas queiram explorar esse gênero. Acho que o Brasil tem problemas únicos que podem gerar uma nova abordagem para o gênero. Se estamos falando de desigualdade social, de capitalismo selvagem e de opressão, o Brasil tem vários pontos a serem tratados e criticados. Achei alguns problemas na escrita, e na construção de personagens (alguns deles são bem pouco trabalhados enquanto outros ocupam espaço demais), mas nada que comprometa o resultado final. É uma ótima leitura que vai te manter preso na telinha do seu ereader por horas a fio.
Ficha Técnica:
Nome: Olhos de Pixel
Autor: Lucas Mota
Editora: Plutão Livros
Número de Páginas: 240
Ano de Publicação: 2021
Link de compra:
*Material enviado em parceria com a Plutão Livros
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