Ahmed é um médico que foi enviado ao planeta Isach para cuidar de uma raça que se parece com pipas. Eles estão sendo vítimas de um vírus que o imã local imagina ser de fabricação humana. Possivelmente de um grupo de refugiados cristãos que se encontram do outro lado do rio.
Sinopse:
Ahmed é um médico trabalhando em um entreposto no lado mais distante da humanidade. Sua estadia foi paga pelos líderes de sua fé e seu ateísmo é um segredo guardado a sete chaves. Seus encontros com o "povo pipa" irão fazer com que ele duvide de toda a sua visão de mundo. Entretanto, quando os alienígenas começam a morrer e as tensões escalam entre extremistas religiosos para destruir a paz da colônia. When Stars are Scattered, de Spencer Ellsworth é uma história tocante sobre contato alienígena, intolerância religiosa e o poder redentor do divino canalizado através do espírito.
Seja esse espírito humano ou alienígena.
Que linda história essa criada por Spencer Ellsworth. Candidata a uma das melhores do ano. É incrível o quanto pode ser dito em uma história curta. Quantas simbologias podem aparecer em uma narrativa sobre contato alienígena. Fiquei tocado com a mensagem final deixada pelo autor e a maneira como ele conseguiu fazer tudo funcionar bem e organicamente. Nesse nosso confuso mundo dos dias atuais, essa é uma narrativa de cabeceira para qualquer um que queira refletir um pouco sobre alma, religiosidade e tolerância.
O planeta Isach é o lar de estranhos alienígenas que possuem o formato de pipas e seus órgãos funcionam dessa forma. Eles flutuam pelo ar com seus organismos leves. Os seres humanos colonizaram o planeta e estabeleceram ali dois povoados: um formado por muçulmanos e do outro lado de um rio temos fazendeiros praticantes da religião cristã. Nesse universo literário, os muçulmanos se tornaram uma minoria que não tem conseguido renovar seus quadros devido a uma perseguição atroz na Terra. Mas, os alienígenas-pipa adotaram o Islã como uma religião e estabeleceram fortes laços com o imã local e foram aceitos dentro da comunidade muçulmana. Isso despertou a ira dos fazendeiros cristãos que enxergam os aliens-pipa como animais irracionais (embora os aliens se comuniquem por telepatia e tenham aprendido a falar árabe) e os acusam de terem espalhado uma doença que tem afetado os colonos cristãos. Só tem um problema: os aliens-pipa também foram afetados e estão morrendo às dezenas. De um lado, os muçulmanos acreditam que esse é um vírus artificial e fabricado pelos cristãos que querem destruir seus aliados alienígenas e do outro os cristãos culpam os aliens. Ahmed é um médico, secretamente ateu, enviado para se tornar parte do posto de saúde local e ajudar a ummah a descobrir uma cura para a doença dos aliens.
Essa narrativa é tão cheia de camadas por cima de camadas que dá para fazer uma resenha comum (das que eu costumo fazer para romances longos). E isso só é possível graças a uma escrita muito eficiente de Spencer Ellsworth que, usando uma narrativa em terceira pessoa, entrega um dilema existencial que questiona se a alma é uma prerrogativa humana ou alienígenas também podem possuir. A narrativa usa dois pontos de vista: a de Ahmed e a de Adéla, esposa do imã local e mãe de uma menina e um menino. Possui um pouco mais de páginas que um conto comum, mas nossa, como valeu a pena. Ao final da narrativa todos os pontos são cobertos e não fica um único plot solto.
Ahmed é um médico estoico que chega até o local para tratar dos aliens. Na verdade ele não gostaria de se envolver com os problemas locais, mas estes acabam encontrando ele. Sua visão é fiada do apego à ciência, de que existe uma explicação para tudo, mesmo para essa estranha situação de que os aliens pegaram uma espécie de gripe que vem dizimando a população. Ele realiza as práticas muçulmanas normalmente embora sem muito entusiasmo e mais porque ele precisa do dinheiro enviado pela associação espacial que o enviou até Isach. Pouco a pouco suas crenças vão sendo questionadas porque fatos inexplicáveis lhe são apresentado, como uma estranha conexão entre ele, Ahmed, e um alien-pipa idoso chamado de Ibrahim. Ahmed começa a ter visões, como se os aliens estivessem mostrando a ele como eles enxergam o mundo.
Como esposa do imã local, Adéla acaba se envolvendo com os cuidados aos aliens. Embora ela tenha um forte carinho por Ibrahim e todos os outros, ela sabe que precisa sair dali o quanto antes. Seu modo de vida está em perigo porque seu marido está ficando cada vez mais insuflado contra os colonos cristãos. O imã busca a todo custo encontrar um culpado por aquilo que está acontecendo a seus irmãos alienígenas, os únicos em todo o universo a compreender a beleza do Corão. E isso faz com que ele distorça os fatos para que a culpa recaia nos colonos. Do lado de lá do rio a situação está ficando feia e uma invasão de uma mulher cristã ao posto de saúde faz com que o imã decida pegar em armas para conter os cristãos.
Por trás disso tudo ainda temos os aliens que parecem estar alterando a composição orgânica dos seres humanos ao seu redor, expondo-os aos seus feromônios. É interessante perceber como Spencer Ellsworth dobrou o conceito de jihad, o de guerra santa e buscou dar outro significado. Meu conhecimento sobre Islã vai só até certo ponto e eu estudei jihad no sentido bélico do termo e em suas justificativas; nunca tinha visto jihad como uma guerra interior buscando transcender o eu e alcançar um outro estágio. Provavelmente não é nada religioso e sim apenas uma interpretação do autor. No final ele chega a uma série de belas conclusões, demonstrando o quanto o Islã pode (e é) uma religião iluminada e capaz de fornecer belas lições ao homem. Fiquei extremamente tocado com a mensagem implícita na narrativa, de comunidade (a ummah como era antes da chegada de Maomé), a de se preocupar uns com os outros, a de uma guerra justa, mas que pode ser algo interior, e a de o quanto Alah emprega meios que nem sempre são compreendidos pelo homem. Mas, que são capazes de tocar mesmo aquele que se descolou da religião.
Ficha Técnica:
Nome: When Stars are Scattered
Autor: Spencer Ellsworth
Editora: Tor.com
Número de Páginas: 52
Ano de Publicação: 2017
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