Nesta terceira parte temos alguns contos que marcaram toda uma era no gênero. O destaque fica para os influentes The Liberation of Earth e The Star, dois contos que são cultuados até hoje.
Nesta parte de nossas resenhas sobre o The Big Book of Science Fiction temos os seguintes contos:
1 - "Beyond Lies the Wub" (de Philip K. Dick) - 1952
2 - "The Snowball Effect" (de Katherine MacLean) - 1952
3 - "Prott" (de Margaret St. Clair) - 1953
4 - "The Liberation of Earth" (de William Tenn) - 1953
5 - "The Star" (de Arthur C. Clarke) - 1955
6 - "Grandpa" (de James H. Schmitz) - 1955
Vamos às resenhas!
1 - "Beyond Lies the Wub"
Autor: Philip K. Dick Avaliação:
Publicado originalmente em 1952
Que Dick é conhecido por escrever histórias completamente absurdas e psicodélicas não é nenhuma novidade. Esta aqui é uma de suas primeiras histórias publicadas em uma tradicional revista do gênero chamada Planet Stories. Muito antes de começarmos a nos preocupar com que tipo de alimentos fazem parte de nosso dia-a-dia, Dick faz esta crítica social muito interessante.
Todos os elementos da escrita do autor estão presentes aqui: a viagem, a surpresa e a ironia. Aliás, esse conto parece mais uma longa piada. Porque o final é tão maluco que o leitor parece não sentir quando ele vem. E não se trata da decisão ou não de comer o animal, mas do que vem a seguir. A história é sobre um tipo de animal chamado wub que um dos tripulantes da espaçonave comprou no planeta onde eles se encontravam. Só que a ideia era comprar o animal para alimentar a tripulação. Porém, eles não contavam com o fato de o wub ser inteligente e querer realizar uma série de discussões filosóficas com eles. Agora, eles tem essa terrível decisão de se alimentar ou não de um ser inteligente.
O pessimismo do autor está nas linhas da história. É algo muito comum na obra de Dick ele questionar a moral e as escolhas da humanidade. Isso porque, na opinião do autor através de suas obras, o homem parece se achar o centro do universo. Ao nos apresentar uma história como essa, a intenção não é só criar uma história engraçadinha, mas fazer-nos refletir sobre a nossa posição dentro da realidade das coisas. E a cadeia alimentar é um desses pontos.
Não existe um desenvolvimento profundo dos personagens até porque não há necessidade. Mas, fica aqui o elogio ao fato de o autor ter dado individualidade e vozes distintas a cada um deles. Outra marca registrada do autor. Acho que essa é uma história que merece ser lida até porque ela é rápida e produz um impacto óbvio no leitor. E mais, conhecer o autor em uma época em que ele ainda não havia escrito os seus grandes sucessos.
2 - "The Snowball Effect"
Autora: Katherine MacLean Avaliação:
Publicado originalmente em 1952
Esse é um conto de ficção especulativa. É como usar a ficção científica para provar um ponto. No caso a Katherine MacLean quer mostrar aos leitores a importância da sociologia para o homem. Não é um tipo de história que vai agradar a todos, mas entendo seus méritos e até mesmo o fato de a autora ter sido uma das divulgadoras desse estilo de histórias.
A história se passa em uma universidade com um reitor avaliando os custos que cada curso custava para ser mantido. Halloway, o reitor, está fazendo alguns cortes, e ele chama até sua sala Wilton Caswell, o chefe de departamento de sociologia. Apesar de outros cursos conseguirem doações polpudas permitindo a eles se manter, o departamento de sociologia já não conseguia mais isso. Halloway afirma que vai retirar o seu apoio à cadeira e Caswell sabe que mesmo que ele não seja demitido, sua posição na universidade vai ficar em sério perigo. A história gira em uma aposta feita entre os dois na qual Caswell vai provar que ele é capaz de fazer com que uma técnica sociológica seja capaz de gerar largas somas em dinheiro e em influência. S a experiência de Caswell der certo, Halloway promete continuar a manter o financiamento ao departamento.
Gente... é serio que a experiência do personagem é uma pirâmide? Quero uma ajuda aqui... até forneço o conto para quem se dispor a ler. Porque depois que eu terminei de ler o conto, parei, pensei e não acreditei. Ele estava descrevendo o velho golpe da pirâmide. Uma pessoa traz outras para dentro de um grupo e estas outras arrastam outras e assim por diante. A dificuldade não está em entrar do grupo, mas em sair dele. A autora consegue descrever muito bem como é feita a experiência de Caswell, mas em nenhum momento eu consegui sentir empatia com os personagens.
