Desde pequena, Diana tem estranhas visões com nuvens coloridas e situações que ela não é capaz de explicar. Ela toca sua vida, mas tenta esconder isso para não ser considerada uma pessoa com algum problema. Mas, os estranhamentos estão se tornando cada vez mais frequente, o que irá mudar sua vida para sempre.
Sinopse:
Diana está terminando o curso de história na USP e mal vê a hora de deixar para trás a rotina cansativa entre Guarulhos, a cidade onde mora, e São Paulo, onde estuda, trabalha e encontra os amigos.
Desde jovem, a universitária testemunha fenômenos peculiares que só ela enxerga: breves aparições de uma névoa colorida, próximas a determinadas árvores. Certa noite, diante do quiosque de salgados da faculdade, ela vê uma ocorrência e percebe que não foi a única a presenciar o estranho fenômeno.
Quando seus amigos mais próximos revelam segredos que jamais poderia imaginar, Diana descobre que suas visões fazem parte de um ecossistema complexo, alvo de conspirações e jogos de interesse. Agora, ela terá de lutar para proteger espécies ameaçadas — e garantir a segurança daqueles que ama.
Nos últimos anos a preocupação com o meio ambiente tem se tornado cada vez maior. Encontrar soluções para problemas como o avanço do espaço urbano, a exploração científica ilegal de espécies em perigo de extinção e os investimentos em projetos de laboratórios clandestinos são pautas importantes e que merecem a devida atenção. Carol Chiovatto nos traz vários desses temas importantes em uma trama que tem muitos dos elementos de fantasia urbana que ela tanto gosta (e que a tornaram conhecida no romance Porém Bruxa). O resultado é um livro divertido, repleto de mistérios e emoções vividos pela sua protagonista em mais de trezentas páginas. A edição da Suma está muito bonita com uma aplicação de verniz no título, uma capa lindíssima e uma diagramação bem gostosa. Dá uma boa valorizada no trabalho da Carol, além de oferecer aquela primeira impressão chamativa em que o leitor certamente vai pelo menos dar uma chance para ler a sinopse da história. O resto é com a escrita da Carol que é fantástica e tenho certeza que os leitores não vão se arrepender em dar uma oportunidade para a autora.
Acompanhamos a vida de Diana, uma jovem estudante de História que precisa lidar com o fato de que desde pequena enxerga coisas que outras pessoas não consegue. Teias coloridas, estranhas névoas, animais de cores bizarras... Ela já compartilhou isso com sua irmã e uma outra amiga, a Mayara, mas ninguém parece ser capaz de ver aquilo que a atormenta. E nos últimos tempos os fenômenos tem se tornado cada vez mais frequentes. Enquanto ela lida com tudo isso, Diana acaba conhecendo Miguel, irmão de seu amigo Tiago, com quem já passou vários momentos bacanas nesses anos de universidade. Miguel a atrai com seu jeito mais quieto, porém educado e Diana parece finalmente que vai conseguir ter um relacionamento saudável após sair de um que a manteve chateada por alguns anos. O fim do seu período universitário também a preocupa já que ela precisa pensar o que vai fazer de sua vida enquanto pensa que perderá alguns de seus amigos para a vida. Todo esse drama do fim da adolescência vai ficar mais e mais bizarro quando suas visões a colocam no meio de uma trama que envolve segredos escondidos dos olhos do mundo.
