O que você consegue misturando uma narrativa de cotidiano, um transporte ao outro mundo (isekai) e um mundo de fantasia? Seijo no Maryoku wa Bannou desu, uma história divertida e emocionante que mudou a forma de enxergar os isekais.
É sempre legal quando vemos alguém inovar em alguma forma de narrativa já conhecida. Pensar algo que parece óbvio, mas que ninguém pensou usar. Seijo no Maryoku é justamente isso: uma maneira de explorar o gênero de isekais (personagens transportados a outros mundos) com um twist diferente. O anime não tem nada de espetacular, a história não é terrivelmente emocionante ou dramática e não tem cabeças voando por todo o lado. A direção do anime simplesmente explorou o gênero de narrativa do cotidiano (slice of life) e o levou a esse tipo de história. O resultado é uma experiência aconchegante e divertida que consegue nos levar ao longo de vários episódios a ponto de conhecermos todos os personagens e gostarmos de estar junto com eles. Esse é outro anime que passou longe dos holofotes em uma temporada de primavera japonesa marcada por muitos títulos incríveis.
Seijo no Maryoku wa Bannou desu ou The Saint's Magic Power is Omnipotent é uma animação baseada em um romance (sim... não é em uma light novel... esta veio depois do romance) que ainda está sendo publicado no Japão. Ela inicialmente era publicada em uma plataforma de publicação independente (semelhante ao Wattpad) chamada Shosetsuka ni Naro. O romance foi adquirido pela Fujimi Shobo que começou a publicação em 2017, um ano depois que ela começou a ser publicada na plataforma. A light novel conta com sete volumes publicados até o momento, é escrita por Yuka Tachibana e ilustrada por Yasuyuka Syuri. Curiosamente, o mangá adaptando a light novel começou a ser publicado quatro meses depois e é ilustrado por Fujiazuki com roteiros da própria autora. O mangá conta com 5 volumes e também ainda está em publicação. Quando eu li a sinopse da animação logo me interessei. Mas, me encuquei com o estúdio de animação, o studio Diomedéa. Aí, meu sangue gelou. O Diomedéa não é nenhum studio particular sendo os animes mais conhecidos Ahiro no Sora e Domestic no Kanojo, que não são nenhum primor de animação. Bem, dei uma chance ao anime porque no dia em que ele era transmitido, às terças, eu não tinha nada para assistir. A animação é bem razoável, a trilha sonora não é das melhores. Mas, aí que é está: isso não é importante para o anime. E já explico o motivo. O diretor Shouta Ibata (de D-Gray Man, Eyeshield 21 e Gintama) é alguém com bastante experiência e soube mostrar isso mesmo com os poucos recursos do estúdio. Wataru Watari (de Qualidea Code) fez um trabalho bastante competente nos doze episódios do anime.
E se você fosse convocado para outro mundo e não fosse o escolhido? É assim que a vida de Sei Takanashi muda da noite para o dia quando ela é invocada para outro mundo junto com uma outra menina chamada Aira Misono. As duas são transportadas para o meio de um salão real quando um príncipe de longos cabelos vermelhos recepciona Aira afirmando que ela é a Santa, uma entidade com enormes poderes mágicos capaz de salvar o mundo das forças do mal. Todos aguardavam ansiosamente a sua chegada. Mas, e Sei? Bem, nossa protagonista é deixada de lado e levada até uma ala do castelo. Ela está desesperada para saber como pode retornar para o seu mundo já que ela não é necessária. E, ninguém sabe responder como. Os dias se passam tediosos e ela tem tudo o que poderia precisar: um quarto imenso no castelo, várias servas para atender seus pedidos, comida e o que mais ela precisar. Só que Sei não está satisfeita. Então ela decide sair do castelo e explora os jardins do castelo e se depara com várias ervas que ela conhece de seu próprio mundo, graças a um hobby seu de estudar ervas. Então ela acaba entrando para um Instituto de Herbologia após conhecer algumas pessoas de lá e decide usar o seu tempo estudando ervas e ajudando a preparar poções. Só que acontece um fenômeno estranho: todas as suas poções são super poderosas. E fica a dúvida: será que Sei realmente não é a Santa? Bem, ela vai tocar a sua vida lá no instituto fazendo amizades e conquistando as pessoas.
Essa é uma narrativa que nos coloca em um mundo de fantasia que estamos bastante acostumados a conhecer. Com castelos, cavaleiros, magia e um inimigo a ser derrotado. Mas, qual é a diferença? O roteiro não se preocupa tanto com a construção de mundo, algo que parece que todos os isekais estão atrás. Os primeiros episódios não se focam em explicar demais, apresentar reinos e intrigas e características. Se foca na Sei e em como ela reage ao estar em um mundo diferente. E perceber qual é o seu papel naquele espaço já que sua presença ali era meio desnecessária até aquele momento. Sei toma seu destino para si e sai em busca de respostas. O que vamos ver ao longo de toda a série é um destaque maior aos personagens e suas motivações. Entender como eles se relacionam entre si, quais os seus dilemas e como Sei pode ajudá-los. A personagem é muito pró-ativa, entendendo que para ter importância nesse mundo, precisa se fazer necessária. Esse enfoque nos personagens cria uma narrativa bastante complexa, mas sendo entregue aos espectadores em pequenas doses e sem pressa. Os episódios são tranquilos e vão deixando pequenas informações de roteiro que só farão efeito no momento certo.
