Meiko e Taneda são um casal que tenta sobreviver às aventuras da vida adulta. Meiko se sente mal em seu serviço enquanto Taneda precisa se encontrar enquanto ainda tem esperança de levar sua banda adiante.
Sinopse:
Solanin, do premiado quadrinista japonês Inio Asano, o jovem casal de namorados Meiko e Taneda decide dar uma virada em suas vidas e ir atrás de seus sonhos de música e liberdade.
A vida adulta é um desafio para qualquer pessoa. Cobranças, responsabilidades, desapegos. Muitos de nós acabamos afogados por estes novos obstáculos e não conseguimos ser capazes de caminhar adiante. Muitos de nossos sonhos adolescentes acabam precisando ser abandonados em prol de uma vida que se inicia. Além de o estar a dois invocar toda uma série de problemas que apenas a convivência vai ser capaz de resolver. Com temas tão humanos, Inio Asano nos apresenta uma história belíssima de um casal tentando encontrar o seu espaço em um mundo que exige cada vez mais de cada um deles.
Antes de começar a resenha de Solanin só queria deixar bem claro que o fato de Solanin não ter mais corujas (ou cinco estrelas) é culpa da L&PM. Estou jogando inteirinho na conta da editora. Assim como eu reclamei da edição de Opus, Solanin veio em uma edição que prejudica demais a obra do autor. Entendo a proposta da editora de facilitar o acesso de obras literárias a um número grande de pessoas, mas o que foi feito aqui é um desserviço. Alguns vão alegar que a diferença é mínima: 2cm no comprimento e 2cm na altura. Porém a gente consegue perceber facilmente na quadrinização (e eu nem sou especialista nisso) como a arte do Asano foi terrivelmente prejudicada por isso. Os balões apertadinhos, os quadros diminutos... o quanto isso dói no coração. Sinceramente? Estou dando a minha edição de Solanin. Vou comprar a edição americana da Viz que manteve o formato e não precisou dividir o mangá em dois volumes. Já percebi que os outros mangás da editora são também nesse tamanho e espero que a arte do autor não tenha sido tão afetada quanto esse. Não recomendo esse formato; se você, leitor, puder ler em inglês, compre a edição da Viz. Se não puder, pega essa mesmo porque não há muito o que fazer, só a lamentar.
Vou comentar aqui sobre o primeiro volume e mais abaixo sobre o segundo. Prometo não dar spoilers. Podem ir tranquilos.
Este primeiro volume serve para nos mostrar um pouco dos dois personagens. Meiko é uma menina responsável, que trabalha e tem uma mãe do interior que envia frutas para ela. O autor constrói uma personagem feminina muito boa, independente e forte. Forte não no sentido de força, mas no de coragem para superar os desafios da vida. O grande dilema da Meiko neste primeiro volume são as escolhas que ela precisa fazer. Nos deparamos muitas vezes com aquela situação em que a gente não sabe o que está fazendo. Quando um trabalho ou uma ocupação perdem o sentido para nós. Aquele buraco dentro do estômago que diz: "olha, você poderia fazer melhor". Escolher abdicar de uma situação de segurança para correr riscos nem sempre é uma escolha possível. Porém, quando algo magoa mais do que nos realiza, essa decisão acaba sendo inevitável. E Meiko toma essa decisão logo no segundo capítulo (não é spoiler, gente). Por ela ser a pessoa que dá segurança à casa, já que Taneda não tem um emprego confiável, quando ela se demite a dinâmica do casal muda.
E essa mudança de dinâmica vai afetar também o Taneda. O personagem acaba precisando crescer, de certa maneira, para suprir algumas necessidades dos dois. Asano foi muito inteligente ao deixar Taneda mais no fundo do que como um protagonismo cristalino nesse primeiro volume (no segundo ele assume mais essa posição). Dói precisar abandonar um sonho para seguir o mundo real. Eu entendo o Taneda. Precisei abdicar de muitas coisas depois que eu casei. Precisei me tornar um marido para a minha esposa, e eu nem me acho um marido lá tão bom assim. Mas, esse "cair na real" é o que vai acontecer ao personagem ao longo deste volume. A gente já percebe um pouco daquilo que vai acontecer adiante, mas mesmo assim tudo é construído de uma forma tão natural e progressiva que o leitor vai se acostumando pouco a pouco com tudo.
Destaco nesse primeiro volume os diálogos magníficos construídos por Asano. Ele consegue dar profundidade mesmo a falas simples. Algumas das melhores cenas envolvem o casal discutindo a relação de uma forma metafórica e indireta. Até o emprego da linguagem gestual como o olhar, o posicionamento das mãos ou a postura corporal indicam mensagens que os personagens querem passar. Taneda engana muito com a sua postura mais tranquila e largada. Aliás, é o Taneda quem mais trabalha essa linguagem corporal. Como a maior parte dos capítulos está no ponto de vista da Meiko, é ela quem converte as cenas em palavras.