Árvore Inexplicável é o segundo romance que leio da Carol (o primeiro foi Senciente Nível 5) e aqui dá para perceber o quanto a autora foi aprimorando sua habilidade como escritora. Algo que fica bem claro no trabalho dela é o seu apreço pelo desenvolvimento de personagens os mais verossímeis possíveis. Por mais que a ambientação seja fantasiosa ou se passa em um futuro espacial, os personagens da autora possuem características claramente definidas. Ela não se preocupa em usar alguns capítulos para nos mostrar quem o personagem é, quais suas motivações, suas virtudes e defeitos e suas vozes únicas. O emprego de uma narrativa em primeira pessoa ajuda o leitor a entender estes personagens. Enxergamos o mundo através de seus olhos, compreendemos seus sentimentos. O livro começa bastante focado em Diana e ela é a voz que nos guia por uma São Paulo movimentada que de repente se vê afetada pelo surto de covid-19 e tem sua realidade completamente alterada. Mas, mais à frente na narrativa, os capítulos se alternam com outros personagens da história. O que me chamou a atenção é em como os capítulos desses personagens são diferentes entre si, possuindo vozes que ora podem ser mais descritivas, ora mais passionais. Até porque os personagens que narram não são os mesmos. Por essa razão é lógico pensar que a própria forma como esses personagens narram em primeira pessoa sejam diferentes. Só que, por incrível que pareça, isso não é algo comum. O que a Carol fez é algo muito bom.
A narrativa começa enfocando as dúvidas e questionamentos de Diana acerca de sua condição. Carol faz um bom trabalho mostrando o quanto a personagem está dividida acerca disso. A ideia não é mostrá-la como alguém com super-poderes, mas uma garota querendo viver sua vida. Suas dúvidas são legítimas porque isso afeta a sua vida. O pior de tudo: ela não tem com quem conversar a respeito. Mais tarde, Diana vai interpretar isso como sendo um preconceito de sua parte, mas não vejo assim. Qualquer um no lugar dela reagiria da mesma forma. Como não pensar que essa peculiaridade não fosse algo de sua mente, que poderia esconder algum transtorno ou outra condição. A ausência de alguém para compartilhar isso é terrível e enlouquecedora. O receio de ser taxada por seus iguais como indigna de confiança, o bullying, os pequenos comentários. Carol consegue transmitir com perfeição esse dilema da personagem. Fiquei em cima do muro em relação ao tempo que esse momento da história leva. Por um lado achei certo e necessário para construir esse contexto de dúvida na protagonista. Até mesmo colocá-la como uma pessoa sociável ao mesmo tempo em que se preocupa com como as pessoas irão passar a vê-la se ela contar o que tem. Por outro lado, achei que a autora levou tempo demais nisso, podendo afastar um leitor mais impaciente. Em alguns capítulos, pouco ou nada acontece para avançar a trama o que poderia ter prejudicado no longo prazo. Como disse, fiquei em cima do muro em relação a isso, mas só a dúvida já me fez repensar o todo.
Se disse que a Carol trabalha bem as vozes dos personagens, o mesmo posso dizer dos diálogos. Só posso aplaudir de pé a maneira como a autora faz para tornar os seus diálogos reais. Eles não são encenados ou robóticos como acontecem em alguns romances. Já li romances de fantasia em que os personagens parecem estar declamando um texto. Já aqui isso não é o caso. Eles soam naturais e qualquer pessoa poderia estar conversando dessa forma na rua. A autora também não se perde em estereotipar os diálogos, forçando gírias ou empregando regionalismos desnecessários. Os personagens falam como pessoas que moram em São Paulo. Não apenas isso, como não há exagero no seu emprego. Quando não há necessidade de usar um travessão para afirmar ou negar alguma coisa, ela simplesmente descreve a cena. Sem mais nem menos. Carol também não emprega info dumping; as informações são oferecidas ao leitor aos poucos, com um crescendo que impacta nos mistérios da trama. Nada de entregar todas as informações de uma só vez como se fosse um mistério da Agatha Christie. Tudo com calma e paciência.
