Jessika é uma programadora da empresa Circo cujos projetos são empregados pelo governo para controlar a população. Sua vida muda quando ela conhece Lyna, alguém capaz de mudar sua aparência através de maquiagens e burlar o controle do governo.
Sinopse:
No ano de 2070, Lyna grava vídeos ensinando a burlar o software de reconhecimento facial que monitora a grande São Paulo. Seus vídeos ameaçam o trabalho de Jéssika, a programadora por trás da eficácia do sistema governamental. Quando manifestações eclodem, Jéssika se vê obrigada a sair da zona de conforto — por seus próprios motivos.
O movimento cyberpunk foi algo associado aos anos 80. Toda a desconfiança, o pessimismo e a desesperança em relação ao futuro. Reflexo de uma época e foi natural quando chegamos no início dos anos 2000 e o gênero caiu um pouco no ostracismo. As histórias refletiam preocupações que não estavam mais ali ou que passavam de forma perpendicular aos clássicos. E é natural que hoje o cyberpunk retorne sendo desconstruído e ressignificado. A ascensão de um conservadorismo atrelado aos empresários, um capitalismo selvagem que não mede consequências, mesmo que isso signifique a destruição do planeta. Vanessa Guedes pegou um pouco desse espírito ao escrever uma história que retoma várias das preocupações contemporâneas e com uma estética bastante atual.
Jessika é uma programadora na Circo, uma organização que realiza inúmeros trabalhos para o governo e para as empresas que controlam as zonas-arco. No futuro, as pessoas precisam trabalhar para morar nas zonas-arco; para poder sair; para poder receber visitas. Todos os aspectos da vida são controladas por grandes empresas que agem apenas em benefício próprio. Nesse mundo tão semelhante e próximo do nosso, uma mulher ousou criar esquemas para enganar o reconhecimento facial, agora entendido como identidade e como sistema para realizar transações. Lyna é uma influenciadora de sucesso que tem um canal onde ensina como burlar o sistema. Jessika, de uma pessoa certinha e seguidora das regras, vai ter contato com a Aliança Libertadora, um movimento que quer retomar a igualdade e a democracia que se encontram nas mãos das corporações. E é se envolvendo com eles que a vida dela mudará para sempre.
De uma coisa eu posso ter certeza: por mais cri-cri que eu seja ao analisar a novella da Vanessa, ela conseguiu me impressionar reinventando um gênero que precisava desse novo fôlego. O único outro romance cyberpunk que tinha conseguido me impressionar a esse ponto foi Autonomous, escrito por Annalee Newitz. Aqui o principal tema é a desigualdade social. A trama gira em torno da exploração realizada pelas empresas que controlam as zonas-arco. É impossível para as pessoas se manterem quietas, mesmo quando tudo se contrapõe a elas. Mesmo quando todas as armas foram retiradas do povo. A gente percebe desde o começo que algo grande vai acontecer e Jessika vai participar disso de alguma maneira. Quanto mais o tempo vai passar, mais as coisas vão se complicando e a personagem precisando se colocar na linha de frente. Se no princípio ela prefere se manter alheia a tudo, essa opção vai lhe sendo retirada.
Escolher narrar em primeira pessoa foi uma decisão acertada. Faz com que a personagem ganhe uma importância maior mesmo ela sendo apenas uma pequena engrenagem em uma confusão que lhe foge ao controle. E ao mesmo tempo ela é uma narradora não confiável já que sabemos das coisas à medida em que ela vai nos passando as informações; também é o ponto de vista dela sobre o que está acontecendo e no final vamos entender que essa opinião pode ter sido deturpada pela própria visão que ela tem de si mesma. A autora brinca com estilos de escrita também. No começo ela alterna momentos em que a personagem narra o que está acontecendo com ela e outros em que é como se fossem postagens de seu canal no Youtube. É uma maneira curiosa de fornecer background para o mundo criado pela autora. Tem alguns breves momentos de quebra da quarta parede, mas eu senti que a autora não quis se embrenhar muito nesse estilo. Mais para o final a narrativa segue um ritmo narrativo simples com um estilo em primeira pessoa. Gostei também que os jargões técnicos não comprometem nem um pouco a compreensão da leitura. Nesse ponto, tudo foi mantido de forma contida e até permitindo algumas brincadeiras com nomes de pessoas e empresas.
A personagem é bem interessante à medida em que acompanhamos como ela vai descendo até se tornar uma hacktivista. No começo ela apenas tenta se adaptar ao status quo. Mas tudo contribui para que ela passe para o outro lado. Seu trabalho não é valorizado, existem situações de assédio moral no seu local de trabalho, fora a sua mãe que vive refém de uma empresa que administra a zona-arco em que ela vive. Se voltar para uma luta social se torna uma saída óbvia para alguém que é mutilado pelo sistema. Claro que isso não vem de maneira leviana. Ao colocar uma pessoa no pedestal, ela a entende como perfeita e idealizada. Sabemos o quanto esse raciocínio é falho já que todos estamos propensos ao erro. Só não ficou claro por que acontece aquela virada narrativa no final.
Sinceramente eu fiquei bastante indeciso entre dar uma nota perfeita ou tirar um ponto. Isso porque existe sim uma grande quantidade de informações fornecidas pela autora. Mesmo que estas informações tenham sido repassadas até de uma maneira suave, o volume é grande e pode sim incomodar alguns leitores. Vamos pensar que esta narrativa se enquadra no gênero da noveleta. E o que a Vanessa aponta aqui é para algo voltado para um romance maior. Narrativas curtas costumam ser mais objetivas e diretas ao ponto com informações mais amplas sendo empregadas em menor volume. Adorei a ambientação, mas admito que foi um pouco demais. Mesmo assim tenho que indicar fortemente a leitura dessa história.
Ficha Técnica:
Nome: Suor e silício na terra da garoa
Autora: Vanessa Guedes
Editora: Revista Mafagafo
Número de Páginas: não informado
Ano de Publicação: 2020
Avaliação:
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O que mata a nossa língua (idioma) é o excesso de personalismo e egocentrismo que os autores usam para IMITAR os gringos !! Odeio quando encontro um termo que me OBRIGA recorrer à tradução de outra lingua para entender o que estou lendo !! Está faltando é um pouquinho de patriotismo e uma pequena dose de ufanismo para começar a gostar da FCB !!