Na cidade de Monteiro Lobato, no interior de São Paulo, um coveiro faz um pacto com uma estranha visão de Jesus Cristo (ou ele acha que é): entregar treze almas de pecadores até o Domingo de Páscoa. Como será que Dito Lobisomem fará para realizar sua promessa? Poderá ele ser detido ou a cidade viverá um pesadelo?
Sinopse:
Seu Benedito Lobisomem, o velho coveiro da pequena e tranquila cidade de Monteiro Lobato, no interior de São Paulo, é um compulsivo e obcecado ladrão de sepulturas que, numa estranha madrugada, tem sua mão dilacerada por uma criatura escondida nas trevas de um túmulo. A partir de então, sua sanidade é testada. Ele precisará pagar uma promessa feita a uma imagem religiosa, cujo poder está além de seus temores e pesadelos mais íntimos. Por quais alucinações, tormentos e provações passará para quitar sua dívida? Em paralelo aos atos protagonizados pelo coveiro, quatro inseparáveis amigos da pequena e pacata cidade seguem uma trilha pavimentada de horrores, caixões, crucifixos, ossos, flores de plástico, velas e coroas de flores, e não medirão esforços para descobrir toda a verdade. Que Deus ou o diabo os ajudem. Sendo você ateu ou não, proteja-se da melhor forma possível e embarque nesse pesadelo.
Cidades do interior do Brasil são quase universos próprios em sua excentricidade. Podem ter uma vida pacata, uma população pequena que se conhece, causos estranhos. Me admira que este não seja um universo tão explorado pelos escritores de terror no Brasil. Nos últimos anos vemos esse cenário mudando com histórias pipocando aqui e ali e trazendo para nós o que há de melhor nesse espaço ainda pouco explorado do Brasil. Afinal, se Stephen King tem o Maine, por que nós não teríamos nosso próprio cantão para abraçar histórias insólitas? E é bem nessa vibe do Mestre do Terror que Thunder Dellú nos traz uma história apavorante e que coloca nossa fé em cheque. O que se esconde no cemitério de Monteiro Lobato? É com essa proposta que vamos conhecer estes personagens fascinantes.
Depois de mais um dia regado a muita cachaça, o coveiro Sebastião, mais conhecido como Tião Lobisomem, está indo realizar o seu ofício, mas sempre tirando alguma peça de valor dos mortos para encher os bolsos. Tião tem um caixão especial onde guarda todos os pertences dos mortos que acumulou nos últimos anos, com a anuência (e o devido percentual) conferido ao padre Argemiro. Quando ele vai colocar sua última cota, ele sente suas mãos sendo mordidas por algum tipo de animal monstruosa surgido debaixo da terra. Sua mordida lhe causa alucinações que, aliadas à maldita pinga, o fazem ver uma imagem de Jesus que pede a ele a entrega de treze almas de pecadores em troca da salvação da sua. Enquanto isso, Preguinho, Flautinha e Bocudo, os três moleques que mais aprontam na cidade, estão em suas brincadeiras habituais quando decidem mergulhar no tema do oculto quando Bocudo traz um estranho artefato que, segundo ele, é capaz de chamar espíritos. O que parecia uma brincadeira inocente vai se revelar uma aventura cruel rumo a um mundo de mortes e fantasmas. Assim começa Tumular!
Não é segredo nenhum que Dellú se inspirou em Stephen King para compor sua história. Ele vai buscar centrar sua narrativa em uma cidade pequena com personagens pitorescos e saídos do universo cotidiano. Nesse ponto, o autor é muito feliz em sua contextualização e dá uma personalidade própria à sua narrativa. Apesar da inspiração, o cenário é claramente uma cidade do interior paulista. Não há engano nisso. Apesar de manter os pés no período contemporâneo com os celulares, o whatsapp e outras tecnologias, Dellú consegue isolar o cenário o suficiente para ele parecer bastante distante dos centros maiores e proporcionar a estranheza suficiente para criar o clima de dúvida e ignorância. Ou seja, é uma população que tem na Igreja uma espécie de centro social e o padre é uma pessoa que possui certa influência entre os demais habitantes. Mesmo a história parecendo ter situações bizarras, esse ponto inicial ajuda a dar a suspensão de descrença suficiente no leitor. Os personagens comuns são como nossos guias para esse lugar insólito e introduzem dois núcleos narrativos: o de Tião e o padre e o dos meninos. Dellú conseguiu criar bons personagens, sem partir muito para o estereótipo, mas mantendo aquela atmosfera interiorana típica. Um ponto positivo é que o autor não criou muitos personagens, o que não o complicou muito. Quando se tem muitas bolas para equilibrar, errar a mão pode ser bem fácil. Melhor experimentar com um núcleo pequeno, inserir alguns personagens secundários e depois tentar algo maior.
