Sophia e Alexia recebem uma caixinha de música de sua falecida avó. Mas, esta não é uma caixinha de música comum e elas serão levadas a um estranho mundo repleto de incríveis criaturas e precisarão fazer uma perigosa jornada.
Sinopse:
Uma caixinha de música quebrada. Foi o que Sophia e Alexia, duas crianças que vivem em um vilarejo afastado, herdaram da avó que as criou. Isso, e o forte vínculo que uma criou pela outra. O objeto, que inicialmente parecia inútil, mostra ser possuidor de grandes poderes quando as crianças conhecem Prisca, uma desconhecida irmã da falecida avó. Através da magia da caixinha, ambas são transportadas para um mundo onde há dois sóis, criaturas fantásticas de todas as espécies e uma natureza impensável. No entanto, as irmãs acabam sendo separadas por forças maiores e, tendo de sobreviver uma sem a outra, elas enfrentam numerosos desafios. Sophia acaba por ser amaldiçoada, enquanto que Alexia perde a memória. E, para agravar ainda mais a situação, o mundo maravilhoso está em colapso. Agora, apenas se superando, contando com a ajuda de bons amigos, do curiosíssimo Prometeu e do legado deixado pela avó, as irmãs poderão salvar a si mesmas e ao Mundo além daqui.
Boa literatura infanto-juvenil anda em falta. Digo isso não de livros Young Adult com suas famigeradas distopias que se proliferam aos montes nas prateleiras de livrarias. Mas, de livros que busquem despertar a imaginação de leitores que estão entrando neste incrível universo. Por sorte quase todos os anos acabo me deparando com algumas surpresas que fazem com que eu não perca a esperança. Ano passado foi com Lagoena, da Laisa Couto e este ano já foram dois: O Mundo de Quatuorian da Cristina Pezel e agora Sophia, Alexia e o Mundo Além Daqui, da Brenda Bernsau.
As notas deste livro acabaram ficando elevadas por conta da escolha de escrita da autora. Achei extremamente ousado da Brenda optar por um estilo tão complicado quando o nonsense. Na orelha do livro, é dito que as inspirações dela foram Lewis Carroll e Roald Dahl. Logo nas dez primeiras páginas é possível entender. Somos apresentados a um mundo repleto de criaturas vindas das mais variadas origens: Dullahans, Dragões, Fantasmas, Leprechauns, Fadas, Sacis, Mula-Sem-Cabeça. Temos uma salada dessas criaturas, mas em nenhum momento a história ficou sobrepujada por elas. A autora soube dar o protagonismo na hora certa para as meninas. A dificuldade em ter esses dois autores infantis é em como dosar o nonsense de Carroll e a jovialidade de Dahl. Para mim, este foi o maior desafio para a Brenda. E ela conseguiu fazer bem esta mescla. Chegou a criar linguagens e formas de falar diferentes para determinadas criaturas. Montar rimas, emparelhar frases, criar trava-línguas. O desafio linguístico por trás disso mostra muita maturidade da autora.
A única coisa que faltou para mim na obra foram ilustrações. Sei que a ideia de o livro cair neste gênero infanto-juvenil não era o objetivo da autora, até porque Alice não é necessariamente uma obra voltada para esse público. Mas, é inegável que o público-alvo acaba sendo esse. E esse público é muito visual. Um livro como este ficaria muito mais legal com algumas imagens representando algumas cenas. Não precisariam ser imagens coloridas, bastando apenas algumas entre capítulos-chave do livro. Uma imagem da caixinha de música, talvez a cena do labirinto, o encontro com a Baba Yaga.
A narrativa é feita em terceira pessoa alternando entre as duas protagonistas. Em muitos momentos essa transição é feita ainda no mesmo capítulo. Em alguns momentos a quantidade de criaturas no cenário vai confundir um pouco os leitores, mas não se preocupem. A autora os descreve bem e eles acabam sendo importantes no contexto geral da história. Eles não estão ali só para completar um bestiário, mas por um fim maior a ser explicado posteriormente na história.
As duas protagonistas são bem construídas. Como a história acaba sendo bastante intimista para Sophia e Alexia, elas precisavam ser bem diferenciadas. E isso é feito de maneira competente. Enquanto Sophia é mais sensível, calma e sonhadora, Alexia é a impulsiva e emocional. Ambas as personagens possuem seus próprios momentos para brilhar. O enredo gira em torno da ligação entre ambas e vamos vendo como elas acabam amadurecendo ao longo da história, precisando enfrentar seus medos e inseguranças. É muito bonito a forma como a autora trabalha a relação entre as irmãs mesmo nos momentos mais críticos. Essa sensibilidade é tocante, principalmente para aqueles que possuem irmãos ou irmãs. Às vezes brigamos com eles, mas nosso amor por estes que acompanham as nossas vidas sempre vai existir. Outro ponto importante é que as personagens falham bastante na história. Elas não são simplesmente as mais espertas e fortes; elas precisam trabalhar com as suas limitações. E muitas vezes a saída buscada por elas é algo saído da sagacidade delas para encontrar algo onde trabalhar.
Em relação ao nonsense writing, ela só não é completa porque a autora desenvolve as personagens. Sim, algo que para nós é tão comum, não era feito por Lewis Carroll. O importante era apresentar o trocadilho ou fazer uma troça. Somente em Alice Através do Espelho que existe algo que parece ser um amadurecimento de Alice lá no momento do chá. Mas, no primeiro livro, Alice apenas faz a jornada. Ao final, ela continua com o mesmo comportamento, achando que tudo não passou de um sonho. Entretanto, o clima jovial da narrativa me lembrou bastante a história de Matilda, tão famosa na pena do Dahl. O espírito de aventura, a curiosidade e a teimosia diante dos obstáculos.
Os personagens de apoio também são interessantes. Prometeus nos fornece a cota de personagens misteriosos. Até acho que a Brenda se inspirou no Chapeleiro Maluco para criar este personagem. Em alguns momentos ele aparece com alguma tirada cômica, mas dá para compreender que a ideia era usá-lo como uma espécie de "mentor" para as meninas. Já Prisca tem muito mais profundidade do que parece em um primeiro momento. É possível entender o ponto de vista dela, mesmo sendo um pouco extremo demais. Mas, algumas pistas sobre o que ela deseja vão sendo colocadas durante a jornada das personagens, mesmo diante das bravatas da personagem.
Além de falar no amor entre as irmãs, a história também se debruça pelo tema do companheirismo. As personagens não conseguem fazer nada sozinhas. Somente a partir do momento em que elas se dão conta de que é preciso buscar apoio em outras pessoas que não nelas mesmas é que elas vão começar a cumprir os seus desafios. É uma mensagem bacana em um mundo que preza demais a individualidade. Perceber que o próximo pode me complementar, me dar suporte nos momentos mais complicados pode ser uma lição importante que todos nós poderíamos aprender com as protagonistas.
Enfim, gostei muito desse livro. Me surpreendeu positivamente principalmente pelo fato de a autora ter colocado o nível de dificuldade lá em cima. Vocês não fazem ideia de o quão complicado é montar uma história neste estilo. Trata-se de uma narrativa com um alto grau de complexidades linguísticas, um trabalho grande em adequar uma multitude de criaturas ao universo que ela estava construindo e um mundo tão estranho e diferente. Parabéns para a autora e espero ver outros trabalhos dela em breve.
Ficha Técnica:
Nome: Sophia, Alexia e o Mundo Além Daqui
Autor: Brenda Bernsau
Editora: Jaguatirica
Gênero: Fantasia
Número de Páginas: 298
Ano de Publicação: 2016
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