Vamos conhecer Madame Zenóbia, uma vidente da zona norte do Rio de Janeiro, que tenta sobreviver às adversidades. Sempre com muito bom humor e tentando fazer o bem para as pessoas ao lado de seu espírito Zé.
Sinopse:
Você viverá um grande amor? Conseguirá o emprego tão sonhado? Foi traído? Madame Zenóbia desvenda tudo! Sensitiva renomada, pronta para tirar seus clientes do sufoco. Auxiliada pelo inseparável Zé, o seu “assistente-residente” na bola de cristal, ela vai percorrer os subúrbios cariocas, lugares com mistérios mais insondáveis que a Área 51! Venha se aventurar nessa história repleta de humor, perigos, surpresas, cílios postiços e muito pancake. Quer marcar uma consulta?
Quando eu digo que os autores nacionais são muito talentosos, sempre ouço aqueles desconfiados ou desdenhosos. Temos um sério problema de auto-estima. Os Perigos de Madame Zenóbia é aquela típica literatura nacional, com todo o bom humor e malemolência típicas do brasileiro. Estamos diante de histórias gostosas e divertidas que certamente farão o leitor abrir um sorriso. Mas, não se enganem: no meio de tudo, existe um autor que sabe o que está entregando, apresentando técnicas narrativas ainda em evolução, impressionando quem quer que se detenha por mais de dois minutos na história.
Na bio do autor, não aparecem outros trabalhos, então vou supor que este seja o seu livro de estréia. Só por isso já merece vários elogios. A escrita do livro é acima da média, apresentando uma narrativa formada por várias histórias independentes. São como diversos episódios de uma série focada nas aventuras (ou desventuras) de nossa protagonista. No primeiro capítulo somos colocados diante da personagem que apresenta a si mesma e a como ela encara sua carreira como vidente. A ambientação é familiar para alguns, porém quem não conhece também vai rapidamente se assentar no que é apresentado. A narrativa alterna entre uma primeira e uma terceira pessoa (em certas cenas, parece que está em primeira pessoa). No sentido da escrita o autor foi muito bem sucedido em atrair os leitores para o que está sendo contado. Sério, gente: vocês vão devorar esse livro em pouco tempo. Eu levei dois dias para isso. Não conseguia parar de ler. Provavelmente, o fato de serem histórias curtas e fechadas em si (com exceção dos dois últimos capítulos que são interligados) auxiliam nesse sentido.
Existem alguns problemas de revisão, mas nada muito espetacular. Uma repassada vai deixar a história perfeitinha. Talvez o que eu possa deixar de contribuição aqui sejam dois fatores: o arco narrativo e a quebra da quarta parede. Começando pelo mais simples, senti que o Marcus abusou um pouco desse recurso. Ele é usado para dar uma quebra narrativa e deixar o clima mais leve para o leitor. A história tem uns tons dramáticos volta e meia, mas através dessa quebra o leitor não sente tanto. Porém, é preciso dosar a mão para que a experiência acabe não sendo comprometida. Quando a quebra da quarta parede acontece no início ou no final da história (como um trocadilho) não há nenhum problema. Mas, me incomoda um pouco quando ela acontece no meio da história. Isso pode desfocar a atenção do leitor de um momento tenso para dois segundos de uma piada ou uma gracinha. Desfoca mesmo. Se estamos em um momento de tensão, eu-leitor não posso rir de um momento tenso; se é um momento dramático, ele precisa ser dramático. Quando a cena tiver se encerrado, eu-autor posso brincar ou fazer uma troça sem grandes problemas.
"Fazendo infindáveis muxoxos, madame Zenóbia guardou a bola de cristal. Enrolou a lâmpada num encarte de ofertas do Mercado Rede Baratildo e subiu as escadas. Transformou a irritação em simpatia quase que por encanto. Orgulhava-se de conseguir mascarar emoções quando necessário. Zé reprovava tal atitude, chamando-a de dissimulada. Ela retrucava, assegurando ser seu mecanismo de defesa."
O segundo elemento é a necessidade de um arco narrativo maior. O último capítulo é emocionante com o confronto com a nêmesis de nossa protagonista. E o autor até tenta de certa forma interligar este momento final com os outros capítulos. Mas, seria o máximo se isso fosse feito de forma gradual ao longo dos capítulos. Diversas informações ou easter eggs aqui ou ali que levassem até o clímax da história. Como se fosse uma série de TV que vai entregando o mistério aos poucos. Se eu for parar para pensar, essa não é bem uma crítica, mas mais uma estratégia para o autor em futuras histórias.
Os personagens são bem trabalhados, dando uma sensação de humanidade e realismo a eles. Aqueles que leram vão imaginar que boa parte da história é contada sempre de uma forma divertida e tirando sarro da realidade. Pense bem: é isso mesmo? Porque eu posso tirar sarro e criar personagens bem críveis. Stephen King faz isso em suas narrativas: alguns de seus personagens são bastante exagerados, mas se pararmos para refletir, eles poderiam ser o tiozinho da esquina. Zenóbia pode muito bem ser aquela coroa cheia de maquiagem e vestida como uma hippie que você encontrou no ônibus ou no metrô. Nesse sentido, Marcus foi muito bem sucedido. Brincando, ele conseguiu um efeito fantástico de verossimilhança. Só senti a ausência de um núcleo maior de personagens recorrentes. Isso porque a nossa protagonista depende da ambientação e dos personagens para que suas histórias funcionem de verdade. O autor consegue fazer essa calcagem da história apenas pela metade. São esses personagens que dão a estrutura para a narrativa; fornecem solidez.
O autor consegue trabalhar com vários temas de fantasia urbana de um jeito bem divertido: um vampiro dos anos 70, uma criatura mitológica da antiguidade, espíritos inquietos e uma rival poderosa. Claro que temos ainda o bom humor do autor. Mesmo quando ele está apresentando um personagem mais conhecido das histórias de fantasia urbana, temos sempre alguma peculiaridade. Como levar a sério um tiozão vampiro com uma farmácia em Olaria que gosta de uma indiazinha curvilínea? Entretanto, a história serve para apresentar um dos primeiros momentos dramáticos na narrativa. Sempre vamos ver esse equilíbrio entre o divertido e o mais sério.
Essa é uma daquelas narrativas que certamente você vai gostar. Tem toda aquela pitada de brasilidade tão necessária ao que a literatura fantástica nacional tem nos apresentado nos últimos tempos. Aliás, fica aquela liçãozinha básica de que existe muita inspiração nos nossos lugares de convivência para criar boas histórias mesmo com temas ou personagens mais conhecidos do gênero.
Ficha Técnica:
Nome: Os Perigos de Madame Zenóbia
Autor: Marcus Siani
Editora: Autografia
Gênero: Fantasia
Número de Páginas: 204
Ano de Publicação: 2018
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