Ryo é uma menina com dificuldade para se relacionar com as pessoas. Ao ponto de sua voz ter ficado trêmula e atrofiada. Em um dia solitário ela vê as meninas de sua idade manuseando seus celulares e decide imaginar um para si. Mas, de repente o seu celular imaginário a coloca em contato com Shinya. Será imaginação dela?
Sinopse:
Ryo é uma garota com muita dificuldade de se comunicar com seus colegas de classe, e que queria muito ter um telefone celular, já que todos têm um. Seu desejo é tão forte que ela começa a imaginar como seria seu “celular dos sonhos” em todos os detalhes. Até que a garota se imagina fazendo uma ligação pelo celular imaginário. Mas… alguém atende! Tem uma pessoa do outro lado da linha!
O isolamento das pessoas em seus celulares é um fenômeno dos nossos tempos. Aqueles que não conseguem se adaptar a essa "nova ordem" acabam sendo deixados de lado. Eles não são os legais, não formam grupos. Adaptando uma bela história escrita por Otsuichi, Hiro Kiyohara (autor do mangá de terror Another) cria uma história doce e singela sobre três pessoas que encontram uma na outra uma razão para viver e superar suas dificuldades. Ao final teremos tanto uma surpresa como um momento triste que certamente te fará refletir sobre uma série de assuntos.
Méritos para o Kiyohara por conseguir adaptar bem a história de Otsuichi. Ele consegue criar um roteiro coeso com início, meio e fim muito bem enquadrados. O drama é bem palpável e o leitor consegue se relacionar com o personagem. Aliás, tanto com Shinya como com Ryo. Ambos são personagens muito reais e mesmo Harada, que é mantida à parte por razões que vamos saber bem adiante, possui qualidades identificáveis ao leitor. A divisão de capítulos é bem realizada o que provoca uma harmonia na mensagem passada na história. Ela não é longa e nem curta demais... ou seja, eu não senti barrigas na história. Não havia necessidade de criar outros personagens, portanto a história vai trabalhar mais nesse núcleo de três pessoas. Outro detalhe importante é que a narrativa também é bem simples e vez ou outra temos páginas com poucos diálogos, procurando transmitir os sentimentos dos personagens.
O traço do autor não é algo que me agrada muito. Acho normal demais, mas para esse mangá é preferível que o traço seja simples. Contudo, fica a minha reclamação pelo uso enorme de quadros de fundo branco. É algo que me incomodou muito em Tsumitsuki, outro mangá dele, mas que ele empregava sabiamente o jogo de preto e branco para esconder um pouco estes cenários de fundo. Como esse é um mangá mais voltado para o romance, não dá para usar estes subterfúgios. Portanto, vemos mais claramente os problemas do seu traço. O design de personagens está muito bom e o autor trabalhou bem a expressividade dos personagens. Eles falam muito através de suas expressões corporais: um jeito de encurvar o corpo, o encolhimento de ombros, um olhar para baixo, uma expressão melancólica. Todos estes elementos servem para revelar qual o sentimento que o personagem quer nos mostrar naquele momento em específico. Sem grandes efeitos mirabolantes, Kiyohara constrói uma história competente, mas fica nisso mesmo: competente.
A trama gira em torno de personagens com problemas de relacionamento com outras pessoas. Já li algumas reportagens falando sobre o ambiente claustrofóbico das escolas japonesas. Garotos e garotas que não conseguem se enturmar acabam passando por maus momentos. Lembrando que a educação japonesa é bem exigente e provoca momentos de stress. É na formação de grupos na escola que os jovens conseguem exteriorizar os seus problemas e angústias. Quando um não consegue entrar em um grupo, todos esse stress acaba se acumulando e provocando um sentimento de não pertencimento a essas pessoas. E em um mundo cada vez mais dependente dos celulares e smartphones, não fazer parte do grupo de pessoas que se comunica através das redes sociais é o caos completo. Posso imaginar a situação do Shinya (não posso dizer exatamente qual é) ao precisar recorrer ao trabalho solitário para distrair sua mente. Ryo e Shinya são duas pessoas isoladas completamente das coisas, mas o problema de Ryo é algo mais simples de ser resolvido. No caso dela, ela precisa trabalhar o seu coração para abraçar as pessoas.
No fim das contas a pergunta que fica é: quem salvou quem? Foi Shinya que salvou Ryo ao lhe dar forças para seguir adiante e superar suas adversidades? Ou foi Ryo que salvou Shinya ao lhe dar uma companhia em um momento desesperador quando ele não via mais solução? O roteiro de Otsuichi trabalha muito bem a questão do eterno retorno e as coisas começam a fazer sentido lá pela metade do segundo capítulo. Podemos pensar no celular imaginário como um elemento fantástico ou sobrenatural? Tenho cá minhas dúvidas porque a mente humana é capaz de realizar coisas impressionantes. E ainda conhecemos um percentual muito pequeno a respeito do que o cérebro é capaz de realizar. Só sei que o final é impressionante e fiquei com aquela sensação de vazio no coração. Coloca algumas coisas nossas em perspectiva principalmente por aqueles que já passaram por momentos como os de Ryo.
Só você Pode Ouvir não é nenhum mangá sensacional ou inesquecível. Mas, é emocionante e singelo que com certeza vai te dar aquela sensação de coceira no canto do olho. O autor conseguiu criar bons personagens e adaptar adequadamente o roteiro que ele se propôs. Não tem nenhum traço extraordinário, mas acredito que nessa história não seria algo tão necessário.
Ficha Técnica:
Nome: Só você Pode Ouvir
Baseado em uma história de Otsuichi
Autor: Hiro Kiyohara
Editora: JBC
Gênero: Fantasia/Drama
Tradutor: Edward Kondo
Número de Páginas: 200
Ano de Publicação: 2014
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