Na última história desta fantástica trilogia criada por esta talentosa dupla, vemos O Pistoleiro que fugiu para o norte e agora vive com O Garoto. Tem coisas de seu passado sombrio que não vão ficar enterradas para sempre. E não importa o quanto ele vá para longe, o passado nunca fica enterrado.
Atenção: Tem spoilers dos outros dois volumes
Sinopse:
No terceiro capítulo da série, o clima árido do Sul foi deixado para trás. Obrigado a fugir, o pistoleiro se depara com novos desafios e responsabilidades num ambiente ainda mais opressor. Mas, se ele quiser conquistar a salvação, terá que lidar com seu pior inimigo... a própria consciência.
Pondo fim a um ciclo de violência
Atenção: Tem spoilers de Gatilho e Redenção.
A trilogia Gatilho buscou trabalhar ao longo de três edições como os protagonistas lidavam com a violência. No primeiro volume tivemos o Escocês e o quanto ele foi capaz de destruir a vida de uma pessoa a partir de um único ato. A vingança se tornou o mecanismo que movia a sua vida até o momento em que esta se voltou contra ele. No segundo volume, Legado, temos O Pistoleiro, alguém movido pelas consequências do que aconteceu no primeiro volume levando sua vida. Mas, o que ele precisou fazer no primeiro volume acabou forjando o seu caráter e o transformou em um pistoleiro amargo. Isso o levou ao embate com o que estava chegando de novo ao Velho Oeste, demonstrando a ele que não havia mais lugar para um homem como O Pistoleiro. No final, ele consegue resgatar um menino e segue em direção ao pôr-do-sol. Neste terceiro volume, descobrimos que O Pistoleiro seguiu para o norte e vive uma vida tranquila criando O Garoto. Sendo alguém que ele resgatou, ele busca criá-lo de uma boa maneira, mas o passado tem o hábito de ressurgir.
O Pistoleiro parece estar sofrendo de um mal debilitante nos pulmões. O roteiro não explica bem o que é, mas parece ser algo grave. Ou seja, o protagonista sabe que não viverá mais muito tempo. Doc diz a ele que seria melhor ele retornar para o sul, mas O Pistoleiro não deseja rever velhas feridas e permanece lá. Mas, um homem chamado Billy pede a ajuda dele para chegar até a cidade de Eastwood. Rapidamente o protagonista entende que se trata de alguma missão de vingança que Billy tem a tratar na cidade. O homem é bem hostil a indígenas e faz questão de matar alguns que ele encontra pelo caminho. Enfim, a gente percebe no começo que o passado do Pistoleiro vai ter alguma consequência nefasta ao final da narrativa.
Não tenho como não falar da arte do Pedro Mauro até porque ela acaba se mesclando ao roteiro do Carlos Estefan. A arte do Pedro está magnífica neste terceiro volume. Ouso dizer que, se eu for levar só a arte em consideração, Redenção é disparado o ápice da arte dele. Mas, o primeiro volume continua a ser o meu favorito por causa da junção do maravilhoso roteiro do Carlos Estefan com a arte do Pedro Mauro. Aqui, me parece que o Carlos deu mais espaço para os quadros do artista. Como se ele tivesse dado um bom roteiro ao Pedro e simplesmente deixado com que ele fizesse aquilo que ele sabe fazer melhor. Vou começar falando dos quadros e do cenário. Meu deus, e que quadrinização maravilhosa a gente consegue ver aqui. Amplos quadros, detalhismo por toda a parte. O norte gelado nunca pareceu tão vivo e vibrante como aqui. A neve parece realmente que vai congelar o leitor... os espaços são enormes e a sensação é de desolação total. Ele emprega páginas com 3 a 5 quadros, mas os quadros parecem ser infinitos. Meus olhos brilharam pela HQ inteira.