O que vemos é uma narrativa que tenta provar um ponto. A escrita chega a ser quase professoral e bastante explicativa. Serva para o leitor compreender o próprio funcionamento daquilo que ele propõe a fazer. Isso vai incomodar o leitor que deseja ver uma história com personagens e uma narrativa propriamente dita. Eu gosto de histórias como The Snowball Effect, mas mais para objetivos profissionais do que um lazer per se. Infelizmente eu não recomendo o conto a menos que você seja um professor da área como eu.
3 - "Prott"
Autora: Margaret St. Clair Avaliação:
Publicado originalmente em 1953
Nossa obsessão por descobrir vida em outras planetas se tornou cada vez maior com o passar dos anos. Hoje queremos a todo custo descobrir vida no espaço. Esse conto vai tocar nesse ponto ao mesmo tempo em que mexe com o tema da obsessão de um cientista pelo seu objeto e até onde isso pode levá-lo.
Um homem chamado Fox encontra os registros de um diário de um cientista que estava a bordo da espaçonave Ellis que entrou em contato com uma raça alienígena chamada Prott. Esses seres não possuem a mesma constituição física que o homem. Além da dificuldade de se comunicar com uma raça que não se comunica da mesma forma que nós. Por tentativa e erro, o cientista vai criando estratégias para entrar em contato com esses seres. Mas, aos poucos essa comunicação vai revelando detalhes terríveis sobre estes seres.
Em alguns momentos, Margaret impõe um ritmo de terror ao conto. Ela vai fazendo uma lenta construção de sua narrativa que vai colocando o leitor em contato com esse estranhamento. Me lembrou em alguns momentos o filme A Coisa em que o espectador percebe que alguma coisa vai dar errado em algum momento. E a tensão vai crescendo pouco a pouco até chegar ao clímax. Vale destacar que a inteligência alienígena não é necessariamente antagônica. A gente vai ver que o que acontece ao longo da narrativa é fruto das ações diretas do protagonista.
Outro tema muito trabalhado pela autora é o da obsessão do cientista. Tudo começou com uma curiosidade de saber como se comunicar com os prott e aos poucos foi se tornando muito mais do que uma obsessão. Esse tipo de comportamento foi o responsável pela criação de armas como a bomba atômica. Tudo começou com uma busca por novas formas de energia que fossem mais baratas do que o petróleo.
Não quero contar mais para não estragar o final da história que é surpreendente. Mas, não consegui comprar o personagem do médico. Senti que algumas situações eram forçadas demais. Apesar disso gostei da solução de linguagem e do método de tentativa e erro buscada pelo cientista, o que demonstra que a autora queria mostrar também um pouco do método científico. Porém, a história por ser mais intimista acaba ficando chata porque o protagonista não é um personagem interessante. Faltou falar, por exemplo, do resto da tripulação da nave. Em nenhum momento foi mencionado que ela era individual. Ou seja, não foi mencionado se ele tinha assistentes. Achei uma série de furos muito complicados. Por essa razão, eu não recomendo.
4 - "The Liberation of Earth"
Autor: William Tenn Avaliação:
Publicado originalmente em 1953
Aqui temos um conto clássico do século XX. William Tenn escreve um conto que fala sobre o nosso papel no universo. O mais interessante é que na época em que ele foi lançado, ninguém deu tanta atenção assim para a história. Ele quase não foi publicado na Planet Stories. Mas, décadas mais tarde, foi adotado pelo movimento hippie como um marco do "adeus às armas". William Tenn continua sendo um autor relativamente desconhecido no Brasil, mas fica aqui o meu convite para conhecerem esse conto incrível.
A história começa com a chegada de uma raça alienígena na Terra, os Dendi. Estes afirmam ter vindo ao planeta para caçar uma outra raça chamada de Troxxt. Os Dendi estariam aqui no planeta para construir um posto avançado para deter o expansionismo dos Troxxt. O papel dos humanos seria nenhum... os dendi não queriam a ajuda militar dos homens porque eles não tinham como contribuir com a guerra levada a cabo. Os alienígenas também não compartilharam sua tecnologia por considerarem-na muito perigosa. Eles pediam apenas a contribuição de algumas matérias-primas, e mais nada. Algum tempo depois, os troxxt atacam e acabam capturando a Terra. E aí, eles contam uma história muito diferente daquela contada pelos dendi. E é aí que tudo complica. O que se segue é uma intensa disputa entre dendi e troxxt pela posse da Terra enquanto esta acabava sendo afetada irremediavelmente.
