Em um mundo cyberpunk onde a população alcançou índices enormes e a divisão social é ainda maior, Lenae e Shirelle querem fazer a diferença no mundo enquanto tentam decidir o seu futuro.
Sinopse:
Em um mundo cyberpunk onde muitos de nós somos apenas população excedente, certas tentações ainda estão muito vivas.
Eu tenho uma relação complicado com o Cory Doctorow. Pequeno Irmão, considerado um de seus clássicos, é um livro que eu detestei com todas as minhas forças. Mas, há uns dois anos atrás li um conto dele chamado Scroogled que eu achei genial. Então teoricamente essa novella seria a prova dos nove para saber se eu ia curtir ou não o autor. E eu continuo sem saber. Porque se por um lado eu não gostei muito da escrita do Doctorow que me incomoda em alguns pontos, por outro algumas de suas discussões são muito atuais. Esta novella se passa no universo do livro Walkaway, que vai tratar mais a fundo sobre esses personagens fugitivos (os walkaways), mas a novella pode ser lida de forma totalmente independente.
A narrativa se passa em um mundo cyberpunk onde a Terra atingiu um nível de superpopulação inacreditável. Poder desfrutar de uma vida confortável ou ascender socialmente é basicamente impossível. O racionamento de energia e telefone divide espaço com um mundo digital onde pessoas podem ter digitais smart ou produzir mercadorias usando matéria-prima barata. Lenae e Shirelle estão no último ano do colegial e a escolha do que fazer de suas vidas se aproxima no horizonte. Mas, elas querem sair no auge; por isso querem aprontar a festa comunista de suas vidas. Para isso vão contar com a ajuda de um grupo de operários insatisfeitos de uma fábrica que irão ajudá-las com a ideia maluca dessas garotas. E o resultado... bem, vocês vão ter que ler para conferir.
Para começar, Doctorow faz uma piadinha com communist party. Em inglês, isso significa partido comunista, mas o autor brincou com as palavras e traduziu literalmente como festinha comunista. Como se fosse uma farra de escola. A ideia das garotas é distribuir mercadorias para pessoas pobres, algo que nesse mundo superpopuloso e cercado de regras sobre racionamento é terminantemente proibido. Doctorow nos mostra um mundo onde superpopulação é igual à desigualdade social ainda maior. Isso porque o capitalismo não comporta uma quantidade tão grande de pessoas consumindo. Não há lugar (postos de trabalho) para tanta gente. O que acontece é que vamos ter o que ele chama de surplus people, ou seja, população excedente. Essa população não tem oportunidades, por melhores que elas sejam. Lenae é uma das melhores alunas de Burbank, com notas extremamente elevadas, mas neste universo distópico que ele criou, ela vai acabar ficando à margem da sociedade.
Ao mesmo tempo, o autor faz uma crítica bem clara ao sistema de financiamento estudantil dos EUA. Muitos alunos das classes média e baixa precisam fazer empréstimos (como se fosse o FIES aqui no Brasil) para pagar a sua entrada em boas universidades como Yale, Harvard ou Penn State. Só que as mensalidades desses empréstimos são bem elevadas e se um aluno deixa de pagar uma, os juros que são colocados em cima também são. Como boa parte destes alunos ainda estão cursando a universidade quando precisam pagar as mensalidades ou não conseguem um emprego quando saem dela, estes empréstimos acabam acumulando. O índice de inadimplência é elevado.
O que me incomoda na escrita do Doctorow é o quanto ela consegue ser datada. Não levem pelo lado negativo da coisa: o autor sabe do que ele está falando. Mas, muitas vezes ele parece um colunista de jornal que pegou uma notícia da semana e escreveu um conto sobre ela. Daqui a alguns anos ninguém vai se lembrar daquilo. Para entender alguns romances do Doctorow o leitor acaba precisando situá-lo em um contexto espaço-temporal. Isso age contra o autor. Por isso Pequeno Irmão não funcionou para mim. Os problemas vividos pelos personagens não ressoaram para mim. Aqui acontece o mesmo. Se eu não soubesse desse contexto acerca dos problemas advindos do financiamento estudantil nos EUA, metade da graça do conto iria para o espaço. Fora o abuso que ele faz de elementos tecnológicos que em nada acrescentam à trama. Vários gadgets presentes ali só estão para criar um clima cyberpunk. Só que, como ele não explica para que eles servem, se tornam jargões que fazem o leitor ficar confuso.
Party Discipline é um excelente exercício de análise e especulação social da parte do Doctorow. Mesmo o autor sendo inclinado para uma direção ideológica (e aí eu sei que virão os defensores do conservadorismo criticarem que em literatura um autor não deve demonstrar suas inclinações políticas.... o que eu discordo), ele consegue ser equilibrado no sentido de que ele não é panfletário. Ele te mostra um contexto e te apresenta os problemas. A protagonista precisa tomar uma decisão ao final da história. Acho legal que Doctorow não te dá as respostas, mas te mostra todo o caminho. A gente sabe aonde vai dar. Pelo menos eu sei.
Ficha Técnica:
Nome: Party Discipline
Autor: Cory Doctorow
Editor: Tor.com
Número de Páginas: 55
Ano de Publicação: 2017
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