Redenção tem todo o jeitão de uma HQ da Bonelli. Aquela exigência do perfeccionismo e do dinamismo que fez personagens como Tex e Zagor se tornarem lendários. O trabalho meticuloso com o design de personagens. O Pistoleiro realmente parece ser um homem devastado pela vida. Seus olhos estão carregados de história, de sofrimento e de angústia. Os índios são apresentados como qualquer outro personagem no cenário, e não como selvagens e bárbaros. Essa apresentação comum deles, como se fossem apenas diferentes dos personagens da história, faz das ações de Billy ainda mais repreensíveis. Tem uma cena excelente que Pedro faz de forma muito contida: nós temos O Pistoleiro, Billy e O Garoto atravessando um rio onde tem uma família de índios chegando. Billy começa a atacá-los subitamente alegando que eles estariam fazendo uma emboscada contra eles. Mas, a expressão facial dos indígenas de medo e pavor é excelente. Talvez se caísse nas mãos de qualquer outro artista, a cena poderia ter tido um impacto completamente diferente. Ela se torna genial, porque o artista se focou nos sentimentos dos índios diante de tamanha ameaça à vida deles.
Acabei deixando o roteiro do Carlos meio em segundo plano, mas, como eu disse no começo, a sensação que eu tive é que ele acabou deixando o artista livre. O roteiro tem apenas um detalhe que eu achei legal: ele brinca novamente com a temporalidade narrativa já que o começo se liga ao final. Não dá nem para falar muito porque eu posso acabar dando algum spoiler. Mas, a temática explorada é a do ciclo de violência. E a ideia toda é encerrar esse ciclo de alguma forma. O Pistoleiro se incomoda com o fato de O Garoto querer aprender a matar com a pistola. Para ele, esse instrumento só serviu para desgraçar sua vida. E o que vai se sucedendo na trama é encarado pelo Pistoleiro como uma repetição de tudo aquilo de ruim que aconteceu em sua vida. Não é o que ele deseja para este menino que lhe custou tanto salvar.
Ao mesmo tempo, temos uma pequena história no fundo: a de Doc. Embora ajude o personagem no começo, ele vai acabar descobrindo quem é O Pistoleiro e tomando a vida dele em suas mãos. A questão é: vale a pena isso ou é melhor deixar as coisas de lado? Uma recompensa vale a alma de uma pessoa? O mais legal é que mesmo a história se desenvolvendo em segundo plano, a gente acaba considerando o personagem secundário demais para achar que vai dar em alguma coisa. E de repente, booom... Carlos Estefan te entrega uma cena absurda como aquela.
O Garoto é a esperança do Pistoleiro de que o mundo ainda tem conserto. A gente vê o personagem se apegando a essa verdade universal por toda a narrativa. De que mesmo ele tendo feito muitas coisas ruins às pessoas, ainda poderia deixar para trás algo de bom para esse mundo. Quando ele vê o personagem sendo envenenado por Billy é como se uma última coisa se partisse dentro dele. Ao final, o que aconteceu no norte vai se resolver de forma explosiva. O ciclo de violência irá continuar? Ou chegará ao fim? Leiam e descubram.
Para mim, esta HQ fez eu relembrar o que fez eu gostar tanto de Tex Willer e Kit Carson na minha adolescência. Mas, ao mesmo tempo é um ótimo quadrinho para se pensar o que nos leva a realizar atos terríveis. Será que vale a pena? O que deixamos para trás? Carlos Estefan nos entrega um bom roteiro que cai nas mãos de um gênio na arte de pintar quadros e expor cenas dinâmicas. A gente sente cada disparo do Colt ou da Winchester... nos preocupamos com nossa segurança de olho em uma emboscada, e olhamos por cima do ombro com medo de um punhal enfiado nas costas. Se você não leu esta trilogia, pare o que estiver fazendo e faça isso agora mesmo.
Ficha Técnica:
Nome: Redenção Autor: Carlos Estefan
Artista: Pedro Mauro
Série: Gatilho vol. 3
Editora: Auto-publicado
Gênero: Western/Drama
Número de Páginas: 90
Ano de Publicação: 2019
Outros Volumes:
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