Este conto é uma alegoria sobre a Guerra da Coréia. Uma feroz disputa entre norte-americanos e soviéticos nos quais os reais perdedores foram os coreanos. É uma história cautelar em que somos levados a perceber quem são os verdadeiro afetados pela guerra: aqueles que nada tem a ver com ela. Alguns vão reclamar das sucessivas liberações imaginando que se trata de algo chato. Mas, transportem isso para a vida real. Vou usar outro exemplo: Jerusalém já foi "liberada" mais de uma dezena de vezes. E a cada nova "liberação" a cidade foi mais e mais destruída. E o mais impressionante é que o autor conseguiu incutir na história as mesmas invencionices ideológicas que também são empregadas na vida real. Gostei demais desse transporte de ideias tão cáusticas para um cenário de ficção científica. A década de 1950 é repleta dessas alegorias muito por conta do acirramento da Guerra Fria e do período macartista. Tornou-se quase uma Santa Inquisição em que qualquer pessoa que defendesse algum ideal de esquerda era considerado comunista e "sumiam com ele".
Não existem personagens claros na trama. Isso porque William Tenn usou uma escrita na forma de uma contação de história. Uma pessoa no futuro está contando os fatos que aconteceram desde a chegada dos dendi até aquele momento mais à frente. O leitor consegue perceber um teor quase religioso na forma como o narrador nos conta o relato. Ele é repleto de firulas e exclamações seguindo uma fórmula típica de relatos bíblicos. Nesse sentido chega um ponto em que a escrita se torna cansativa por conta das repetições, mas isso é proposital, como afirmei acima. O objetivo é apresentar a tolice e a futilidade por trás dos esforços de guerra.
Outro tema apresentado é o de o quanto não somos importantes para o universo. Acho que nós nos temos em uma conta muita alta. Acreditamos ser importantes ou fundamentais para o destino das coisas. Mas, a verdade é que somos um pequeno grão de areia em um lugar muito remoto do universo. Se existirem vidas alienígenas (e eu acredito nisso) elas tem suas próprias preocupações a ponto de não sermos sequer importantes ou interessantes para fazer contato. Este é um bom puxão de orelhas feito pelo autor para nos colocar no chão, percebendo o quanto seríamos incapazes de fazer qualquer coisa caso uma raça avançada chegasse até nós.
Gostei demais de ter lido William Tenn pela primeira vez. The Liberation of Earth faz parte de uma categoria de histórias únicas que devem ser lidas por nós para podermos refletir sobre o nosso papel. Assim como Admirável Mundo Novo, O Homem Bicentenário ou Um Cântico para Leibowitz. Não preciso dizer que eu recomendo fortemente a leitura dele.
5 - "The Star"
Autor: Arthur C. Clarke Avaliação:
Publicado originalmente em 1955
Assim como The Liberation of Earth, esse é um conto que possui uma aura lendária em torno dele. Escrito por um dos autores de ficção científica mais influentes do século XX, ele possui uma mensagem incrível a respeito da humanidade e do que deixaremos para aqueles que vierem nas próximas gerações. Muito cuidado para não confundir esse conto com outro com nome homônimo escrito por H.G. Wells no século XIX. São duas histórias completamente diferentes.
Um grupo de exploradores está chegando a um sistema planetário cujo sol tinha entrado em supernova muitos milênios antes. Em um planetóide, um padre descreve a chegada dos exploradores até um cofre contendo todo o conhecimento de uma civilização há muito perdida. Uma história simples de apenas 9 páginas. O que ela poderia ter de especial?
Bem, em primeiro lugar, eu já li algumas coisas escritas pelo autor: Encontro com Rama, O Fim da Eternidade e 2001. Conheço a escrita do autor e gosto demais dela. Mas, posso dizer com toda certeza que a escrita dele está no topo de sua qualidade neste conto. Uma prosa poética inacreditável. A maneira como o autor vai conduzindo o pensamento do protagonista faz com que nós mesmos façamos algumas reflexões acerca de nós mesmos e nosso lugar no mundo. A proposta do conto é bem simples e ele conduz isso de uma forma tranquila. A narrativa é em primeira pessoa e rapidamente aprendemos o necessário sobre o protagonista. Aliás, em pouco mais de uma página e meia temos tudo o que precisamos saber sobre ele. Uma tarefa muito complicada feita com maestria por um dos ícones da ficção científica.