A simplicidade do roteiro é desconcertante. Isso porque a adaptação aproveita ao máximo o potencial da história, mesmo que ela não seja tão revolucionária assim. Por exemplo, os episódios vão se focar inicialmente na Sei construindo relações. Jude é um dos pesquisadores do Instituto e é a primeira pessoa com quem ela faz amizade. Ele a leva até o lugar de pesquisa e apresenta o que eles fazem ali. Ao ver o interesse de Sei por aquilo que é feito ali, Jude apresenta Sei a Johan, o chefe do instituto. O que vai tocar Jude e Johan é como Sei é interessada e esforçada para atender as expectativas. Aquele trabalho tão cotidiano deles, de fazer poções de cura para os soldados, é o meio que a personagem encontrou para se manter ocupada. Fora que é um tema pelo qual ela se interessa. A partir desse momento inicial, Sei se encaminha para a biblioteca para entender o funcionamento da magia naquele mundo e as potencialidades das ervas. E é lá que ela conhece Elizabeth, que ela vem a descobrir depois como sendo uma pessoa importante dentro da corte. E ela só conheceu Elizabeth porque queria alguém para conversar e que também fosse uma mulher. Estar cercada apenas pelos pesquisadores do instituto a chateava, Daí temos depois o capitão Hawke que Sei conhece depois de curá-lo após ele retornar muito ferido de uma campanha contra monstros.
Não sei se foi possível entender o porquê de a história ser tão interessante. Mas, basta a gente dizer que tudo é interligado. E de uma maneira que a gente consegue se localizar sem precisar ir e voltar na história. Como qualquer boa narrativa de cotidiano, a história te pega pela mão e vai apresentando os personagens e o ambiente que os cerca aos pouquinhos. Quando nos damos conta, estamos fisgados por uma história que queremos saber o que vai acontecer a seguir. Se você é um espectador em busca de uma história de ação, talvez esse anime não seja para você. Mas, se você quiser apenas dar uma relaxada e assistir uma boa história, o anime te recompensa bastante pela paciência. Ele mantém um ritmo constante e os acontecimentos vão ficando cada vez melhores no miolo da temporada.
Se os primeiros episódios se focam em como a personagem vai buscar se encontrar nesse mundo, o arco do meio vai colocar em xeque a dúvida de se a personagem é ou não a Santa. E somos colocados no meio de uma disputa na corte entre um príncipe teimoso e um rei constrangido por como as coisas chegam a determinado ponto. As dúvidas começam a ficar maiores, principalmente por que coloca aquela dúvida na cabeça de "e se eu errei?". O príncipe herdeiro de Salutania, Kyle, recebe mal Sei em detrimento de Aira. Ao se empolgar com a convocação de Aira, ele não dá a mínima para a outra convocada e a deixa desamparada no meio da corte. Isso é visto como uma absoluta falta de educação porque o mínimo era demonstrar hospitalidade a ela. Durante muito tempo Kyle sequer troca duas palavras com Sei. Só que quando os poderes de Aira parecem não ser tão "santos" assim e Sei demonstra estranhas habilidades no instituto, isso desperta a atenção de Kyle. E ele vai perceber exatamente a confusão na qual se meteu tarde demais.
Curti bastante o anime, não está entre os meus melhores da temporada, mas certamente foi um daqueles que a gente curte simplesmente assisti-lo nos momentos de folga. A história era divertida e conseguia me atrair por um bom número de horas. Gostei de poder acompanhar a Sei em suas aventuras e pouco a pouco os personagens foram me conquistando um a um. Até mesmo o seu enlace romântico com o capitão da guarda, algo bem óbvio, se revela tão doce e gentil que não parecia forçado. O espectador conseguia analisar o quanto era feito de forma natural e as situações eram exploradas muito bem pelo roteiro. Inclusive o affair da Sei funcionava como uma pessoa para quem ela podia se abrir e contar suas preocupações e problemas. Hawke era um excelente parceiro para ela, e a relação se transformar em algo mais era bastante previsível. Só que aí é que está: ser previsível não significa ser ruim. A marca desse anime foi atacar bem as bases narrativas da história. Só tenho a recomendar. A história se fecha bem em doze episódios e deixa pequenos plots a serem explorados depois. Se nunca tiver uma segunda temporada (apesar de ter material para isso) não vai apresentar nenhum empecilho para alguém curtir os episódios já existentes.
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