Uma coletânea de contos baseados no folclore brasileiro que farão você repensar se eles são ou não aterrorizantes. Embarquem nessa viagem aos cantões mais sombrios do nosso país.
Sinopse:
O folclore é mais do que lendas, mitos e medos. Ele nos forma, está nas lembranças mais antigas e profundas, desde o chinelo virado no chão até o leite azedo na cozinha.
Quando eu decidi escrever sobre folclore, eu senti um medo absurdo. Não dos mitos, ou de não conseguir criar algo, mas medo por trabalhar algo tão grandioso e íntimo de cada um dos leitores brasileiros (ainda que alguns não saibam disso).
Sacis demoram 7 anos para nascer e vivem 77 anos, além disso, eu nasci no dia 7 do 7: acho que são motivos suficientes para justificar a escolha de 7 contos. Cada um é de um estilo diferente, onde tentei explorar e testar uma coisa diferente.
O que posso dizer é que senti orgulho ao escrever esses contos, orgulho de ser brasileiro, de ter um pouco disso tudo dentro de mim, e agora de poder colocar um pouco de mim nisso.
Espero que gostem.
Antes de qualquer análise sobre esta coletânea, é preciso destacar a coragem do autor ao se dedicar a escrever sobre folclore nacional. E em uma pegada fantástica. Acho que fora ele e o Felipe Castilho, não conheço mais nenhum outro trabalho com esse estilo de escrita. E é uma pena porque os mitos indígenas e afro-brasileiros tem muitos elementos que podem ser empregados tranquilamente por qualquer bom autor. Só por esse serviço à literatura e ao folclore nacional, o Lauro merece aplausos de pé da minha parte. Como professor de História do ensino Fundamental II e Médio, eu agradeço imensamente por essa coletânea, pois é algo que eu posso vir a utilizar entre os meus alunos mais velhos.
Fazer uma resenha de um trabalho do Lauro é algo especial para mim. Acompanho a escrita dele há pelo menos uns dois anos e ele foi o primeiro autor nacional que eu resenhei para o blog. Desde então tive o privilégio de ver a evolução de sua escrita em Estações de Caça e já havia destacado como ele se encontrou em uma pegada fantástica, mas com alguns pés no real. Aqui nesta coletânea ele mantém esse ritmo de escrita nos apresentando ora uma ambientação mais mítica, ora algo mais real. Em um dos contos temos um homem simples voltando a um terreno de sua família e em outro uma criatura mágica frequentando os prostíbulos de uma cidade. Esse mix de real e imaginário produz um efeito único de realismo na mente do leitor. Ficamos com a impressão de que a magia nos circunda e de que a qualquer momento posso ser atacado por um saci se eu estiver em uma área rural ou posso ter meus sonhos invadidos por uma pisadeira.
A escrita do Lauro é bem descritiva e em terceira pessoa, o que permite com que ele seja capaz de descrever o cenário ao redor. Ele gosta muito de trabalhar com os nossos sentidos, seja o som de um rio passando ao fundo, seja as folhas das árvores que, ao balançarem, produzem um efeito fantasmagórico ou os cheiros das pessoas que estão em êxtase durante uma noitada. Alguns leitores podem não gostar deste estilo, mas, para mim, produziu um bom resultado. Fez com que eu estivesse ao lado dos personagens sentindo o que eles sentiam. Esse efeito de imersão eu já tinha visto em Estações de Caça que eu havia elogiado bastante na época.
Coletâneas são coisas complicadas de serem analisadas. Nem todos os contos vão agradar 100% aos leitores. Vão sempre ter alguns que serão menos interessantes. E isso é completamente normal. No entanto, achei que os contos tinham um bom nível de qualidade, com destaque para Y-îara, Sa'si e Boi. São os meus três contos favoritos. Gostei menos do conto da Pisadeira e do Boto. Nesses dois últimos achei que faltou um pouco mais de contato com os personagens (seja algo de aversão ou de empatia). Fico feliz de ter sido um dos primeiros a ter contato com a coletânea.
Quero falar um pouco dos contos que eu mais gostei, mas prometo não dar muitos spoilers. Achei que a grande temática presente em boa parte dos contos é o conflito entre urbano e rural, entre modernidade e tradição. As criaturas mitológicas brasileiras acabam precisando se adaptar a uma nova realidade que não apenas busca esquecê-las, como apagá-las. Na visão do autor, isso produz efeitos muito curiosos. A maneira como os personagens humanos precisam lidar com este elemento mítico que até então era estranho a eles produz uma nova noção de medo. O conto mais aterrorizante da coletânea sem dúvida é Sa'si. O fato de o personagem estar em uma mata sendo perseguido por algo que ele é incapaz de explicar provoca tensão no leitor. E se você está esperando aquela criaturinha bonitinha da escola, reveja seus conceitos. O saci de Lauro é, de fato, um trickster, como ele mesmo afirma após os créditos no final do livro. Ele tece uma teia de ilusões e meias verdades que o personagem do conto se vê enredado. Incapaz de fugir.
O conto da Iara vai agrada àqueles que buscam personagens femininas fortes. Sim, a personagem é sedutora dentro de suas particularidades como guerreira de sua tribo. Ao nos fornecer esse tipo de personagem, o autor no apresenta maneiras curiosas de ilustrar uma personagem feminina. Ela foge ao estereótipo de uma mulher sensual que atrai os homens com o seu corpo ou de uma badass que parece mais um homem feminilizado; nada disso vemos aqui. Trata-se de uma mulher forte, entretanto, possui um espírito doce e frágil e se vê em uma situação da qual ela não é capaz de fugir.
Ao longo da coletânea, Lauro vai testando algumas formas de escrita interessantes como em Kaapor onde duas personas buscam ter o controle sobre o corpo do personagem. Nessa história a fala sai meio estranha. O leitor fica com a impressão de que são erros de revisão; nada disso, a escrita é proposital de forma a criar uma impressão de dualidade. Dualidade essa que vai estar presente em outros contos como no da Iara. Em outros momentos da história, Lauro brinca com uma narrativa que ora se passa no presente, ora no passado. Mas, a leitura que os personagens tem dos acontecimentos ocorridos no passado é diferente daquilo que realmente aconteceu. O autor nos mostra como sabemos pouco acerca do folclore e que muito do que temos são versões que nem sempre batem com a história verdadeira. Logicamente que no caso do Boi, ele fez uma releitura sobre o mito, mas será mesmo que a afirmação sobre o nosso desconhecimento sobre os mitos indígenas é tão errado assim?
Não quero adentrar mais nas impressões sobre a coletânea porque ela é pequena e eu posso acabar entregando surpresas presentes na história. Achei que os contos estavam com um alto nível com exceção de alguns poucos. Novamente, fico muito grato ao autor pela confiança tida no nosso trabalho desde o primeiro dia em que entrei em contato com ele, e recomendo a todos adquirirem o trabalho dele. É um autor com um excelente tino narrativo e que merece a sua atenção.
Ficha Técnica:
Nome: Raízes de Vento e Sangue
Autor: Lauro Kociuba
Editora: AutoPublicado
Gênero: Fantasia
Número de Páginas: 92
Ano de Publicação: 2017
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