O segundo volume tem uma mudança na dinâmica da história. A Meiko ainda é a protagonista, mas dá espaço para o Taneda, o Billy e o Kato. A maior temática neste segundo volume são as rasteiras dadas pela vida. Nem sempre nossos sonhos podem ser realizados. É a percepção de que a vida é dura e a gente está nela em uma efemeridade absoluta. Se não somos capazes de crescer, a vida nos prega peças, nos traz para baixo, nos coloca em uma posição de humildade perante o destino. Claro que isso não significa que devemos desistir de nossos sonhos. Só vamos entender o nosso valor ao lutar por eles. A vida não é um filme hollywoodiano onde vamos atravessar todos os obstáculos, na eterna jornada do herói, e alcançar o final feliz onde iremos alcançar o ápice de nossas vidas. O mundo não funciona assim. Mas, é bobagem desistir. Somos grandiosos apenas por tentar alcançar nossos sonhos. Às vezes a vitória não está em alcançá-los, mas em tentar, falhar e construir algo melhor a partir disso.
Billy e Kato estão presos em sua própria inércia. Vai ser preciso acontecer algo drástico para que eles comecem a se mover. Billy herdou a farmácia de seu pai e vai trabalhar lá mesmo depois de seu pai falecer. Kato é a criança grande que ainda não terminou a faculdade porque curte o ambiente em que está. Quando ele sair de lá, significa que sua vida mudou. A inércia nos prejudica, nos faz permanecer no mesmo lugar. A situação de conforto nos dá segurança; mesmo que ela não nos leve a lugar algum. Não é que a gente precisa dar a louca e arriscar tudo como um kamikaze. Significa perseguir o que você deseja mesmo que isso não te leve a lugar algum. Lutar pelos nossos objetivos, sejam eles impossíveis ou não. Isso porque esse vai e vem da vida é que vai nos tornar melhores.
Já o Taneda neste segundo volume busca estabelecer o que é importante de verdade para ele: seus sonhos ou sua vida real. Tem uma conversa muito legal que ele tem com um personagem chamado Saeki em que este dá uma frase final para ele que o faz pensar em como ele leva a vida com Meiko. Nessa relação do casal, a Meiko é o alicerce dos dois. Por mais que o Taneda não admita, a Meiko é quem está lá no final do dia para dar apoio aos sonhos tresloucados do Taneda. E essa complementaridade entre o sonhar e o agir é que torna o casal belíssimo.
O destaque artístico deste segundo volume vai para a composição de cenas feitas por Asano. Algumas páginas duplas são belíssimas. Algumas mais para o final em que a Meiko está reflexiva diante do que fazer a seguir em que há uma sequência com quatro quadros (um desenho, um preto, um desenho, um preto) são maravilhosos. E conseguem passar toda a emoção por trás da cena. Outras cenas são quadros simples, mas que são capazes de te fazer sorrir ou chorar. A banda levantando as mãos para o alto após uma situação difícil me levou às lágrimas. "A música acabou... a música acabou..." É de uma poesia e um simbolismo contextualizado a partir da história que, meu deus. Não tenho palavras para comentar esse momento.
Apesar da edição horrenda da L&PM que prejudicou a arte de Asano, Solanin é um mangá maravilhoso. O traço do Asano é algo de fazer brilhar os olhos. Os personagens que ele criou para essa gentil e emocionante história de passagem da vida se tornam quase nossos amigos. E eles são identificáveis com pessoas nessa faixa etária de chegada para a vida adulta. Já me falaram que Solanin possui efeitos distintos em cada pessoa que os lê: alguns se emocionam por estarem por esse momento, outros não gostam porque a série não consegue passar uma emoção que já foi ultrapassada por eles. A mim me deu uma sensação nostálgica dos meus dezoito anos quando eu fiz algo semelhante à Meiko. Abandonei o estágio que eu tinha e passei dois anos sem fazer nada, me decidindo o que eu era e o que eu queria. Por essa razão, considero Solanin uma leitura para todos, jovens ou velhos.
OBS: Essas corujas a menos ficam todas na conta da L&PM que fez uma edição lamentável, prejudicando a arte do autor, com uma péssima revisão e sem contextualização alguma. Sim, a culpa é sua, editora.
*Me recuso a colocar as capas da edição brasileira. Fiquem com estas que representam as capas nacionais.
Ficha Técnica:
Nome: Solanin Autor: Inio Asano Editora: L&PM Editores Gênero: Drama/Romance Tradutor: Alexandre Boide Número de Páginas: 216 (volume 1) e 224 (volume 2) Ano de Publicação: 2011
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