A escrita do autor é em terceira pessoa, partindo dos núcleos específicos do personagem. Em todo caso, se trata de um narrador onisciente que vai nos levando pelos acontecimentos da cidade. É um texto bastante descritivo e o autor recorre bastante a metáforas e simbolismos. Por se tratar de uma história que parte muito para o aspecto religioso, não são incomuns as imagens carregadas de escatologia. Porém, senti que a escrita do autor recorre demais ao aspecto descritivo. Pode parecer contraditório colocar no mesmo parágrafo um elogio ao metafórico e uma crítica à descrição. Só que existe um equilíbrio tênue entre o necessário e o exagero. Em algumas cenas, a gente tem três ou quatro simbolismos ou metáforas comparando uma situação a alguma outra coisa. Por exemplo: "uma visão é tão assustadora quanto o mais terrível dos monstros". Essa é uma figura de linguagem... Mas, quando se empilha três ou quatro delas lado a lado, faz com que a leitura seja mais cansativa ou carregada. Senti ser uma leitura mais devagar e cuidadosa e o tamanho do livro engana. Sugiro aos leitores irem com calma porque pode-se perder algum detalhe da trama caso o livro seja lido com rapidez.
Gostei de como o autor amarrou bem a sua trama. E aí é preciso ser claro que não é uma trama estrambólica... é até simples em seu objetivo e é bem aquilo mesmo: um coveiro tentando arrumar treze almas em uma cidade pequenas e crianças enxeridas metendo o nariz onde não deve. Essas duas tramas vão se cruzar bem. Torci um pouco o nariz em relação a uma criatura que aparece na história, mas okay, não é nada que vá prejudicar a história. Achei que a ideia física da criatura nem era tão necessária assim. A trama poderia ter ficado mais no aspecto alucinógeno da coisa ou em uma espécie de influência maléfica. Simples e direto. A cidade de Monteiro Lobato é bastante interessante e o autor pode usar esse espaço em outras narrativas. Pode ser a sua Castle Rock... o seu espaço onde coisas estranhas ou malignas confluem. Aquele ar de interior está muito presente e a gente vê pessoas vivendo existências comuns, trabalhando em padarias ou açougues, indo para a Igreja e conversando/fofocando sobre os vizinhos. O autor foi bastante feliz na descrição da cidade e consegue fazer o leitor imaginar as pequenas ruas, as crianças correndo na praça, as senhoras na praça ou na porta de suas casas, a professorinha da escola. Há uma mescla de picaresco na forma como o coveiro é o "anti-herói" dessa história. Ele imagina estar fazendo o bem, mas por métodos tortos. Seus atos de assassinato são repletos de um fervor religioso que beira o fanatismo. Quando estamos para estabilizar a imagem de Tião Lobisomem como um antagonista, vem aquele capítulo mostrando a infância do personagem. E o leitor volta a ser lembrado de que ele não passa de uma pobre alma que acaba manipulada por forças além de sua imaginação.
A história dos meninos é bem legal e o autor consegue passar bem a mensagem de amizade entre eles. Por mais que eles sejam crianças e impliquem uns com os outros, eles são amigos acima de tudo. Nas brincadeiras inocentes, no Bocudo que solta palavrões e no filho da bruxa velha da cidade, acompanhamos esse grupo de amigos passando por várias aventuras. É quando uma perda acontece que o autor aprofunda essa relação entre eles. O ambiente familiar também é explorado e um drama acontece ali que vai sendo revelado ao longo da história. A gente fica torcendo para que a tragédia não aconteça, mas o cerco vai se fechando pouco a pouco. Meu único porém foi em relação ao final. O final mesmo, depois do momento climático ter ocorrido. A história precisava de um epílogo para amarrar as pontas e mostrar o que aconteceu com cada um dos personagens. O que vemos são alguns parágrafos finais arrepiantes e ficamos sem saber o real desfecho. Existe até um indicativo de que pode ter uma continuidade em outro livro. Mas, achei que, como conclusão, pecou por encerrar bem as narrativas. Não vou entrar em detalhes para não dar spoilers, mas um bom desfecho te dá esse sensação de que a narrativa se fechou, cerrou suas portas. Não senti isso.
Tumular é uma boa história de um autor que tem muito a apresentar aos leitores. Com claras inspirações em Stephen King, Dellú nos entrega uma narrativa em uma cidade interiorana onde o contemporâneo se mescla com o escatológico e produz uma narrativa que não deixa nada a dever a boas histórias de terror. Fica os meus parabéns para a Avec Editora por apostar em mais um talento nacional que deve entregar mais histórias intrigantes no futuro. Eu as estarei esperando.
Ficha Técnica:
Nome: Tumular - A Sete Palmos do Inferno
Autor: Thunder Dellú
Editora: Avec Editora
Número de Páginas: 168
Ano de Publicação: 2021
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*Material recebido em parceria com a Avec Editora
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