Dois temas fazem este conto funcionar. O primeiro deles e o principal é nossa crença na religião. Diante de toda a exploração espacial e a descoberta de novas galáxias como continuar a acreditar em Deus? Como explicar todos os processos que regem o universo, como a explosão de uma supernova? Aqui, o autor coloca como somos insignificantes diante do conjunto maior das coisas. A existência de raças alienígenas coloca em questão também no que eles acreditavam. Em alguns momentos do conto, o autor procura trabalhar esse conceito ao relacionar o que acreditamos com o que aconteceu àquela raça alienígena. Outra pergunta importante é que justiça poderia haver em um deus que destrói toda uma civilização. O protagonista claramente está questionando as suas crenças. Claro que ele procura defender o seu credo por trás do escudo de "não podemos saber quais planos Deus planeja para o universo". Mas, percebemos que é algo mais para convencer a si mesmo do que ao leitor.
Outro tema importante é o da manutenção de nossas memórias para a posteridade. Existe um grande medo entre nós de que nossa existência desapareça da noite para o dia em algum acidente universal e tudo o que fizemos seja apagado para sempre. Vários projetos de enviar nossa cultura para o espaço foram planejados. É diante disso que cada vez mais pensamos em como manter nossa cultura viva.
Não quero comentar mais a respeito do conto para não estragar a fruição do mesmo. Apenas leiam. Se permitam conhecer essa obra prima da ficção científica escrita por um autor fundamental para uma era. E reflita sobre o que significa acreditar em algo que transcende a nossa capacidade de compreender o universo. Certamente você não será o mesmo após ler este conto.
6 - "Grandpa"
Autor: James H. Schmitz Avaliação:
Publicado originalmente em 1955
A ficção científica que lida com biologia ou terraformação ficou muito em moda nos últimos anos. Isso se deu por causa do aquecimento global e os autores do gênero se voltaram para o debate desses temas. Entretanto, esse é um estilo de histórias que já há décadas vem sendo explorados no mundo da ficção científica. James H. Schmitz escreveu esse romance para a Astounding Science Fiction tentando comentar um pouco sobre a vida em outros planetas.
Cord é um biólogo que trabalha em outro planeta pesquisando insetos. Ele é chamado para uma expedição científica pela Regente e alguns outros pesquisadores. Todos são levados até a nascente de um rio por seres que funcionam como balsas para eles. Estas "balsas" recebem ondas de energia térmica para se moverem pelos rios. Cord percebe algo estranho nas "balsas" como se elas tivessem mudado o seu comportamento. Muito tarde eles vão perceber o quanto a descrença nos alertas de Cord vai custar a todos da expedição.
Cara... balsas que são criaturas espaciais??? Pois é. Não apenas isso, mas elas desenvolvem uma relação de simbiose com os homens atacando-os. Olha, vou tecer comentários com spoilers porque, meu deus, como eu não gostei dessa história. A parte que lida com biologia espacial e as ideias propostas pelo protagonista é boa. Desperta aquele meu lado de leitor que curte ciência e altas ideias. Mas, é apenas o primeiro terço da história. Quando começa a expedição no rio e chega até o primeiro clímax tudo vai ladeira abaixo. A história adota um tom de perseguição e fuga que acaba ficando muito longe do clima proposto inicialmente.
O protagonista e os demais personagens não possuem empatia alguma. Se a história tivesse bons elementos de ficção científica e ficasse em uma narrativa mais atrelada às ideias talvez tivesse resultado em algo interessante. Mas, não. O autor até tenta desenvolver algum tipo de relação entre Cord e Grayan, mas não funciona também. Tudo soa muito artificial e sem graça e os personagens parecem muito dispensáveis. O protagonista, em uma situação de perigo, não age como herói, ficando em uma linha de não saber se ajuda a todos ou se foge.
E aí temos o final... Ah, o final. Queria eu não ter lido aquele final. Que coisa confusa foi aquela? Não entendi absolutamente nada. Foi uma confusão de ações treslocadas e sem nexo dos inimigos e de Cord. O que acaba é que parece que foi uma coisa por cima da outra que não teve o menor sentido no fim. E eu aguardava algo épico esperando no final do túnel e o que eu encontro é... nada. Todos cavalgam felizes rumo ao horizonte. Sério... hein??? Não recomendo a leitura desta história, existem coisas melhores como um Asimov ou um Arthur C. Clarke para curtir. E pior: são mais de quarenta páginas de puro desprazer.
Ficha Técnica:
Nome: The Big Book of Science Fiction
Autores: Jeff Vandermeer e Ann Vandermeer
Editora: Vintage
Gênero: Ficção Científica
Número de Páginas: 1216
Ano de Publicação: 2016
Outras Publicações:
Parte 9
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