Nesta matéria vamos comentar sobre o livro Horror Oriental que contém um compilado de algumas boas histórias oriundas da China, da Coreia e do Japão. Histórias que vão nos mostrar como a cultura oriental se relaciona com o macabro.
Nas últimas décadas o cinema de terror oriental ganhou cada vez mais espaço no Ocidente. A ascensão da Netflix que investe pesado no material vindo do Oriente popularizou este cinema com sucessos como Old Boy, O Lamento, Sede de sangue e O Hospedeiro. Vemos o quanto o medo é interpretado de uma maneira diferente por eles e o contato com o mundo sobrenatural é mais próximo. Nesta coletânea trazida pela Laboralivros vamos nos deparar com narrativas antigas, de cunho popular, que nos apresenta a figuras como o nopperabo, os espíritos animais traiçoeiros, a rokurokobi (a mulher de pescoço longo) entre outros. E como estes aspectos culturais foram absorvidos por outras culturas e ressignificados. É um mergulho na história destes três países (China, Coreia e Japão) e o entendimento de o que os aterroriza e de que maneira eles lidam com o desconhecido.
Falando sobre a edição da Laboralivros, é um livro de bolso com uma boa quantidade de histórias distribuídas entre os três países. Gostei do formato, a edição está redondinha e ainda tem algumas ilustrações bem legais que remetem aos contos explorados. Logo no início da edição, a organizadora Lua Bueno Cyriaco explica como foi feita a curadoria além de comentar que em alguns casos se trata de uma tradução da tradução. O livro não se trata de um trabalho mais acadêmico sobre o assunto, sendo voltado para quem é curioso sobre cultura oriental ou lendas de terror. Isso talvez afaste quem procura algo mais específico e não há problema nisso. A Laboralivros tem outros materiais que podem te agradar mais como Shoujo Jigoku ou as coletâneas temáticas de Raposas e Gatos. As histórias são bem curtinhas, entre 2 a 6 páginas cada uma, refletindo o aspecto da tradição oral destas histórias. Meu único puxão de orelha vai para a revisão textual que não está legal tendo passado várias pequenas coisinhas. Normalmente não me incomodam, mas quando estão em um número mais alto podem atrapalhar a fluidez. Um material desses merece um carinho e atenção especial.
Vou falar um pouco sobre os contos dos três países e não pretendo entrar muito nas histórias porque acho que posso atrapalhar na leitura de vocês. Ao ler os contos chineses um destaque fica para como as forças sobrenaturais podem ser verdadeiramente malignas. Nenhum dos contos aqui vão te mostrar algo deixado para trás ou um memento de família. Aqui o sobrenatural está presente para devorar as pessoas. O encontro com o sobrenatural representa o azar ou a ruína de alguém. O Monstro e O Espírito da Montanha são bons exemplos disso. Cabe aos humanos sair do caminho daquilo que não pertence mais ao mundo terreno. Caso contrário, terão suas almas ou vidas perdidas. Por isso consigo compreender porque os chineses tem tamanho respeito por seus mortos, por realizar apropriadamente as cerimônias funerárias. Ao atender aos desejos daquele que está partindo, a pessoa impede que seu espírito permaneça para trás e cause mal aos familiares. O que me deixou bastante impressionado foi a facilidade como estes espíritos perseguem os seres humanos. Se o leitor se deparar com alguma coisa dessas acontecendo e for buscar na história alguma motivação para isso ocorrer e não encontrar, é totalmente normal. Talvez os contos de terror coreanos sejam os mais cautelares desta coleção. Aqueles que mais se relacionam à essência dos contos europeus tradicionais que conhecemos.
Os contos japoneses normalmente lidam com questões de desonra ou vingança. Mas, curiosamente, temos um conjunto de histórias que lidam com assuntos diferentes do que é normalmente visto. Aqui os espíritos ou o sobrenatural em si procura ludibriar suas vítimas para que saiam de seu caminho de alguma forma. Seja um espírito capaz de se disfarçar ou um grupo de pessoas que parecem ser inocentes, mas escondem alguma coisa. O japonês é visto como um indivíduo correto e preocupado em seguir regras. O terror está em sair do caminho de retidão de alguma maneira. Diferentemente dos contos chineses, existe a possibilidade de expiação para alguém que abandona seu caminho. Normalmente se tratam de tarefas tortuosas ou algum tipo de ritual que acalme as forças sobrenaturais. Contudo, existe algo em comum com o que comentei anteriormente que é o respeito àquele que faleceu. Um enorme sacrilégio entre os orientais é a violação de um túmulo. É algo que causa a ira imediata das forças que regem o mundo e, nos contos, quando algo assim acontece, a vingança acontece de uma maneira bem cruel. Um parênteses rápido tem a ver com O Caçador Silencioso, último conto da parte japonesa do livro, e que lida com a cultura ainu. Já afirmei o quanto tenho apreço pelos ainus e sua conexão com o mundo selvagem. No conto, todo cuidado é pouco no momento da caçada. Os kamuy, os espíritos animais, podem ser bastante sorrateiros com aqueles que os perseguem. E seus objetivos podem ser insondáveis em um primeiro momento.
Os contos coreanos são bastante voltados ao aspecto do monstruoso ou da criatura a qual não há igual neste mundo. Pode ser um espírito metamorfo que deseja tomar o lugar de alguém neste mundo. Ou demônios assombrando o palácio de um príncipe. Ou até um homem que está no lugar errado e na hora errada. Das três nacionalidades, os contos coreanos possuem o aspecto mais fantástico. Onde as criaturas sobrenaturais tem habilidades fora de nossa compreensão e podem dobrar a realidade à sua maneira. Somos vítimas dos humores de tais criaturas. Cabe a nós conseguir lidar com elas dentro da maneira como enxergam o mundo que as cerca. Os dois contos finais passam uma vaga ideia de um espírito peralta (um trickster), mas é mais uma impressão do que algo de fato.
Horror Oriental é uma interessante coletânea de histórias que variam do simples ao macabro passando por culturas que, mesmo diferentes, possuem seus elementos em comum. Trata-se de uma edição mais voltada para curiosos que desejam conhecer mais sobre as origens de algumas criaturas famosas dos filmes. A leitura é rápida, fluida e possui uma série de ilustrações. Vale a pena pelo conjunto. E parabéns para a Laboralivros por esse trabalho importante de trazer para o público brasileiro um pouco mais da rica cultura oriental.
Ficha Técnica:
Nome: Horror Oriental - Contos Populares Fantásticos e Sobrenaturais
Organizado por Lua Bueno Cyriaco
Editora: Laboralivros
Tradutores: Paulo Soriano e Lua Bueno Cyriaco
Número de Páginas: 102
Ano de Publicação: 2018
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*Recebido em parceria com a Laboralivros
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