Os capítulos são bem curtinhos, o que oferece uma enorme velocidade à trama. Mas, não subestimem o que está sendo apresentado a vocês. Os mistérios são entregues aos poucos, seja nas falas ou nas reações dos personagens. Como se trata de uma narrativa em primeira pessoa, acompanhamos tudo ao lado deles. Podemos até ter nossas desconfianças, mas se o personagem não percebe algo, nós não iremos perceber também. A narrativa possui uma construção em três atos, sendo que a narrativa vai se tornando mais e mais complexa e envolvente a cada virada de página. Quando cheguei à terceira parte, lembro que devorei mais de cem páginas de uma só vez. A curiosidade me matava para saber o que aconteceria a seguir. Carol sabe deixar bons ganchos narrativos que fazem com que fiquemos com aquela pulga atrás da orelha. Sabe aquela situação de "vou ler mais um capítulo só para ver o que acontece"? Isso se repete bastante. A história tem um bom tamanho, mas, como me referi mais acima, talvez eu cortasse um pouco da história para que ela ficasse perfeita. Mas, é uma visão minha e mesmo eu fiquei em dúvida quanto a isso.
O contexto em que a história se passa é no começo da pandemia de covid-19 no Brasil entre os meses de fevereiro e de julho. Quando as informações eram escassas e as mudanças pelas quais passamos foram drásticas. Os personagens revelam todo o receio e o desconhecimento sobre uma doença inexplicável, sem querer usar o trocadilho. Também vivíamos sob um governo negacionista que era um solo fértil para o que acontecia durante a narrativa. Carol conseguiu reproduzir bem os medos e anseios desses período. Porém, preciso pontuar a respeito de algumas referências que ela faz durante a história. Certas referências são muito específicas como o desgoverno que vivíamos e outras informações pequenas e sutis que só serão lembradas no futuro por quem viveu intensamente esse período. Faltou explicar determinadas situações o que pode prejudicar o livro daqui a alguns anos. Referências só são boas ou intrigantes quando entendemos mais ou menos ao que elas se referem. Do contrário soam apenas estranhas.
Adoro os personagens e depois que terminei a história, percebi o quanto eles vão me fazer falta. Gostei da gentileza do Tiago e seu amor incondicional por Yoko. Da linda relação entre irmãs de Nati e Diana e o quanto isso me fez pensar que eu adoraria ter tido um irmão ou uma irmã e o quanto gostaria que fosse como a Nati. Do jeito controlador de Miguel ao mesmo tempo em que ele se sente desconfortável com seus sentimentos. Da doce Mayara e seu amor por cuidar dos animais. Tudo isso e muito mais está presente nesses personagens que formam um núcleo intenso onde as relações se desenvolvem no contato íntimo com eles no dia a dia. Vamos conhecendo pedaços de cada um deles aos poucos até montarmos um quebra-cabeças. Em alguns momentos vamos duvidar de cada um deles, graças às suas inseguranças e aos momentos tensos acontecendo na narrativa. Um segredo precisa ser mantido, mas a que custo? Mesmo que tenhamos todas as melhores intenções do mundo, não podemos deixar alguém que amamos de fora de algo que pode afetar a sua vida. A reação que acontece no desenrolar da história é natural porque um laço de confiança foi rompido (curiosamente isso volta a acontecer lá no final da terceira parte). Recuperar a confiança perdida leva tempo, pode nunca acontecer e sempre modifica nossos sentimentos. Para o bem ou para o mal.
Árvore Inexplicável é uma boa leitura para quem está buscando ler algo que fale sobre meio ambiente e a proteção da fauna e da flora. Tudo com aquelas pitadinhas saborosas de magia que são tão características dos romances da autora. Com uma trama envolvente que, apesar de demorar a pegar, nos leva a um mundo de segredos que precisam protegidos, de relações que estão para amadurecer como belas árvores e de uma personagem que precisa se aceitar assim como ela é. Afinal quantos de nós já não passaram por uma situação em que nossos medos acabam custando o melhor de nós mesmos.
Ficha Técnica:
Nome: Árvore Inexplicável
Autora: Carol Chiovatto
Editora: Suma
Número de Páginas: 328
Ano de Publicação: 2022
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*Material recebido em parceria com a Editora Suma
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